À noite, Louis Bardon deixou-se cair no solo, esgotado pelo cansaço. Mary deitou-se a seu lado e adormeceu, apoiada no antebraço do homem que amava.
Louis não sabia que horas eram quando sentiu que lhe limpavam a cara com algo húmido. Pareceu-lhe um sonho, mas em breve se convenceu do contrário. Os seus lábios entreabriram-se.
— Água... — murmurou.
Sentiu que lhe tapavam os lábios e o obrigavam a calar-se. Aquilo despertou-o por completo. Diante dele, completamente vestido, estava Paul, o irmão.
— Segue-me.
Louis olhou-o. Sobre o rosto ainda sentia a humidade da água.
— Vem — insistiu Paul.
Louis afastou Mary com suavidade, para não acordar, e levantou-se. Paul estava já longe do carro. Quando o irmão chegou junto dele, entregou-lhe uni cantil de água.
— Bebe... Deves ter sede, com toda a certeza...
Louis não precisou que lhe repetissem a oferta Bebeu avidamente, até despejar a vasilha.
— Onde... há mais? — murmurou.
— Para quê?
— Ela, Mary... E eles... estão esgotados...
— Não há água para eles.
— O quê?... Que queres dizer?
— Vem. Afastemo-nos mais.
Louis seguiu o irmão outra vez, até chegarem a umas cinquenta jardas da caravana, junto de uma estaca.
— Louis, sempre te tive em grande estima e sentiria fazer-te mal... — começou por dizer Paul.
— Continua. Onde queres chegar?
— Conheço-te melhor do que ninguém e sei a teu respeito coisas que os outros ignoram. E suponho que ignora Mary...,
— Quais, por exemplo?
— As tuas aventuras, desde o dia em que fugiste de casa ao encontrares os nossos pais assassinados... A tua facilidade em manejar o revólver... O caso do Banco Manders... O gado de Utah...
— Mudei. Sou outro, já te disse.
— Também te disse que eu não mudei e que não acredito nos homens que mudam. Se lhes oferecerem um preço, voltarão a cair mais cedo ou mais tarde.
— Um preço?... É o que me estás a oferecer?
— Sim. A tua vida.
— Em troca de quê?
— Nem eu sei. Proponho-te que entres no nosso grupo, apesar de não seres preciso, mas não posso deixar que meu irmão morra de sede, queimado pelo sol...
— O teu grupo?... De que estás a falar? Di-lo de uma vez, maldito!
— De um negócio limpo, Louis, e sem perigo... Não ouviste nunca falar dos «desestacadores»?
— Não.
— Pensa um momento: «desestacadores» — repetiu lentamente.
Bastou aquela palavra para que Louis compreendesse tudo.
— Insinuas que mudaram...? — murmurou, com voz rouca.
— Sim, as estacas de sítio. É o negócio mais limpo c tranquilo que existe.
— Assassino! Patife!
— Prefiro não te ouvir, irmão, nem recordar-te o que tu mesmo fazias há menos de um ano... Tiram-se as estacas, mudam-se de sítio, conduz-se uma caravana até ao meio do deserto e deixa-se que a morte a apanhe. Depois de tudo acabado, deita-se mão dos carros, nos quais, geralmente, levam as economias de uma vida, torna-se a colocar as estacas no seu sítio e chega-se ao Enclave Jack como se fosse uma caravana diferente. Depois, continua-se a rota, vende-se tudo no primeiro lugar adequado e volta-se a repetir o golpe assim que o dinheiro se acaba. Uma coisa segura, sem perigo...
— Foste capaz de mudar as estacas?
— Fui, Louis... E tudo correria melhor se não te tivesses atravessado no meu caminho. Agora não teria de salvar-te a vida nem de explicar-te tudo isto.
— És um canalha!
— Podes fazer o que quiseres. A caravana já está perdida. Amanhã recomeçará a marcha, mas em brevenão poderácontinuar. As estacas estão cada vez mais distanciadas, até que se acabem... E então, apenas resta o deserto e a morte.
— Diabo maldito!... Oxalá tivesses morrido no dia em que minha mãe...
— Quieto, Louis. E não tentes nada.
Paul puxara de um dos seus «Colts» e apontava-lho friamente ao coração.
— Procurei salvar-te, Louis, e sinto que prefiras a morte... Para eles tudo está perdido, enquanto que, se te juntares a nós, salvas a vida e apanhas a tua parte no bolo. Somos quatro homens e há cinco carros. A um por cabeça, se quiseres... Dou-te um minuto, Louis. Eu parto. Se quiseres, acompanha-me.
As ideias passaram rápidas pelo cérebro de Louis. O seu passado de pistoleiro, de fora da Lei, voltava a impor-se-lhe. A sua vida colocada diante da morte... E, o que era pior, uma morte estúpida, que não salvava ninguém. Se preferisse sobreviver, um dos carros seria seu.
— Resta-te meio minuto para decidires, Louis...
— E Mary?
— O mundo está cheio de mulheres. Não te faltarão, se tiveres dinheiro.
A ideia de abandonar a caravana dominava-o. Não podia fazer outra coisa. E sabia que se seguisse o irmão se bandearia com um grupo perigoso, de mestres no manejo do «Colt». Repugnava-lhe a ideia de deixar Mary. E de condenar à morte aqueles homens. Mas se ficasse nada conseguiria. O prémio do seu sacrifício seria a morte. Uma morte estúpida.
— Dez segundos, Louis.
Não podia fazer nada. O seu passado arrastava-a E o seu irmão, o seu próprio irmão, oferecia-lhe a vida em troca da indignidade de renunciar a Mary e do seu próprio desprezo.
— Passou o minuto, Louís. Que decides?
Apenas restava um caminho. Escolheu-o.
— Vou contigo.
Na manhã seguinte, quando Mary acordou, encontrou ao seu lado um cantil cheio de água. Mas não encontrou Bardon. Mais tarde, informaram-na de que Paul também desaparecera.
— Dois que fugiram. Por que motivo o terão feito?' — murmurou Patrick.
Ninguém foi capaz de encontrar resposta para a pergunta.
— Continuaremos, deixando o carro dos Huston abandonado aqui.
— E os cavalos? — perguntou Graham, com o braço passado pelo ombro de Susi Ilivitch.
— Faremos o que pensas. Abatemo-los e bebemos-lhe o sangue...
Um esgar de nojo desenhou-se no rosto de Susi. E da mãe. E de Claudine. Mas as três compreenderam que aquilo era inevitável.
O juiz Benton disparou dois certeiros tiros e os animais tombaram no solo, sem vida. O próprio Patrick, com uma navalha, abriu a carne do lombo, num comprido golpe, pelo qual brotou sangue. Era um líquido vermelho, quente, no qual todos mergulharam as mãos. Os lábios tingiram-se-lhes de sangue. Era a última possibilidade de sobreviver.
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