sábado, 20 de maio de 2023

ARZ077.05 Uma caravana para esquecer o passado

Ao saírem de St. James os carroções foram revistados. Foi uma operação rápida, que durou poucos minutos. Limitaram-se a levantar as lonas dos carros e a observar o interior. Depois disso, continuaram a marcha.

A caravana oferecia um aspeto estranho. Cada carroção levava, amarradas à volta, quatro pipas vazias, que mais tarde seriam cheias de água. Aquelas pipas deformavam as galeras de modo monstruoso.

A de Patrick McCrowe abria a marcha. O gigante escocês, de rédeas na mão, pensava no futuro que os aguardava, Era um caminho duro e áspero, que poria muitas vezes à prova os nervos de todos. E ao pensar nos membros da caravana, detinha-se em Claudine.

Seguia-se a galera de Stefan e da neta, Mary, a de Gregory, a de Claudine, a do juiz Benton e a de Ivan, que fechava a marcha, depois da dos irmãos Huston.

A paisagem era monótona. Ao longe, à direita, divisavam-se os cumes de uma cadeia de montanhas, mas diante deles, até ao infinito, abria-se a pradaria, suave e ondulante, como se não tivesse fim.

Sabiam que aquela paisagem se repetiria de modo desesperante no Kansas, enquanto no Estado de Arkansas as montanhas corroídas dariam novo aspeto ao terreno. Depois seria Utah, onde começava o deserto de Fergur. A seguir o desvio, para atravessar Nevada pelo sul e chegar a um distrito agreste e quase despovoado, perto da embocadura do Colorado, na região fronteiriça da Califórnia.

Patrick tinha ideia muito precisa da rota. Porém, tratava-se de uma noção teórica. Faltava ver se correspondia à realidade.

A meio da tarde, chamou Graham, o filho do juiz, para que o substituísse enquanto ia inspecionar os carros. Montou um cavalo de reserva e um por um falou com todos. Ao chegar junto de Claudine, pôs-se a seu lado. A mulher levava as rédeas na mão.

— Cansada, Claudine? — perguntou-lhe.

— Nem por isso. E é preciso seguir para diante.

— Suponho que nunca imaginou que algum dia viria sentada na boleia de uma galera...

— Que remédio! É a vida...

— Claro. Com certeza você não tem nenhuma culpa do que sucedeu...

Patrick olhava-a fixamente.

— É preciso esquecer — replicou ela, com laconismo, para que o chefe da caravana compreendesse que não desejava ser sondada.

— Chegaremos depressa, mãezinha? — perguntou Cíntia.

— Daqui a algumas semanas, menina — respondeu--lhe Patrick, deixando-as e dirigindo-se para o carro de Ivan. — Como vai isso? — perguntou.

— Suando...

— Falta alguma coisa?

— Que chegue depressa o paraíso sonhado.

— Chegará. É preciso ter fé no futuro e confiança em nós mesmos. Não importa que sejamos os primeiros a seguir uma rota nova, que nos permitirá alcançar uma terra fértil e despovoada. O que interessa é ter confiança nessa rota. Se nos faltar a fé, não a atingiremos.

— A fé move montanhas, dizem as Sagradas Escrituras..., mas receio que as montanhas não se resolvam a vir ao nosso encontro...

— Nesse caso, iremos nós ao encontro delas.

Passou ao carroção dos Huston. Na boleia encontrava-se sentado James, o magricela. Os seus olhos continuavam cravadas no infinito, como se estivesse ausente. Tinha as faces chupadas e todo ele parecia um esqueleto. Os seus dedos assemelhavam-se às raízes ressequidas de um sarmento.

— James, quero fazer-te uma pergunta.

O interpelado olhou-o, mas nada respondeu.

— Disseste que em Atlanta tiveram uma má colheita, que os campos secaram...

— Exatamente — interrompeu-o.

— Pois lamento desdizer-te... Há mais de dez anos que em Atlanta não se perde nenhuma colheita por culpa do tempo.

— Perdeu-se a nossa. E agora cala-te. Não gosto de conversas estúpidas.

John aproximou-se a correr, a tempo de ouvir a resposta do irmão.

