St. James passara, em poucos anos, de enclave do Estado de Missouri a ponto de cruzamento e de partida das caravanas.
Tudo acontecera em pouco tempo. Na costa do Este, as possibilidades de se enriquecer eram cada vez menores. Os descendentes dos primeiros colonos, que todos os dias chegavam, invadiam as povoações e as cidades, lutavam pela vida, e dia a dia as dificuldades aumentavam.
O longínquo Oeste, o brutal e selvagem Oeste, o desconhecido Oeste, transformou-se em válvula de escape. Havia milhas e milhas a percorrer, sempre em direção ao Oeste, sempre seguindo o sol. Significavam sofrimentos, lutas com os índios, com os próprios brancos, trabalho esgotante a desbravar as terras virgens, que nunca sentiram sobre si a carícia do arado, o suor e o esforço do homem...
Porém, essas terras ofereciam possibilidades, e para elas se viraram os pioneiros. Produziu-se um fenómeno migratório que não se tornaria a ver senão muitos anos depois, quando se descobriu o ouro e nasceram como que por milagre povoações, negócios e até um tipo de homem determinado, caracterizado pela violência e pela escassez de sentimentos: o pesquisador.
Dia a dia avançou-se para o Oeste. Nasciam povoados - onde pouco antes não existira nada e meses depois regurgitavam de gente.
A terra fértil, que parecia ser ingrata, era sempre superada. As notícias atravessavam as milhas a velocidade incrível, e as pessoas, alucinadas, com o afã de luta que caracteriza os emigrantes, lançavam-se à aventura.
Desmanchavam-se casas, vendiam-se propriedades ao desbarata e todo o dinheiro se investia num carroção, em alfaias agrícolas e em sementes, para começar vida em qualquer lugar desconhecido.
Toda esta gente do Este se dirigia para São Luís, capital do Estado de Missouri, onde se formavam as primeiras caravanas.
Outros preferiam continuar sós. Eram os que não se conformavam com compartilhar a sua terra com os demais. E estes homens, famílias inteiras às vezes, outras vezes mulheres que lutavam sozinhas para sobreviverem à vergonha, à desonra ou ao esquecimento, continuavam a marcha para St. James.
A partir daquele enclave, era necessário formar grupos. Constituíam-se caravanas singulares, muitas vezes quase incríveis, nas quais se misturava gente vinda de todo o Este, que na sua grande maioria fugia do passado. Chamavam-se «caravanas de desesperados» e não raro eram conduzidas por um alucinado, por um louco, por alguém que prometia um paraíso distante, tão distante que lá nunca chegaria a civilização e, com ela, a lembrança desse passado de que fugiam.
Em St. James estavam acostumados àquelas caravanas que se formavam em poucos dias. Chegavam em carroções solitários e procuravam alguém que também precisasse de esquecer. Juntavam-se cinco ou seis, punha-se à frente deles um qualquer, aquele que prometesse ir mais longe do que os demais, e empreendiam a marcha.
Enquanto não se juntavam, permaneciam nos arredores da povoação. As vezes havia dezenas e dezenas de galeras e de carroções de todos os tipos. Eram caravanas que tinham partido completas de São Luís e que se detinham para pernoitarem em St. James. Em certas ocasiões, apenas ficavam dois ou três carroções, que esperavam a chegada do quarto e do quinto. E do sexto. Negociava-se, verificavam-se os últimos apetrechos e as últimas armas, e, sobretudo, planeava-se e sonhava-se.
O «saloon» de Christopher era o ponto de reunião. A sua ampla sala estava sempre cheia de colonizadores e de aventureiros. Tratava-se de um dos poucos estabelecimentos do Estado onde as mulheres entravam sem terem de baixar o rosto.
Um comprido balcão atravessava a sala pelo lado direito. O resto era ocupado por mesas. No centro erguia--se um entabuado e sobre ele via-se pendurado um aro de ferro e uma barra do mesmo metal.
