A nervosa chamada à porta do quarto acabou com o plácido idílio que se estava desenrolando ali dentro. Rich Nelson levantou-se, enquanto Dixie arranjava o cabelo, perguntando:
— Quem bate?
— Sou... Morris, senhor Nelson. McCoy acaba de chegar...
Dixie respirou profundamente e pôs-se em pé de um salto. Nelson esboçou um sorriso pensativo.
— Obrigado. Espere-me lá em baixo.
Enquanto o nervoso hoteleiro obedecia, voltou-se para a rapariga, que o agarrou com força pela camisa.
— Chegou o momento...
— Sim. E já desesperava. Também os meus nervos se começavam a alterar. E tu como te sentes?
— Muito preocupada. Se esse «pistoleiro» veio enfrentar-se contigo, não deixará de tomar as suas precauções.
— Já contei com isso. Certamente tratará de encobrir-se contra todos os riscos colocando algum cúmplice estrategicamente para que dispare à traição sobre mim. Mas não lhe vou dar a iniciativa. Escuta...
Esteve falando em voz baixa durante uns momentos, e ela escutou-o com devida atenção.
— Compreendeste bem?
— Perfeitamente. Pensas que o conseguirás?
— Parece-me que sim. De qualquer maneira, já sabes o que deves fazer. Vou descer e começar o jogo.
Beijou-a e saiu. Então, Dixie sacou o seu pequeno revólver e examinou cuidadosamente as cargas. Depois foi à janela e abriu-a, olhando para fora. Tinha apagado previamente a luz do candeeiro.
Front Street brilhava como nas suas melhores noites. Surgia luz de todas ou quase todas as portas e janelas que davam para ela. Nos passeios havia bastantes grupos de pessoas, ainda que muito poucos passeantes e quase nenhuma mulher.
Em baixo, no vestíbulo, Nelson falou a cinco ou seis homens. Todos se afastaram em completo silêncio, a uma distância razoável.
— De maneira que McCoy já chegou? — inquiriu, sem se dirigir a qualquer dos presentes.
Morris respondeu:
— No comboio. Acompanham-no dois homens: Chuck Abbot e Gaskell, um dos que você já conhece...
— Sim. Nesse caso façam-me um favor. Um de vocês vai ao «Fancy», onde certamente ele se encontra, e avisem-no de que às nove em ponta estarei na rua para lhe devolver a bala que ele no verão passado me enviou. Nada mais.
Deu meia-volta, no meio do temeroso silêncio, e regressou ao andar de cima com a maior tranquilidade. Uma vez lá em cima, a sua tranquilidade converteu-se em rapidez. Por seu lado, Dixie já estava do lado da porta, e abriu respondendo à sua silenciosa chamada.
— Vamos, depressa.
Todos os clientes do hotel estavam em baixo, na rua ou nos estabelecimentos de diversão. Aquilo facilitava-lhes a tarefa. Nelson pegou nos lençóis que tinha ligado conscienciosamente, na guitarra e na sua mala. Dixie pegou na pistola e também noutra mala.
Atravessaram o corredor e chegaram à janela que dava para o curral. Abrindo-a, Nelson olhou para baixo e a seguir atou, rapidamente, um dos extremos do lençol à ferragem que suportava o peitilho inferior da janela.
— Deseja-me sorte, Dixie.
— Com todo o meu coração. Tem muito cuidado...
— Até logo.
Ela lançou-lhe os braços ao pescoço e beijou-o em plena boca, apaixonadamente. Seguidamente, ele soltou-a, sorrindo.
— Assim animado, não há quem possa vencer-me esta noite... Deslizou pelos lençóis com a agilidade de um gato.
Contrastando com a iluminação da rua principal, o curral e toda aquela parte do povoado não tinham outra iluminação que a luz das estrelas. Ao chegar abaixo saltou da corda e esperou.