— Tens de desculpá-lo — interveio — porque está um pouco nervoso. Ele é o mais velho e viveu mais tempo naquelas terras. Ama-as muito mais do que eu... Espero que dentro de alguns dias lhe passe. Se precisas de alguma coisa, é melhor perguntares-me a mim.

— Oxalá lhe passe. E seguirei o teu conselho.

Patrick afastou-se dos dois irmãos. Bailava-lhe uma ideia na cabeça. Ambos escondiam qualquer coisa. Qual seria o terrível segredo que os atirara para uma caravana de desesperados? Olhou-os outra vez. John sentara-se na boleia e falava com o irmão.

— Que te disse? — perguntava-lhe.

— Nada. Estranha que os nossos campos tenham secado. Nunca compreenderia a maldição que caiu sobre nós.

— Contaste-lhe alguma coisa a esse respeito?

— Não, claro..., mas a maldição existe, John. Existe

— Sim, bem sei, James. Existe uma maldição sobre as nossas cabeças, mas a verdade é que não a merecemos... Ele suspeitou da verdade?

— Ignoro, mas suponho que não... Estranha a minha atitude, mas...

— Comportas-te de maneira estúpida, James. Vamos em busca do esquecimento, do paraíso... É preciso esquecer todo o passado.

— Achas, John, que se pode esquecer «aquilo»?! É horrível, horrível!... Ainda ressoam na minha cabeça os disparos... Um, dois, três!... Três tiros pelas costas, pelas costas!... E depois aquela noite no carro, com o seu corpo gotejando sangue; com a nossa preocupação de não deixarmos vestígios, limpando-o... Nunca poderei esquecer, nunca!

Os gritos abafados de James confundiam-se com o luar das rodas. Os seus dedos compridos e ossudos crispavam-se sobre a madeira da boleia e as unhas cravavam-se nela.

— Sim, horrível — repetiu como um eco fúnebre, John. — Mas está feito e é preciso esquecer!

— Não posso... não poderei nunca... Persegue-me por toda a parte, vejo-o na pradaria, ao longe, dentro do carro, sobre os cavalos... E sempre me olha com os seus olhos chorosos, e sempre me perdoa com os seus gestos... Não posso, não posso mais, John... Acabarei por endoidecer!

Apertou a cabeça com as mãos. Patrick notou perfeitamente o gesto. Estava a conversar com o velho Gregory, mas não perdia de vista os dois irmãos. Depois viu que o mais novo tornava a montar a cavalo e que seguia a trote até à frente da expedição.

— Pois este tabaco é uma mistura da minha invenção — explicava Gregory, sem notar que quase não era escutado. — Junto folhas de milho queimadas, folhas de tília secas e couro quase pulverizado...

— Couro? — admirou-se o subconsciente de Patrick, ao compreender o que tal facto tinha de inacreditável.

— Sim. Assim arde mais devagar. Além disso, o couro tem um sabor amargo, magnífico... Prova, prova, se queres saber o que é bom.

O velho pôs-lhe o cachimbo debaixo do nariz e o escocês afastou a cara bruscamente. Ao mesmo tempo, tivera a sensação de ir vomitar.

— Magnífico — murmurou. — Qualquer dia convido-te para fumar...

— Não! — Patrick não pôde conter-se e afastou-se a correr.

Gregory ficou a rir-se na boleia. O juiz Benton recebeu Patrick com um sorriso.

— Vi-te fugir do carroção de Gregory, a velha sem dentes. Convidou-te a fumar?

— Se se pode chamar fumar a suicidar-se, sim.

— Aceita o convite outro dia. Conheço este tipo de agricultores... Desde que começámos a expedição, passa o dia a fumar porcarias, para nos habituarmos a apreciar o seu tabaco. Quando estiver convencido de que não aceitaremos nem uma pitadinha, então puxará do autêntico Virgínia... Esta manhã vi-o vomitar, e um homem que não é capaz de aguentar uma cachimbada sem deitar fora tudo o que tem no estômago, não pode fumar sempre o mesmo.

— Queres dizer que...?