Quando o ferro bateu no aro, era já noite. O ruído ressoou como se a sala fosse uma caverna: metálico, sonoro, quase musical. Toda a gente olhou para o entabuado. Nele, como um hércules, um homem permanecia quieto, com a barra de ferro na mão, comprazendo-se com o ruído provocado. Era alto e forte, de cerca de quarenta anos. O seu rosto quase desaparecia debaixo de uma barba ruiva e selvagem, que se confundia com o cabelo, da mesma cor, dando-lhe aspeto feroz.
Muitos dos que se encontravam na sala, acostumados a ver o desfile constante de indivíduos dos mais diversos aspetos, podê-lo-iam definir sem hesitação. Assim fez Leek, o xerife de St. James. Olhou-o durante um momento e murmurou:
— Escocês... Está cansado dos anglicanos e da gente do Este. Deseja poder e dinheiro e julga-se capaz de consegui-los.
— Talvez — respondeu um homem a seu lado. — Vêem-se poucos como ele... Bom tipo para inspirar confiança a uma expedição. Parece capaz de conduzi-las ao céu, passando primeiro pelo inferno, sem se queimar.
— Veremos.
Quando o eco terminou, um silêncio de atenção flutuava no «saloon». O homem pousou a barra de ferro e cruzou os braços sobre o peito. Notavam-se-lhe os músculos comprimidos sob a camisa axadrezada e sob as calças negras. Deixou a vista deslizar pela sala e observou um a um os homens que a enchiam.
Homens que matavam o tempo, comerciantes enriquecidos rapidamente, criadores de gado, alguns pistoleiros, guias conhecedores das rotas como das suas próprias mãos e rostos anelantes de «desesperados» que desejavam encontrar oportunidade de fugir dos caminhos conhecidos.
Havia três semanas que não partia nenhuma caravana de desesperados. Para eles, aquele gigante ruivo podia significar a almejada oportunidade. Quando falou, a sua voz pareceu emanar do interior de uma gruta:
— Chamo-me Patrick McCrowe e estou há mais de um ano no Este! — berrou. — E agora quero terminar a minha vida no Oeste... Christopher autorizou-me a falar daqui, pois talvez a muitos dos que me escutam possam interessar os meus projetos. Sou parco de palavras. Nasci para agir e não para falar. Deixo isso para os políticos e para os advogados. Não os aborrecerei durante muito tempo; apenas o suficiente para expor o meu plano.
Calou-se. Era um homem inteligente e sabia como criar um estado de profunda atenção. O xerife Leek observava-o através do espelho que cobria a parede. «Um mais — pensou — que quer descobrir o Oeste, para que uns tantos desesperados fujam. Prometerá paz e tranquilidade, esquecimento...».
— Quero seguir para o Oeste! — prosseguiu Patrick McCrowe, interrompendo, sem o saber, os pensamentos do xerife. — E preciso de gente resoluta que me acompanhe. Quero homens e mulheres, capazes de criar uma comunidade e de defendê-la custe o que custar e sem discutir o preço, ainda que seja a própria vida... Antes de decidir-me, informei-me muito bem, falei com guias e com homens que regressaram de lá. O Oeste é imenso e as terras são férteis, mas não devemos resignar-nos a seguir o caminho de todos, sem procurar nada melhor depois de se ter o bom... Existem terras como nunca ninguém as sonhou, que ainda não estão ocupadas. Terras ricas, capazes de dar três colheitas por ano, situadas em regiões agrestes, onde dificilmente chegaria um carro. Os perigos são muitos, as dificuldades inumeráveis... Tem de se lutar em grupo, de combater formando uma só frente... Estou aqui para arranjar homens e mulheres, gente valente e decidida, disposta a criar um paraíso dentro do Oeste!
Leek virou-se e encostou-se ao balcão. Na mão sustinha um copo de «whisky». Observou detidamente aquele homem de cabelo ruivo, que lembrava um leão.
— Que lhe parece, xerife? — perguntou um criado por detrás dele.
-- Um visionário. Um mais... Veremos onde estão essas terras.
Patrick saltou do palanque e começou a andar por entre as mesas.