Um atrás do outro, Dixie atou as pistolas, as duas malas e a guitarra ao extremo do lençol e foi-os descendo até que Nelson os apanhou. Depois, pondo a guitarra na bandoleira e pegando na mala e nas pistolas, saltou o taipal do curral, encaminhou-se para uma barrica vazia e depois desapareceu. Então a rapariga suspirou profundamente e fechou a janela, regressando ao seu quarto.
Ted, o cocheiro, estava ao corrente, assim como todas as pessoas de Dodge, do que estava preparado para aquela noite. Apenas teve conhecimento da chegada de McCoy, decidiu abandonar o negócio por uma hora ou duas e ir presenciar um encontro que prometia ser muito famoso. Encaminhou-se, pois, para o centro de Front Street poucos minutos antes de Rich Nelson, que ia carregado, dando uma série de voltas pelas ruas mais escuras para evitar os possíveis encontros indiscretos, até chegar à cavalariça.
Ao comprovar a ausência do cocheiro, um sorriso distendeu os lábios de Nelson.
— Parece que todos se empenharam em facilitar o teu papel, rapaz — disse para si, enquanto procurava o seu cavalo e a sua sela de montar.
Dez minutos mais tarde, o seu cavalo e os de Dixie estavam prontos para partir. Ninguém tinha aparecido por ali. Faltavam apenas cinco minutos para as nove da noite. Tinha de se apressar para pôr em prática a última parte do seu plano. Saiu da cavalariça e aproximou-se da esquina de Front Street, comprovando que se estavam amontoando pessoas junto dos passeios.
— Já está tudo pronto para a ação... Bem, a caminho, rapaz. E oxalá tenhas tanta sorte como até agora.
Caminhou pressuroso pelas ruas desertas. O seu plano era tão simples como efetivo, a não ser que McCoy lhe tivesse estendido uma armadilha. Logicamente, todas as pessoas, incluindo o assassino de seu irmão, esperariam que ele saísse pela porta do hotel. E para ali estariam apontadas as armas dos presumíveis assassinos emboscados. Mas ele ia aparecer, ao contrário, pelo lado oposto, nas costas de McCoy. Assim, aumentaria o dramatismo da cena...
Enquanto avançava, comprovou pela vigésima vez o bom funcionamento do revólver e se saía perfeitamente da sua funda. A seguir, ao ouvir o surdo rumor das pessoas excitadas, refreou a marcha. Podia ver, pela entrada da rua, a multidão olhando para o hotel de Morris...
Dixie abandonou o seu quarto às nove menos cinco e desceu ao vestíbulo, onde a sua presença foi acolhida com curiosidade. Uni dos presentes atreveu-se a interpelá-la:
— Desceu já?
— Não deve tardar.
A seguir encaminhou-se para a rua e subiu pelo passeio, sentindo-se alvo dos olhares das pessoas e ouvindo os seus comentários em voz baixa.
—Não é a rapariga que o costuma acompanhar?
—É bonita...
— Quem será? Dizem que é filha de Morgan Winters, o que teve uma taberna em Abilene....
Finalmente, deteve-se ao ver abrir as portas do «Fancy», e como, no meio de um surdo murmúrio de excitação, um homem saía, detendo-se uns momentos no passeio olhando para cima e para baixo da rua, descendo até ao centro da rua com felinos e cautelosos movimentos, seguido por outro. Alguém, ao lado da rapariga, comentou excitado:
— Vejam! McCoy parece estar com medo. Faz-se acompanhar de Abbot.
— Como se nada pudessem contra um espectro...
McCoy tinha tirado o relógio e consultava as horas. Faltavam três minutos para as nove. Pigarreou aclarando a garganta e fez um gesto seco com a cabeça.
— Andando. Já está na hora.
Gaskell tinha partido um pouco antes para o seu esconderijo, a um sinal de McCoy. Abbot passou a língua pelos lábios e imitou o seu companheiro. Os que ainda permaneciam no «saloon» apressaram-se a sair para a rua, deixando-os sós ali dentro.