— Se está a rebentar, mas aguenta-se, na esperança de que nunca aceitaremos o seu convite. É um bom homem

— Sim, bem vejo... Anda, demonstra-me a tua bondade e convida-me a tomar um golo de «whisky».

— Entra e tira a garrafa.

Patrick saltou para a boleia e, no momento em que ia a entrar, o juiz Benton recordou-se de qualquer coisa que o levou a segurar o braço do chefe da expedição.

— Não, Patrick, esquece o convite. Agora me lembro de que ontem parti a garrafa, sem querer.

— Deves ter mais.

— O Graham guardou-as e não sei onde estão.

— Nesse caso, conformo-me com olhar as nuvens. Posso fazê-lo? — perguntou, comicamente.

— Até te aborreceres. O céu é de todos e é justo que o desfrutemos.

A conversa fora escutada por um homem que viajava no interior do carro. Era Louis Bardon. Assim que ouviu o ruído do cavalo de Patrick, que se afastava da galera, respirou tranquilo. A lona entreabriu-se e apareceu o rosto do juiz.

— Preguei-te um grande susto, não é verdade? Nem me lembrava de que estavas aí dentro... Mas, afinal, talvez tivesse sido melhor. Mais cedo ou mais tarde terá de saber... porque calculo que continuarás connosco?

— Ignoro.

— Decide-te, é o que te aconselha «Cospe-Chumbo» Benton.

— O homem que impunha a Lei com o revólver.

— No fundo, não procedia de modo muito diferente do que usaste com Jou... Anda, filhinho, descansa e dorme.

— Está bem, paizinho — replicou-lhe ironicamente.

Ainda não tinham passado cinco minutos quando ouviu o ruído de outro cavalo que se aproximava.

— É Mary — murmurou o juiz, de modo que o ferido o ouvisse.

Em breve escutou a voz da rapariga.

— Como está?

— Bem... Já bebeu meia garrafa de «whisky».

Ouviu-se uma voz que saía do interior do carroção:

— Três quartos de garrafa — corrigiu.

— Bom, então três quartos, como estás ouvindo. Queres entrar?

A moça sorriu e recusou com a cabeça, e partiu outra vez a galope.

A voz do juiz voltou a soar:

— Antes que decorram três dias, entrará para ver-te, pela certa.

E não se enganava. «Cospe-Chumbo» Benton era uni homem que conhecia as pessoas.

À noite, acenderam uma grande fogueira e todos comeram junto dela. A conversação girou à volta de um único tema: o paraíso para o qual se dirigiam.

E ao ouvi-los falar o próprio Patrick ficava surpreendido com os sonhos daquela gente. Apercebia-se de que, mais do que as suas palavras e as suas promessas, o que os impelia eram os seus sonhos e os seus desejos de deixarem para trás o passado e as recordações. Bastava unia palavra para que todos deixassem correr a imaginação e moldassem o destino a seu gosto. Produzia-se naquela pequena comunidade um fenómeno frequente nas massas: a incompreensão individual desaparecia debaixo de um fim que julgavam comum.

Ao terminar o primeiro dia, o próprio Patrick, o homem que não temia ninguém, começava a ter medo das consequências do seu acto. Ele mesmo era um alucinado, embora fosse diferente dos outros. Ele empreendia a aventura com o passado limpo, e, portanto, a aventura continuava a ser aventura e mais nada. Para os demais, consistia no desejo de ocultarem o passado.

A ideia preocupou-o durante o resto da semana.

Ao sétimo dia chegaram ao Forte Wallace, dentro já do território do Arkansas. Praticamente, tratava-se do último sítio onde encontrariam forças do Exército em quantidade. A partir dali, deixavam de poder contar com a proteção estatal. Tudo dependeria das suas próprias forças.

— As relações com os índios voltaram a ser más e tivemos recontros com eles. Estamos aguardando a decisão de Washington, para proceder, e por enquanto não podemos agir por nossa iniciativa. A partir do Forte Wallace terão de lutar com as suas próprias armas... Quando muito, e tendo em conta que levam mulheres, permitirei que um destacamento de quinze homens, sob o comando de um tenente; os acompanhe durante o primeiro dia. Assim os índios notarão que vão protegidos e talvez consigam escapar ao perigo de serem atacados.