— Procuraremos ir por uma rota nova, desconhecida, e venceremos todos os perigos que surjam no nosso caminho... Apenas peço ajuda e esforço. Peço que todos os que quiserem acompanhar-me sejam capazes de encostar o ombro, sempre e em todas as circunstâncias... E capazes de pagar qualquer preço... Não ponho outras condições nem quero outra recompensa.
Patrick andava por entre as mesas e as cadeiras, olhando os circunstantes. Homem inteligente, apercebeu-se sem demora de quais eram as pessoas a quem a sua proposta poderia interessar.
— Patrick — disse uma voz. — Onde ficam essas terras?
— Muito perto. Cinco semanas de viagem — respondeu, encarando um velho, que sustinha entre os lábios uni não menos velho cachimbo.
— Cinco semanas? Sabes o que dizes?
— Sei.
— Qualquer caravana demora sete semanas a chegar a um terreno livre. Ponho a cabeça em como é impossível encontrar um só palmo de terra aproveitável que não esteja cercado, a menos de um mês de viagem.
— Seguindo para o Oeste, está bem... Mas a minha rota desvia-se para o Sul, a partir do deserto de Fergur.
Levantou-se outro homem.
— Ouve, escocês — disse-lhe — a via Fergur são duas semanas, e toda a gente sabe que não há nada de bom por ali... Além disso, o terreno é escasso. Os que foram e não se atreveram a voltar, para não atravessarem outra vez o deserto, não encontraram nada.
— O deserto é amplo, amigo — replicou Patrick —e nele, podem seguir-se muitas rotas.
— Com segurança, só uma — disse o xerife, intervindo. — A única possibilidade de não se perderem consiste em seguir o caminho assinalado pelos guias das caravanas anteriores. Tentar qualquer outra coisa é loucura.
— Loucura?... Ah! Ah! Ah!... Não, xerife, não é loucura, mas valentia! Penso seguir o caminho marcado pelas estacas até ao «Posto Jack». E ali derivar para o Sul, até perto do Pacífico. É a terra mais fértil de todo o Oeste.
— E também a mais afastada da justiça. Pode dizer tudo, Patrick — acrescentou o xerife, com um sorriso.
— Que quer insinuar? -- perguntou, ameaçador, aproximando-se.
— Nada. Absolutamente nada. Limitei-me a fazer uma observação: é a terra mais afastada da Justiça, do braço comprido da Lei. Ali, pode sentir-se seguro... quem tenha a consciência suja.
— Vou à procura de terras e não fugido, xerife!
-- Nem eu afirmei o contrário. E para demonstrar-lho, estou disposto a passar-lhe agora mesmo a licença de partida... Vamos fazer a vontade ao novo guia de caravanas através do deserto.
O criado obedeceu e, segundos depois, pôs-lhe o pedido diante. O xerife escreveu e foi lendo:
— Eu, John Leek, xerife de St. James, dou licença de marcha a Patrick McCrowe, com ordem, às autoridades que estão sob a minha jurisdição, de que o protejam, e com o pedido, às superiores, de que lhe prestem toda a ajuda possível...» Conforme, Patrick?
O xerife dobrou o papel e ia a entregar-lho.
— Não vou sozinho — disse o escocês, detendo-lhe gesto.
— Quem o acompanha?
— Ignoro... Mas estou absolutamente certo de não irei só.
— Não haverá nenhum louco que se atreva a deixar o caminho demarcado do deserto de Fergur, para tentar atravessá-lo para o Sul.
— Pelo menos há um — respondeu uma voz por detrás dele.
Patrick virou-se como um raio, sorrindo. O xerife fez o mesmo, mas devagar. Diante deles encontrava-se um homem novo, de perto de vinte e quatro anos. Era magro e não muito alto. Os seus olhos, negros e profundos, pareciam tristes.
— E meu irmão acompanha-me — acrescentou, apontando outro homem que permanecia sentado numa cadeira, diante de um copo. — Ele chama-se James Huston e eu John. Partiremos consigo... se nos permitir, Patrick.
— Claro que sim, amigos. E com os demais. Aqui tem a minha mão.
John apertou-lha. James levantou-se e aproximou-se. Ao erguer-se, tornou-se notada a sua extraordinária estatura, que, sentado, passava despercebida.
