domingo, 7 de maio de 2023

CLF054.13 Cantar enquanto se espera pelo assassino

Umas horas mais tarde encontraram Raines, quando as primeiras raparigas e os primeiros criados desceram ao local.

Lawson, avisado imediatamente do que ocorrera, apresentou-se de mau humor na companhia do seu ajudante.

— Por onde andam Rhodes, Winckel e Smithers?

Ninguém o sabia. E uma minuciosa investigação levou-os a descobrir que os três tinham picado esporas nas suas cavalgaduras antes do nascer do sol.

— Para mim a coisa é bem clara — disse o «sheriff» ao seu ajudante — Raines não quis deixar passar uma oportunidade de dar um desgosto a Nelson, para se convencer da sua invulnerabilidade. Mandou os seus guarda-costas liquidá-lo. A seguir, quando descobriu que a coisa tinha falhado, o medo apoderou-se dos três tipos. Discutiram, apunhalaram-no, roubaram o cofre e escaparam-se todos ao mesmo tempo. Bem, isso satisfaz-me...

— Satisfaz-te? Não te compreendo...

— Pois é simples, homem. Tu e eu vamos perseguir esses fugitivos. Assassinaram um proeminente cidadão, não é assim? É mais do que suficiente para irmos em sua perseguição, e é justo que o façamos.

— Mas, Nelson...

— Nelson não tem pressa. Não se vai afastar de Dodge enquanto não regresse McCoy. É certo que nos deixou ficar mal a noite passada, mas enquanto não se demonstrar que é homem de carne e osso e não de um morto ressuscitado, como toda a gente pensa, ninguém nos vai censurar por dedicarmos a nossa atenção a outra coisa, desde que exista um poderoso motivo para o fazer. De maneira que nos vamos pôr a caminho.

Quando os viram sair montados a cavalo, as pessoas compreenderam que a Lei abandonava a cidade, aproveitando a oportunidade que se apresentava para fazê-lo com honestidade.

Os comentários eram frequentes, ainda que ninguém acusasse o «sheriff» e o seu ajudante de cobardes, ou coisa parecida. A notícia dos acontecimentos no hotel constituía a conversa geral.

As mulheres abstinham-se de sair de suas casas, enquanto os homens se reuniam nas tabernas comentando o sucedido.

Já o sol ia bastante alto quando Rich Nelson despertou. Ao voltar a cara lembrou-se do que tinha acontecido. Viu também que tinha dormido bastante e que se encontrava sozinho no quarto.

Sentando-se na cama apalpou a barba com as mãos enquanto um sorriso prazenteiro entreabria os seus lábios. A seguir deitou para o lado o cobertor e pôs-se em pé, flexionando o delgado e musculoso corpo, ao mesmo tempo que respirava profundamente.

Contemplou os buracos produzidos pelas balas no lençol, no cobertor e no colchão, e a seguir procurou a sua maleta, reunindo os quatro projéteis, que fez saltar na palma da sua mão direita. Finalmente, deixou-as sobre a cadeira e foi lavar-se, pentear-se e vestir-se. Olhando-se ao espelho, voltou a sorrir.

— És um homem com muita sorte, Rich Nelson. Mais do que mereces. Procura não a desperdiçares... porque já foste demasiado longe.

Depois de se calçar e colocar o cinto, fez durante cinco minutos ginástica com o revólver. Seguidamente aproximou-se da janela e espreitou cautelosamente, adivinhando a placidez aparente da cena. Front Street assemelhava-se a uma rua duma aldeola tranquila...

— Gostaria de saber, quantos narizes estão ocultos farejando nesta direção. Mas o primeiro é o primeiro.

Indubitavelmente, a rapariga não tinha pregado olho. E tinha algo mais, algo que punha um brilho húmido nos seus belos olhos cercados de uma sombra violácea. Estava muito séria e susteve-lhe o olhar.

—Entra...

Nelson obedeceu. Dixie seguiu-o. Voltou a olhá-la, com um sorriso um tanto nervoso.

