«Kyller» McCoy encontrava-se naquele momento a bastante distância de Dodge, dedicado à importantíssima tarefa de reunir um pequeno e eficiente grupo de valentes que, às suas ordens, se dedicariam durante o Verão a assaltar as pequenas bagagens dos viajantes, as pequenas equipas de ganadeiros do Texas e os vaqueiros que, embriagados de licor e diversões, deambulavam sozinhos por Dodge durante a noite.
No Verão anterior, tais atividades tinham produzido a «Killer» suficiente dinheiro para levar uma vida de rei, manter abastadamente a sua amante oficial e alguma outra que não o fosse, e ainda guardar algum dinheiro. Tinha passado o Inverno fazendo formosos planos e, agora, falava com o que fazia de seu lugar-tenente, um tal Chuck Abbot, pessoa de absoluta confiança.
— Digo-te, Chuck, que este ano podemos desforrar-nos se soubermos fazer bem as coisas. Já viste quantas cornúpetos saíram do Texas? Um quarto de milhão de reses, ou mais, só em quatro meses. Não passou um dia sem que chegassem dois ou três mil bovinos com a sua correspondente escolta. Muitos centos de mil, milhões de dólares, mudaram de mão. E que parte nos coube?
—Não nos podemos queixar, homem.
— Ora! Uma miséria, essa que obtivemos. E para isso com grandes riscos. Dir-te-ei o que se vai fazer novamente. Reunirei um pequeno grupo de homens disciplinados e valentes. Cinco ou seis, não precisamos de mais. Assaltaremos os rebanhos pequenos e apoderar-nos-emos deles. A seguir venderemos em Dodge, onde todos nos conhecem, senão na mesma pradaria, a amigos que conheço e que não fazem perguntas. Também assaltaremos os ganadeiros que acabam de cobrar dinheiro pelo gado e queiram desembaraçar-se das privações sofridas na Rota. Nada de fazer as coisas no ar, como o ano passado. Falei com Julie e planeei tudo muito bem. Raparigas bonitas, abundantes bebidas... e uma arma branca entre as costelas. Nada de barulho. Uma fossa no campo e acabou-se. No caso de perguntarem pelas nossas vítimas, responderemos «que seguiu mais depressa num comboio de ganadeiros».
— E a respeito de Lawson? Não é tipo para nos deixar manobrar tão tranquilamente.
— Deixa-o comigo. Já há tempo que o tenho fisgado. Obrigá-lo-ei a lutar no momento que me pareça mais conveniente.
— Porão outro...
— Decerto. E nós nos encarregaremos de que seja pessoa de confiança. Já falei com Raines sobre esse assunto, no «Fancy». Iremos a meias.
— Eu não me fiaria nele...
— Nem eu tão-pouco. Mas deixá-lo-emos com a ilusão de que o cérebro é que dirige tudo. Depois, quando tenha terminado a temporada, tu e eu far-lhe-emos uma visita. Compreendes? Calculo que entre umas e outras coisas poderemos reunir, muito bem, cem ou cento e cinquenta mil dólares. Mais do que suficiente para levarmos boa vida em San Luís e mesmo em Nova Iorque. Estou farto de viver nestes povoados fronteiriços e ansioso de viver decentemente numa cidade.
— Levas a Julie?
— Nem o sonhes. Ela fica bem em Dodge. Mas em San Luís ou Nova Iorque falaremos a montões de raparigas que valem mais do que a Julie. Já verás, rapaz, como nos vamos divertir imenso este Verão...
A conversa tinha lugar numa das tabernas de Ellsworth, cidade ganadeira que tinha perdido muito desde a chegada do caminho de ferro a Dodge.
«Killer» McCoy era um homem jovem, de uns trinta anos, alto e delgado, de cara chupada e olhos de serpente, com um rosto antipático, sempre a torcer a sua boca de lábios finos. Tinha vivido num dos bairros pobres de Nova Iorque, até que um assassínio o obrigou a fugir para o Oeste, onde se aclimatou com grande facilidade, fazendo uso de um nome muito pouco recomendável.