— Já sabes. Afastas-te um pouco para o meu lado esquerdo, de maneira que ele não nos possa cobrir. E apenas adivinhes o seu gesto...
— Já sei. Faço fogo, Pensas que não haverá dificuldades?
—Nenhuma. Ficarão muito tranquilos quando o virem morto e não nos pedirão contas. E já sabes que Lawson saiu da cidade...
— E se..., se for verdade, se ele for um morto ressuscitado? Já sei que não é possível, mas...
— Se o for, tu e eu ver-nos-emos no inferno. Vai e deixa-te de ideias, homem. Tens de ter os nervos tranquilos na hora de disparar.
Sem dúvida, ele próprio não os tinha. Saiu para diante e deteve-se a meio do passeio, esboçando uma careta de lobo ao advertir a ovelha:
— Vejam, não ficou ninguém em casa...
A seguir olhou para o quarto de Nelson, sentindo uma estranha apreensão. Finalmente, desceu para a rua. Estava acostumado a lutar com homens e a matá-los. Tinha ganho apodo ao pulso. Contudo, naquela noite, algo falava no seu interior.
O rosto envelhecido de Julie, o seu pânico evidente, a sua sinceridade, tinham-no impressionado mais do que ele supusera. Perguntava se na verdade não teria chegado a sua última hora, se não seria fútil tudo o que tinha preparado, porque ninguém pode matar um morto ressuscitado, que voltou da tumba para se vingar...
Parou a meio da rua e esperou, alentando a coragem, o olhar fixo na porta do hotel de Morris. Quando o tipo aparecesse, vê-lo-ia muito bem. Tinham deixado um amplo espaço livre de ambos os lados da porta...
Olhou para Abbot de soslaio. Viu-o a uns três metros de distância, com a mão roçando a culatra do revólver. Levantou o olhar instintivamente, para as janelas do «Fancy». Avistou Gaskell ali à espera...
Uma rapariga que não o largara de vista, seguiu aquele olhar e também deu pela presença de Gaskell. Compreendeu imediatamente o que se passava. A sua mão procurou o pequeno revólver que levava do seu lado direito...
Eram nove em ponto. A tensão não podia ser maior. Então surgiu o inesperado. Nelson tinha deslizado até à esquina da rua. Com o chapéu sobre os olhos, tinha conseguido chegar ali sem que a sua presença despertasse a atenção de quem quer que fosse. Ouviu um comentário a meia voz:
— Já são nove.
— McCoy e Abbot já estão prontos...
Soube que eram dois contra ele e apertou o seu sorriso. Então mediu o terreno, deixou cair a mão sobre a culatra do seu revólver e avançou. De princípio, o seu avanço não causou alarme. Mas quando afastou dois dos espectadores com violência e eles se voltaram para protestar, tudo mudou. Ambos o reconheceram naquela altura, e outros mais.
Em segundos encontrou o caminho livre, enquanto soavam comentários excitados e todos os rostos se começavam a voltar para ele... Mas atuou com a rapidez que o momento requeria. Em duas passadas alcançou a calçada, a uns escassos dez metros das costas de McCoy e de Abbot. E antes que os dois homens tivessem tempo de advertir a troca de situação em que se encontravam, elevou a voz:
— Olá, McCoy!
O «pistoleiro» sentiu como que uma descarga elétrica o tivesse alcançado instantaneamente. Girou com a velocidade dum raio, ao mesmo tempo que extraía o seu revólver e levantava o percutor, pronto a disparar...
Nessa altura viu, a cara de Nelson, que tinha afastado o chapéu para trás. As luzes iluminavam-no o suficiente para que o «pistoleiro» não perdesse um detalhe do seu rosto...
E McCoy viu perfeitamente o homem que tinha morto oito meses atrás.
O dedo aferrou-se em cima do gatilho por um quarto de segundo, enquanto um calafrio gelado o percorria até à medula. Foi o suficiente...
Todos viram muito bem como Nelson não sacou a sua arma até que McCoy se virou já com a sua engatilhada. Fez fogo duas vezes.