— Atacados?

— Sim... Nos últimos cinco dias, foi o que aconteceu com duas caravanas. Mandámos ordem para St. James de que não deixassem partir mais ninguém. E, se querem um conselho, ei-lo: percam no forte todo o tempo que for necessário ou voltem para casa e esperem outro momento melhor para tentarem a travessia.

— Não podemos fazer isso. Nem sequer temos casa onde esperar. Levamos a casa às costas, como o caracol... E desejamos chegar às nossas terras quanto antes.

— Para onde se dirigem?

— Para o deserto de Fergur, no qual penetraremos até ao Enclave Jack. Depois, tencionamos desviar-nos para Sul, em busca do confim do deserto.

— Para o Sul?...

— Sim. Ali existem as terras mais férteis da América.

— Poucos homens conseguiram salvar a pele na tentativa de atravessarem o Fergur sem seguirem a parte mais larga... E eram homens. Não se esqueça de que vocês levam mulheres.

— Temos de tentar... É o sonho de todos.

— Não posso impedi-los. Apenas aconselhá-los.

— Agradeço-lhe em nome de todos, mas... Começamos e temos de acabar.

— Lembre-se de que, para vencer, precisa de terminar com vida, Patrick. Os mortos não vencem, morrem.

— Não esquecerei essas palavras. Partiremos amanhã.

— Conte com os meus homens, por um dia.

— Obrigado.

O escocês abandonou o gabinete do comandante Gallup e encaminhou-se para os carroções, que se encontravam num dos ângulos do enorme pátio do forte.

— Não há dificuldades — disse. — Tudo está em ordem e amanhã de manhã partiremos. Irão connosco quinze homens, sob o comando de um tenente.

— Até onde? — perguntou Catalina Ilivitch.

— Apenas um dia. Depois continuaremos sós.

— E os índios? — perguntou um dos filhos do velho Gregory.

— Esperamos que não nos incomodem. Até ao Enclave Jack, que fica no meio do deserto, não encontramos ninguém que possa ajudar-nos.

— E se nos atacarem?

— Defender-nos-emos. A partir de amanhã, montaremos guardas de noite e vigiaremos constantemente. Agora o melhor é descansar e recuperar forças. Por ora tudo vai bem.

— Veremos o que nos reserva o futuro... Enfim, boas noites.

O grupo desfez-se. A maior parte dos viajantes fechou-se nos carros e dispôs-se a dormir. Patrick preferiu fumar. Sentou-se nos degraus da sua galera e acendeu um cigarro. Estava a fumá-lo quando uma sombra se moveu junto do seu carro. Voltou-se e viu Claudine.

— Olá — saudou-a, sorrindo.

— Não conseguia dormir e resolvi vir tomar um pouco de ar.

— Sente-se. Está-se bem aqui.

Afastou-se para dar-lhe lugar e a francesa sentou-se a meu lado. Patrick espremeu a cabeça à procura de assunto para conversar, mas não o encontrou. E o que descobriu, não foi muito do agrado dela. Foi a própria Claudine quem se encarregou de demonstrar-lho:

— Não perca tempo, Patrick... Creio que não poderei amar outro homem depois dele. Sei o que pensa. Já fui jovem e bonita.

— E ainda é.

— Já não. Convivi com muitos homens e basta-me vê-los para adivinhar os seus pensamentos. E você é homem... Patrick, tenho de dizer-lhe a verdade: você parece-me sincero, ter bom coração e ser capaz de tornar feliz uma mulher nas condições em que me encontro... Porém, creio que já não sou mulher. Para sê-lo, seria necessário possuir coração, e eu já não o possuo. Perdi-o quando ele acabou. Desista, Patrick, por favor.

— Eu...

—Não, por favor, esqueça-se disso. Sejamos amigos. Você é o chefe da expedição e eu uma mulher que procura esquecer uma grande amor, que deseja uma vida nova, que sofreu ao ver a indignidade de muita gente... Não quero que outro ocupe o lugar dele.

— Mas ele morreu...

— Sim, e eu com ele.

— Isso não pode ser... Os cemitérios estão cheios de sepulturas de pessoas que se julgaram indispensáveis… Ele talvez parecesse indispensável, mas com certeza não o era. Eu...