— De onde vêm? — perguntou Leek.
— De Atlanta, uma terra perto de Midgeville — replicou John. — Somos agricultores... Tivemos maus anos... Uma maldição, uma verdadeira maldição... — declarou James, que se exprimia lentamente. Parecia fazer um esforço terrível para mover os lábios c articular as palavras.
— As terras não produziram, ficámos sem dinheiro e resolvemos mudar de ares — acrescentou John.
— Do outro lado do Fergur, terão três colheitas por ano. Não terão preocupações — disse Patrick, com a barba ruiva cortado por um sorriso enorme, como todo ele.
— E tranquilidade — murmurou James.
— Já são dois carroções, Patrick. Mas creio que terá dificuldade em encontrar muitos mais — interveio o xerife.
— Pode ser que não...
Patrick, sem dizer mais nada, dirigiu-se para uma das mesas ao fundo da sala. Encontrava-se ali o velho que fumava por um cachimbo também velho. E junto dele uma mulher da sua idade e dois homens mais novos, de uns trinta anos, que não podiam dissimular serem filhos do casal.
Patrick sabia, pois lho dizia um sexto sentido, que aqueles também pertenciam ao grupo de «desesperados». Apoiou as manápulas sobre a mesa, que estremeceu, e limitou-se a proferir algumas frases.
— Prometo tranquilidade, entende?... Iremos para longe, para muito longe, de tudo o que seja civilização, e formaremos um povoado para nós e para os nossos filhos... Tranquilidade, sobretudo tranquilidade.
— Não a procuro — replicou-lhe o velho.
— Nunca é demais. E juntamente com umas boas terras, será um paraíso... Vocês — acrescentou, dirigindo-se aos filhos — poderão iniciar nova vida. E dentro de anos, terão à vossa volta um rancho esplêndido.
— O Fergus encontra-se entre o paraíso e St. James. — replicou o velho.
— E o teu medo di-lo claramente...
O velho fez um gesto e reteve os filhos, que iam a levantar-se.
— Quietos... Limitou-se a dizer a verdade. Tenho medo do Fergur, mas... também o tenho de que alguém creia que tenho medo. Acompanhar-te-emos, Patrick! E se algum dia demonstrares não seres capaz de seguir para a frente, verás qual de nós dois tem medo.
— Bem... aceito o repto! Xerife! Aqui está um carroção mais, disposto a atravessar o inferno para chegar ao paraíso.
— Dois carroções, xerife. Para onde nós formos, irá meu irmão Stefan e a sua neta Mary.
— É verdade.
Patrick virou-se para onde soara a nova voz. Um homem de cerca de setenta anos olhava-o, sorrindo. A seu lado, também olhando-o, estava Mary.
Patrick compreendeu imediatamente que tinha diante de si um anjo. Não era formosa, mas possuía corpo harmonioso e olhos muito belos. Olhavam-no fixamente e Patrick teria jurado que o acariciavam. E, sem saber porquê, sentiu vergonha daquela carícia e afastou a vista. Voltou para junto do xerife.
— Dobrámos o número num instante. Que lhe parece?
— Nada... Candidatos à morte. Atravessei o deserto uma vez e sei o que se sofre quando a garganta se encontra mais ressequida do que a própria areia... Como se chamam? Inclui-los-ei na mesma licença de partida.
— Eu sou Gregory e minha mulher chama-se Vitória. Este é Stuart e este Vic — informou, apontando os dois filhos. — Meu irmão chama-se Stefan e a sua neta Mary. É suficiente?
— É.
Enquanto o velho falara, o xerife escrevera os nomes na mesma folha de papel. No «saloon», as conversações voltaram a reatar-se e as partidas interrompidas continuaram.
Uma vez mais acabava de nascer uma caravana de desesperados, e a ninguém interessava o seu destino. Sabia-se que muitas delas se transformavam em verdadeiras tragédias, nas quais a morte ocupava quase sempre lugar de evidência; porém, este pormenor importava muito pouco àqueles homens, pois consideravam a morte como membro da família que mais tarde ou mais cedo chega de visita. E não parte.