— Olá, Dixie. Não... não dormiste?

— Não. Tu dormiste, não é verdade?

— Um pouco... Olha, Dixie, queria dizer-te que...

— Não precisas de me dizer nada, Rich.

— Mas é que eu... Nós... Bom, Dixie, o que te quero dizer é que as coisas não mudaram nada. Quando ajustar contas com McCoy, tu e eu iremos juntos até ao Texas, hem?

— Provavelmente... se não te matarem antes.

— Não digas isso. Até agora tudo correu bem. Sucederá o mesmo com McCoy, verás.

— Pode ser. Mas de qualquer maneira, tu já não pensas casar-te comigo, não é verdade? Ou talvez nunca o pensasses...

Pondo-se sério, Rich estendeu ambas as mãos e puxou-a com força pelos braços.

— É isso o que está a preocupar essa cabecita? Pois podes afastar isso dela, ouviste? Agora mesmo.

— É certo, Rich? Não me ofenderei se me disseres a verdade...

— A verdade é que te quero muito. Dei-to a entender esta madrugada... Bom, foi algo inevitável, já que não o pudemos evitar. Mas repito-te que nada mudou a nossa situação. Apenas sairmos daqui iremos em direção ao primeiro lugar onde haja um sacerdote ou um pastor, Dixie Winters. E se pensas outra coisa de mim é porque te mereço muito pouca confiança e me tens em muito pouca consideração. Ela continha com esforço os soluços.

— Não tenho ninguém, Rich — disse com voz entrecortada —. Nem pais, nem irmãos que me defendam. Nem casa, nem dinheiro... nada. Mas ainda nenhum homem tinha conseguido pôr-me as mãos em cima. E tu podes agora pensar que eu... que não é...

Inclinando-se sobre ela, Nelson cortou-lhe a palavra, beijando-a na boca. A seguir atraiu-a contra o seu peito e manteve-a assim abraçada até que ela rompeu a chorar apertando as mãos sobre a sua camisa. Quando, por fim ficou aliviada, levantou o rosto e procurou os seus olhos.

— Não voltes a dizer que não tens ninguém, Dixie -- disse apressadamente —. E muito menos que eu possa imaginar coisas más de ti. Agora limpa essas lágrimas e prepara as tuas coisas. Em qualquer momento, McCoy pode aí aparecer.

Quando abandonou o quarto ia sério, mas com o coração alegre e livre de algumas preocupações. Regressou ao seu quarto e tapou a maleta de maneira que as marcas das balas desaparecessem à vista de possíveis curiosos. A seguir, voltou para junto de Dixie, que voltara a envergar o trajo que usava na pradaria. Ela engoliu saliva e enrubesceu debaixo do seu olhar...

— Tens apetite?

— Sim, um pouco...

— Eu tenho muito. Vamos ver o que há. Parece que este hotel se esvaziou de gente...

O próprio Morris estava a conversar com um criado e um outro empregado mais abaixo. Os três calaram-se e mudaram de cor quando o viram aparecer. Ficaram quietos e retrocederam pouco a pouco, até à parede.

— Estão mortos de medo — murmurou Rich. Seguidamente levantou a voz e cumprimentou-os. — Bons dias, senhores. É hora de almoçar?

Morris respondeu depois de aclarar a voz:

— Sim... Sim, senhor...

— Obrigada. Parece que vai estar um bom dia, hem? Não há como ter recebido quatro balas para gozar em toda a sua importância toda a alegria de viver.

Os três engoliram em seco muito a custo, pondo expressões de diversas maneiras e sem se atreverem a responder-lhe. A sala de jantar estava vazia. O criado tardou a chegar. Quando se aproximou e serviu à mesa, parecia que tudo o que tocava lhe queimava as mãos. Contudo, o pequeno-almoço resultou abundante e nutritivo.

Quando saíram dali, Nelson aproximou-se do balcão, por detrás do qual se encontrava Morris, que transpirava.