O seu interlocutor, Chucy Abbot, era um tipo de meia estatura, forte, mais ou menos da sua idade, com um traço na cara, que procurava disfarçar usando a barba comprida e um cabelo revolto, sempre despenteado. Tinha na consciência meia dúzia de assassínios, muito pouco cérebro e muito mau íntimo. Desde que conhecia «Killer» demonstrava-lhe uma fidelidade de cão. E McCoy agradecia-lhe, concedendo-lhe toda a confiança que era incapaz de dar a outro.
Um homem entrou no local olhando para todos os lados. Os dois compinchas levaram a mão aos revólveres, num gesto instintivo do delinquente sempre em guarda, mas cortaram o gesto ao reconhecê-lo. «Killer» franziu o cenho.
— É Gaskell. Que fazes por aqui?
Gaskell já os tinha visto. Avançou para eles e saudou-os com voz nervosa.
—Olá, McCoy. Olá, Abbot. Que há, Gaskell? Ignorava que estivesses em Ellsworth.
— Foi Raines que me mandou. Estão a passar-se coisas muito esquisitas em Dodge.
— Sim? Que coisas?
Antes de responder, Gaskell sentou-se. E a seguir cravou os olhos em McCoy.
— Recordas-te dum tipo chamado Nelson, que mataste em Agosto último?
—Claro que sim. Um fanfarrão...
— Voltou a Dodge.
Tanto McCoy como Abbot abriram muito os olhos e a boca.
— Que... Que voltou...?
— Estás bêbado? McCoy meteu-lhe uma bala no coração...
— Não é preciso dizeres-mo. Mas a verdade é que esta mesma manhã um tipo do Texas, com uma guitarra e acompanhado de uma rapariga muito bonita vestida de homem, apresentaram-se no hotel de Morris, alugando dois quartos. Para começar, assinou o registo com o mesmo nome e a mesma letra daquele que tu mataste; A seguir, no armazém de Marlitt, assustou de tal maneira Molly Pitcher que está na cama, aterrorizada. Ao sair, deixando umas poucas de mulheres desmaiadas, matou Joe Duffey e feriu Tom Martin, que quiseram tomar-lhe a dianteira. Depois de discutir com Lawson, foi com ele até à colina, e depois, à hora do jantar, conseguiu assustar todos os clientes do hotel. Confesso que também me assustou um pouco...
McCoy escutava como quem ouve uma coisa sem pés nem cabeça. Deu um murro na mesa e rugiu:
— Basta! Que pretendes com todo esse discurso? Aquele tipo do Texas está mais morto do que a minha avó e metido debaixo dum montão de terra, na colina...
— Era isso o que eu pensava. Contudo...
— Vais dizer-me que conseguiste acreditar que é um fantasma?
— Olha, McCoy, sabes que não me amedronto com facilidade. Mas isto é diferente. Mais de trinta pessoas, incluindo o próprio Morris, Raines, a tua noiva Julie..., estão certos de que, se não é um fantasma, é um morto ressuscitado. Quando tratei de enfrentar-me com ele, na sala de jantar do hotel, chamou pelo meu nome, e não o podia saber...
— Ora! Alguém lho disse...
— Sim? Lawson conduziu-o à prisão de pistola em punho. Estava lá também Tyler, o ajudante. Lawson andava todo o dia a vigiá-lo, com aquela cara de cão enfadado que costuma pôr quando há algo que não lhe agrada. E esteve a fazer perguntas a todos os que, conheceram Nelson o Verão passado. Sabes o que aconteceu? Pois, passados quinze minutos de ter entrado na prisão, desarmado e vigiado, saiu tranquilamente com o seu revólver na funda. Os que foram a seguir ver o que se tinha passado, encontraram Lawson e Tyler sem sentidos, dentro de uma das celas e amarrados a um barrote com as suas próprias algemas. Dois presos que o viram, afirmaram que esse homem os arrastara inconscientes, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Como explicas isso?