Vários homens saíram da sala. E à saída cruzaram-se com outro que entrava, no qual ninguém reparou. Ou, melhor dizendo, no qual nenhum homem reparou. Porque os olhos de uma mulher cravaram-se nele. Uns olhos negros, que ao olhar pareciam acariciar.
O recém-chegado não sentiu a carícia nem a viu. Ia coberto de pó e a camisa tinha uma crosta de barro, formado pela areia e pelo suor. Todo o seu aspeto denunciava o vaqueiro. As pernas ligeiramente arqueadas e o andar um pouco vacilante identificavam-no como homem que vivera mais de metade da existência sobre cavalos. Era alto e magro, e um cinturão cingia-lhe as calças. Do cinturão pendiam dois «Colts» brilhantes, reluzentes.
Mary olhou-o com atenção. Teve a impressão de que o recém-chegado procurava alguém. Os seus olhos percorreram a sala, observando rapidamente os rostos. E as suas mãos permaneceram flutuando no ar, muito perto dos «Colts», como que indiferentes às armas que se encontravam uns centímetros mais abaixo, mas atentas, na realidade, a elas. O homem deu alguns passos e aproximou-se do balcão.
— «Whisky», vaqueiro?
— Sim, duplo... E um xerife... — replicou.
— Só temos um. Sirvo-o frito ou cozido?
O olhar do vaqueiro fez compreender ao criado que não gostava de brincadeiras.
— Disseram-me que estava aqui. Onde?
— Ao balcão... A menos de dez metros de si.
O desconhecido olhou para o sítio que o criado lhe indicava. Um homem escrevia, quase de costas voltadas. Esperou uns segundos, até ele terminar o que estava a fazer. Quando o xerife Leek se virou para entregar a licença a Patrick, disse, sorrindo:
— Está assinado por mim e em regra. Ninguém os impedirá de passarem sede, se é essa a vossa vontade.
— Assinaste com o teu verdadeiro nome, Jou? — perguntou uma voz. E logo a seguir acrescentou: — Quieto, Jou!
O xerife obedeceu. O seu gesto ficou em meio e as mãos detiveram-se-lhe quando já iam a caminho das armas. Virou-se lentamente. E os seus olhos enfrentaram os do vaqueiro.
— Chamo-me Leek — murmurou. — John Leek.
— Quando te atravessaste no caminho dos nossos, chamavas-te Jou.
— Está enganado, forasteiro.
— Percorri todo o Oeste e seus arredores e agora encontro-te às portas do Este. Achas que um homem pode enganar-se quando durante anos só pensa na sua vingança?
— Chamo-me Leek e nada tenho a ver consigo
— Recorda-te, Jou, recorda-te... Foi num dia vinte de Fevereiro, em Yakton, um povoadozito de Nebrasca.
— Nunca estive em Nebrasca.
— Quieto, Jou!... Não procures pegar nas armas porque me obrigarias a matar-te antes da ocasião em que pensei... Faz um esforço. Em Nebrasca, em Yakton... Recorda-te de um dia vinte de Fevereiro. Recorda-te...
O xerife respirava profundamente. Os seus olhos moviam-se, inquietos, observando tudo o que se passava à sua volta. Viu cravadas em si dezenas de pupilas. Mas em nenhumas a intenção de ajudá-lo. Compreendeu que ninguém sentia amizade por si. Quando muito, indiferença.
Sim, recordava-se do sucedido naquele dia vinte de Fevereiro. Um assassínio. Num rancho dos arredores de Yakton. Recordava-se perfeitamente, porque fora a primeira vez que disparara sobre uma mulher.
— Segui-te a pista, procurei-te por toda a parte... Não me custou muito saber o teu verdadeiro nome. Disse-mo Samrk antes de morrer...
— Morto? — perguntou precipitadamente o xerife.
— Vês como começas a recordar-te? Sim, matei-o h dois anos. Estava no Colorado... Tive de fazê-lo cantar antes de morrer. E fi-lo, claro... E agora chegou a tua vez, Jou.
