terça-feira, 23 de maio de 2023

ARZ077.08 Um tiro na noite

A partir daquele dia montaram-se guardas. Contudo, nada aconteceu, até à terceira noite.

O acampamento estava em silêncio. Eram duas da manhã. A lua brilhava intermitentemente, coberta, a maior parte do tempo, pelas nuvens. Pairava uma quietude impressionante, apenas interrompida pelo ruído dos passos do homem de guarda.

Aquele turno tocara a James Huston, que, desde a saída do forte, quase não pronunciara uma palavra. De dia para dia, parecia progredir o seu estado de loucura.

De repente, um tiro quebrou o silêncio da noite. A reação foi imediata. As lonas foram afastadas com um gesto rápido e os homens, como se tivessem permanecido acordados à espera do sinal, saíram de armas em punho. Nos primeiros momentos, reinou a confusão. Todos rodearam James.

— Que aconteceu? — perguntou-lhe Patrick, assim que conseguiu tomar o comando da situação.

— índios. Ali, a menos de trinta jardas — replicou James, com lentidão, fazendo um esforço.

Todos se precipitaram na direção indicada. Quando minutos depois regressaram, não tinham encontrado o menor rasto dos peles-vermelhas.

— James, creio que está muito cansado — declarou Patrick. — É melhor ires dormir. Eu ficarei de guarda

— Vi-os... Pelo menos um. Mexia-se...

— Está bem, está bem... Eu continuarei de guarda. Anda, vai para a cama e descansa. E os outros também. Não foi nada; apenas um falso alarme.

James fitou-o com ar idiota e acabou por encolher os ombros e por dirigir-se para o seu carroção. Em breve fizeram o mesmo os restantes, e de novo acampamento mergulhou no silêncio.

Quando na manhã seguinte renasceu a vida, o incidente fora, na aparência, esquecido. Todavia, não era assim. Depois do pequeno-almoço, Louis Bardon chamou Patrick.

— Quero que veja uma coisa — disse-lhe.

— O que é?

— Venha... Está a umas cinquenta jardas daqui.

Enquanto a caravana se tornava a formar, os dois homens afastaram-se dela. Bardon procurou qualquer coisa no solo, até que encontrou. Era uma mancha escura.

Patrick duvidou, mas acabou por vencer o seu bom senso.

— Sabe o que é isto? — perguntou.

— Sangue.

— Sim, sangue de índio... Notei-o a noite passada, mas não quis assustá-los. E creio que o melhor é que ninguém saiba. Seriam capazes de imaginar que os índios são uns super-homens, capazes de receber um tiro e resistir, sem proferirem um grito... como sucedeu com o que James feriu esta noite.

Patrick meneou a cabeça. Depois fitou Bardon e disse:

— Creio que é o princípio do fim. Receio que de mais de uma maneira amaldiçoe a ideia que teve de procurar refúgio entre nós. Somos uma caravana de «desesperados» condenados ao fracasso.

— Não. Triunfaremos... Apenas necessitamos de fé no triunfo e em nós próprios... Temos de chegar ao outro lado do deserto, seguindo a rota que pudermos, mas chegaremos.

— Que Deus o ouça, amigo.

— Assim será.

Regressaram. A caravana já estava formada e recomeçava a marcha. A paisagem continuava a ser monótona. Tudo parecia igual aos dias anteriores. No entanto, dois homens sabiam que sobre os carroções pairava uma visita desagradável: a da morte.

Sem comentários:

Enviar um comentário