McCoy recebeu a bala em pleno coração. Caiu como um pombo, com uma expressão de terror e incredulidade. Chuck Abbot tinha-se voltado também ao ouvir a chamada de Nelson. Mas a sua posição era desvantajosa para fazer fogo com pontaria e rapidez. Quando quis, uma bala antecipou-se, apanhando-lhe uma mandíbula e destroçando-a. Lançou um grito de dor, enquanto o inútil projétil que disparara se projetava no pó da rua.
E então soou outro disparo. Gaskell também tinha sido apanhado de surpresa pela aparição de Nelson no extremo oposto àquele em que o esperava. Enquanto se voltou e apontou novamente, perdeu um tempo precioso. Viu cair por terra os seus dois cúmplices, e vacilou entre o fazer fogo ou não...
Dixie não o poderia saber. Sacou o seu pequeno revólver, apontou uma fração de segundo e fez fogo. Alcançado na cabeça, Gaskel gritou e caiu por ali abaixo, com a sua pistola, sobre dois ou três dos que ali se encontravam reunidos para presenciar o duelo.
Um intenso, pavoroso silêncio, seguiu a direção daqueles disparos. Ninguém se mexeu, nem uma só palavra se ouviu. O pânico dominava F'ront Steet. Todos os presentes estavam convencidos de que tinham na sua frente um espectro, o vingativo espectro de um ressuscitado...
Dixie correu, empunhando o revólver fumegante, ao encontro de Nelson, que a recebeu com um sorriso, estendendo as mãos e agarrando-a fortemente pelo braço. Olharam-se nos olhos um instante... e disseram tudo.
Depois deram a volta e encaminharam-se, sem pressa, pelo meio da rua, seguidos de todos os olhares. Um murmúrio surdo começou a elevar-se nas suas costas. As pessoas abandonaram pouco a pouco a rua, para se aproximarem tremendo e comprovar que dois deles já se encontravam no inferno, enquanto o outro se encontrava bastante mal.
O cocheiro chegou à esquina uns escassos minutos depois de Dixie e Nelson. Ficou atónito quando os viu sair já montados, em sua direção. Ao chegar junto dele, Nelson deu-lhe uma moeda, dizendo:
— Para as despesas, amigo. Até sempre!
Cavalgaram a trote, afastando-se estrada fora, até se perderem entre as sombras da noite. Alguém se aproximou de Ted e perguntou:
— Vejam! Já tinham os cavalos prontos, hem?
— E um corno! Quando saí daqui estavam presos. Há um par de minutos que chegaram, desamarraram--nos e saíram...
— Não quebres a cabeça. É um fantasma. E os fantasmas podem fazer tudo.
— Sim. Mas a rapariga? Também é um fantasma?
— Vá-se lá saber! A única verdade é que McCoy está mais morto que a minha avó. Com uma bala em pleno coração...
Windy Nelson cumpriu a sua promessa. Deixou-lhe uma bala no mesmo sítio em que ele a recebeu...
EPILOGO
Imensas estrelas brilhavam no firmamento. O vento gemia sobre as altas ervas e os coiotes faziam coro...
A fogueira era apenas um ponto de luz na imensidade da pradaria. Estava num lugar resguardado do vento, junto dumas pedras grandes. E junto dela, um homem e uma rapariga vestida com roupas varonis encontravam-se sentados, silenciosos.
Ele tinha-a agarrada pela cintura e ela encostava 'a sua cabeça no seu ombro, com prazer. Os lábios do homem percorriam o seu cabelo e o seu rosto.
Num dado momento a rapariga levantou a cara e ofereceu-lhe os lábios entreabertos...
— Acabou-se a representação, Dixie. Daqui em diante serei somente Rich Nelson, um homem de carne e osso que se sente dono de todos os tesouros da terra porque te tem a ti...
— Amo-te, Rich! Como nunca pensei poder querer-te...
E voltaram a beijar-se.
FIM
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