— Não sou Jou! — gritou o xerife, nervoso. — Chamo-me Leek!
— E eu Bardou!
O xerife compreendeu tudo num relance. O homem que estava diante de si era o filho daquela mulher assassinada anos antes. Significava a chegada do momento da vingança.
— Não... não... — começou a dizer.
— Vim fazer justiça. Olho por olho, dente por dente...
— Não!... Não podes matar-me!
— Sim, posso matar-te... E fá-lo-ei. Puxa da pistola, cobarde! Não quero que ninguém me acuse do que te acuso, assassino.
As palavras de Bardon ressoavam no silêncio que imperava no «saloon».
— Não... não...
O xerife olhava à sua volta, procurando proteção. Mas ninguém parecia disposto a mexer-se para o ajudar.
— Contarei até três, Jou... E dispararei se não tirares a tua arma. Um!
O xerife olhou para o espelho que cobria a parede do balcão. E um lampejo de alegria passou, fugaz, pelas sua pupilas. Aquilo foi o que o perdeu. Bardon, como um raio, saltou para a direita, ao mesmo tempo que puxava do revólver, e antes de deixar-se cair ao chão disparou contra uma sombra que se mexera nas suas costas.
Tudo se passou a velocidade impressionante. A sombra soltou um grito de dor, um rugido quase infra-humano, e ao mesmo tempo premiu o gatilho. Um bocado de chumbo ardente cravou-se no solo, no mesmo sítio que décimos de segundo antes ocupara Bardon.
Entretanto, o xerife, com um- gesto surpreendentemente ágil, procurou saltar o balcão e refugiar-se atrás dele, ao mesmo, tempo que a sua mão se dirigia com rapidez para o «Colt».
Contudo, não conseguiu levar a cabo nenhum dos seus desejos. Novamente voltaram a cuspir chumbo as armas de Bardou, e o xerife converteu-se num boneco. Ao primeiro tiro, o braço pareceu quebrar-se-lhe e caiu pesadamente sobre o tampo do balcão. Ao segundo, o «Colt» voou-lhe da mão e foi projetado contra o espelho, que se partiu com fragor. Ao terceiro, o que voou foi a sua vida. Fugiu-lhe por um buraco nauseabundo e repelente que lhe apareceu de súbito na nuca, jorrando sangue.
O xerife ficou como um sempre-em-pé, em equilíbrio sobre o balcão. Bardon levantou-se e olhou em redor. Havia nos seus olhos uma espécie de repto que ninguém aceitou.
Ao olhar os ocupantes da sala, notou que uma mulher o fitava. Mas naquele momento preocupava-o outra coisa. Aproximou-se do balcão e com o «Colt» empurrou o corpo sem vida, que caiu pesadamente ao solo. Bastou-lhe um olhar para assegurar-se de que o seu inimigo mortal deixara de existir.
— Senhores, o xerife morreu. No mundo há menos um assassino.
Aquelas foram as últimas palavras que saíram seus lábios, ante a atónita surpresa dos presentes. Sem deixar de observá-los enquanto recuava, encaminhou-se para a porta.
As armas, nas suas mãos, descreveram um círculo que ameaçava todos os presentes. Ninguém tentou detê-lo. Nem sequer se moveram, quando desapareceu pela porta.
Somente ao escutarem o ruído dos cascos de um cavalo, vários homens saíram a correr.
— Assassino!
A escuridão envolveu-o. A noite caíra há um bocado sobre St. James e a única coisa que puderam fazer foi disparar contra a massa compacta de um cavalo e de um cavaleiro que viravam uma esquina.
Duas horas mais tarde, encontraram o cavalo. Estava agonizante. Porém, de Bardon, o cavaleiro justiceiro, ninguém sabia nada. Para sempre ficaria na sua consciência uma mancha: assassino de um xerife.
Quando levaram o cadáver de Leek, apenas urna pessoa fez um comentário. Foi Patrick, quem, mostrando a licença passada horas antes pelo homem agora morto, murmurou:
— O último documento de um xerife que assinava Leek e a quem, para o matarem, chamaram Jou.
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