McCoy e o seu cúmplice tinham mudado de expressão. O primeiro, principalmente, assemelhava-se a um lobo desconfiado.
— Continua — disse rudemente —. Que mais?
— Encaminhou-se diretamente para o «Fancy» e pôs-se a cantar diante da porta. Canta e toca guitarra admiravelmente...
McCoy humedeceu os lábios num gesto maquinal. Abbot pigarreou, pegou no seu copo e bebeu-o de um só trago. Já não sorriam.
— E depois?
— Entrou. Conheces Lou Milner? Quando Lawson prendeu esse homem, Lou ameaçou-o e até levou a mão à pistola. O tipo disse-lhe que o iria procurar para lhe dar a oportunidade de o matar. Milner estava a contar o sucedido no «Fancy». E teve-a...
— Matou-o?
— Com uma só bala. A seguir aproximou-se de Julie, que estava morta de pânico, e falou de coisas que se tinham passado entre eles no Verão anterior. Coisas que ninguém poderia conhecer senão o morto e Julie, pelos vistos. Depois disse-lhe: «Vou dar-te um beijo. Serás a primeira mulher que poderá contar que foi beijada por um espectro...», ou coisa assim parecida. Beijou-a, e Julie ficou sem sentidos. Deixando-a cair, voltou-se e disse que te estava esperando para te devolver a bala que lhe meteste no coração. E que te avisássemos. Continuou que, se não respondesses à chamada antes de acabar o seu prazo, teria de se dedicar a atormentar-te todas as noites, enquanto vivesses. Seguidamente, foi-se embora. E, então, Raines mandou-me avisar-te do que tem acontecido.
Fez uma pausa para beber um trago. McCoy calava-se, aturdido, incrédulo, confuso. Abbot parecia aniquilado.
—É impossível — grunhiu —. Um homem com uma bala no coração não pode voltar a viver, não é verdade, McCoy?
— Vai para o inferno! Tens a certeza, Gaskell, de que não se trata de uma brincadeira de mau gosto? Porque mas pagarias...
— Pensas que eu poderia inventar uma coisa destas? Digo-te que em Dodge anda tudo assustado. Quando apanhei o comboio, as tabernas fechavam e todas as pessoas corriam a meter-se em casa. Esse Nelson, espectro ou não, tem feito coisas que não são de um homem normal. Matou dois homens valentes e deixou outro muito ferido; fechou o «sheriff» e o ajudante no. cárcere com as suas próprias algemas, e assustou Molly e Julie mais do que tu possas imaginar. Não há ninguém em Dodge que não esteja a estas horas convencido de se ter encontrado com o espectro do homem que mataste, McCoy. Tu verás o que fazes.
Houve uns momentos de silêncio. A seguir, McCoy encheu o copo e bebeu-o de um só trago, sem respirar. Depôs o copo com força sobre a mesa e levantou-se. Tinha estrias de sangue nas pupilas e uma careta sombria.
— Há só uma coisa que posso fazer — disse roucamente —, e vou fazê-la agora mesmo. Vou comprovar a veracidade de tudo quanto me disseste. E se esse tipo é um impostor que trata de amedrontar-me...
— E... se não for? — perguntou Abbot —. Não gosto nada disto, McCoy. Os vivos nunca me meteram medo; mas os mortos...
— Cala-te, maldito idiota! Os mortos não saem das suas tumbas para andarem a beber, a cantar e matando pessoas por aí. Mas... ainda que o fosse... Mesmo que o seja, não me vou amedrontar, asseguro-lhes. O que farei é encher-lhe o corpo de chumbo e procurar que desta vez não fique com mais vontade de sair de lá. Vamos! Há um comboio para Dodge às doze em ponto. Chegaremos ali próximo das oito da noite. Boa hora para enfrentar fantasmas.
Falava em voz alta e rude. Contudo, quem fosse bom observador, teria reparado que não se encontrava tão tranquilo como dizia...
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