— Patrick, cale-se, por favor. Não compreende que está a dizer que me ama, que me quer?... Não, Patrick, desista. Fui uma mulher que levou a desgraça aos homens que a amaram. E não quero torná-lo desgraçado... Precisava de dizer-lhe isto, e hoje, Cíntia, a minha querida filha, quase me obrigou a fazê-lo. Ela é uma criança, mas também amou. Como uma criança, claro, de modo mais puro do que os homens e as mulheres, mas conhece o amor. Foi uns meses antes de tudo acontecer. Conheceu um jovem tenente. Impressionou-a o uniforme, a marcialidade... todas essas coisas que impressionam uma criança. E depois de tudo suceder, também ele a abandonou. O militar nunca mais tornou a aparecer. Dele apenas lhe ficou a recordação... E hoje, ao entrar no forte, ao voltar a encontrar soldados, reviveu o seu sonho. Compreende?  Apercebi-me do mal que lhe fizeram a ela que amou e não foi correspondida, e pensei, por associação de ideias, no mal que lhe posso fazer a si. se o escutar.

Patrick esmagou o cigarro contra as tábuas.

— Claudine... por que falaste assim? Não posso ser-te indiferente, desde que procuras evitar fazer-me mal.

— E, de facto, não és. Mas conheço-me e sei como sou. Não compreendes qual foi o meu passado? O meu marido era um armador muito rico. Pertencia à melhor sociedade do Este. Fui respeitada, admirada e amada por toda a gente... E agora, de súbito, tudo ruiu, e tenho de partir para o Oeste, sentada numa boleia, procurando acreditar no paraíso que me prometes... Nunca poderia ser uma mulher digna de ti.

— Dantes, não..., mas agora... estamos nas mesmas condições.

— Nunca, Patrick!

— Para nada interessam os nossos princípios... desde que nos amamos.

— Cala-te, por favor!

— Já reparaste no mal que soa esta palavra amor nos meus lábios? Tenho quarenta anos, mais quatro do que tu, e creio que nunca a pronunciei. E hoje, que a escuto da minha própria boca, soa-me ridiculamente, apesar da certeza.

— Patrick, rogo-te que compreendas...

— Devo compreender que em ti existe ainda o orgulho de classe?

— Se assim queres, assim seja... Mas pensa esta noite em tudo o que te disse. Se me amas, far-te-ei desgraçado. O meu coração morreu com ele... Apenas me resta a minha filha e para ela vivo... E não quero fazer--te mal. Por isso, ao ver o mal que um amor fez a minha filha, quero evitar-te semelhante dor.

Claudine levantou-se e estendeu a mão a Patrick.

— Adeus, até amanhã... E pensa muito em tudo o que te disse. Não quero fazer-te mal.

Patrick sentiu o calor daqueles dedos na sua mão e apertou-os para que não lhe fugissem. Ela sorriu e abandonou-lhos alguns segundos. Por fim, murmurou:

— Por favor...

Ele abriu a mão e Claudine retirou-se, como se acabasse de ser libertada.

Ficou ainda alguns minutos sentado ao pé do carroção. Sabia que se se metesse na cama não poderia conciliar o sono.

Só passada meia hora se levantou. E, ao fazê-lo, ouviu um ruído que o levou a esconder-se. Assomou o rosto e viu que partia do carro do juiz Benton.

Uma sombra saiu dali. Ao fixar-se, reconheceu Mary. Julgou compreender tudo. Mary e Graham, o filho de «Cospe-Chumbo» Benton, amavam-se. No fundo do seu coração sentiu inveja de Graham. Ao menos era correspondido.

Depois de a rapariga se meter no seu carroção, Patrick subiu para o seu. Deitou-se sem se despir e cruzou as mãos atrás da nuca. Assim passou as horas, sonhando e pensando, sem conseguir dormir.

Ao amanhecer, a luz filtrou-se através da lona do carro. Patrick McCrowe não fechara os olhos durante toda a noite. Uma ideia enchia por completo os seus quarenta anos. E essa ideia tinha um nome: Claudine.

 

 

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