— Oiça, Morris. Deixe de tremer. Não tenho motivos para lhe causar tal impressão. Há alguma notícia que possa dar-me? Por exemplo, acerca de um tal Artie, um tipo de boa pontaria.

O hoteleiro pareceu que quase desmaiava. Recobrou o espírito com enorme esforço, e grunhiu, sem sequer o olhar:

— Esse deve ser Artie Rhodes. Era um dos guarda--costas de Raines, o dono do «Fancy» ...

— Era? Que se passou?

— Você não o sabe?

— Amigo, o facto de gozar provisoriamente de uma permissão para voltar a viver e cobrar uma dívida, não significa que tenha clarividência absoluta. Sabia que o que disparou a matar-me se chamava Artie e estou certo de o conhecer quando o encontrar. Mas não posso saber por onde anda. Assim, conte-me o que souber, hem?

— Sim... claro que sim... Bom, pois parece que foram Rhodes, Winckler e Smithers os que o foram visitar esta madrugada. Eram os três guarda-costas de Raines...

— Pelo qual esse Raines se fez credor em meu agradecimento...

Morris olhou-o de soslaio:

— Está morto. Mataram-no com uma punhalada. Os seus três guarda-costas desapareceram. Saíram todos ao amanhecer, pouco depois do que aconteceu... no seu quarto. E ainda não há duas horas que o «sheriff» e o seu ajudante partiram em sua perseguição.

Nelson tinha-o deixado falar sem demonstrar em absoluto a impressão que tais notícias lhe causavam. Agora, sorria de novo.

— Ora! Pois isso é que são boas notícias. De maneira que Dodge ficou à minha disposição... Que há de McCoy? Ainda não teve notícias suas?

— Não... Ainda não chegou. Mas creio que não deve tardar, hoje mesmo...

— Bem. Vou para cima. Aborrece-me esta cidade e os seus habitantes. Quando tiver notícias da chegada de McCoy, avise-me. E não se faça preguiçoso porque lhe poderia causar um pequeno desgosto. Por exemplo, não me custava muito transformar este hotel numa boa fogueira, compreende-me?

— Farei o que me pede...

— Assim está melhor. E outra coisa: diga-me quanto lhe devo. É provável que nos vamos embora esta noite com certa pressa.

— Não... Não me deve nada. Estamos em paz...

— Sim? C'os diabos, não esperava tanta generosidade da sua parte. Já sabes, Dixie; podes recomendar o hotel do senhor Morris aos teus conhecidos...

— Que te propões fazer agora, Rich?

— Ficar contigo, pequena. Gozar a tua companhia e o teu amor. A vida é bela e nós amamo-nos. Não temos nenhuma necessidade de passear por Front Street para saciar a curiosidade dos habitantes de Dodge; e quero cantar-te umas canções das mais escolhidas do meu reportório. Assim, esta pobre gente terá também com que se entreter, enquanto não chega o senhor assassino McCoy para receber o que merece.

— Pensas que ele virá?

— Tem de o fazer. Necessita dar a cara para salvar a sua reputação. Além disso, deve estar intrigado e preocupado. Conto com isso, e entre poucas coisas, para alterar os nervos à hora do combate. Vem, vou pegar na minha guitarra e ficaremos no teu quarto. Ainda que te pareça mentira, tenho umas ganas enormes de cantar.

E cantou. As pessoas puderam ouvi-lo perfeitamente lá de baixo. Cantava sobretudo formosas canções francesas do Delta, canções dos vaqueiros e outras do Rio Grande do Sul, que falavam de amor...

Os habitantes de Dodge City, tanto homens como mulheres, ficavam em silêncio escutando aquelas canções, fazendo comentários em voz baixa e esperando. Esperando pelo fim daquele dia, certos de que «Kyller» McCoy não deixaria de vir comprovar o boato daquele... o que fosse, que lhes tinha metido medo na medula dos ossos. Certos de que Front Street ia ser alvo da mais extraordinária das pelejas, que iria marcar mais uma na sua sangrenta história. Entre um notório «gun-man» e um morto ressuscitado. Algo digno de ver-se...

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