Trevor ficou com a mão no ar, e o dinheiro entre os dedos, e voltou os olhos observando o revólver que o «sheriff» apontava.
— Que se passa? — inquiriu com surpresa.
— E você que vai responder a umas perguntas. E sou eu quem as vai fazer.
— Que mosca lhe mordeu?
Trevor começou a baixar o braço. Ronald e Luke avançaram cada um empunhando um revólver.
— Cuidado, Trevor! — advertiu-o Smilles. — E possível que chegue a tocar num dos seus revólveres, mas antes que possa apertar o gatilho o seu corpo ficará crivado de balas.
O jovem observou os três negros canos, que convergiam para o seu corpo e sacudiu a cabeça.
— Está bem, «sheriff». Estou quieto, mas dê à língua. Tenho interesse em conhecer que classe de brincadeira é esta.
Ronald soltou uma gargalhada.
— Você o disse, gun-man. E uma brincadeira... da qual não vai poder sair.
Trevor fez uma careta.
— Quem é este palhaço? — inquiriu.
Ronald deu um passo em frente e descarregou uma coronhada nos queixos de Trevor. Este soltou uma exclamação surda e foi bater com as costas no varão do balcão. Os jogadores de «poker» suspenderam a jogada e voltaram a cabeça. Os velhos da janela começaram a despertar e a jovem que esfregava o «saloon» interrompeu a canção e o trabalho.
— Quieto, Ronald! — gritou o «sheriff». — Não quero violências!
Trevor sacudiu a cabeça e passou a mão pelo queixo. Em seguida olhou para Ronald com os olhos chamejantes.
— Não tente outra vez, verdugo.
Ronald sorriu, mostrando uns dentes afiados como um cão de fila.
— Aqui têm a minha resposta.
Era evidente que se dispunha a dar novo golpe ao prisioneiro, mas o «sheriff» repetiu com voz seca:
— Quieto, Ronald!
O ajudante ficou imóvel contemplando Smilles.
— Será que o vai defender, chefe?
— Uma das minhas obrigações é proteger os detidos... E também é a tua, Ronald... Será melhor que não tenha necessidade de te o recordar.
Fez-se silêncio. Tony Trevor franziu as sobrancelhas.
— Quere dizer que me vai deter, «sheriff»?
— Exato.
— Por que razão?
— Vamos acusá-lo de uma morte, Trevor.
— De uma morte? — repetiu Trevor. --- Você é louco?
— De um assassinato— esclareceu Ronald.
— Não sei do que estão a falar.
O «sheriff» estendeu a mão livre e agarrou no copo que havia em cima do balcão. Enquanto bebia um trago de «whisky», observou um montão de cabeças através da janela que dava para a rua...
Entre os curiosos estava Tim Farr. O rapaz naturalmente havia dado a notícia por toda a povoação e muito em breve em frente do «Bom Cowboy» estariam reunidos todos os habitantes. Isto era algo de que não gostava e amaldiçoou Tim pela sua comprida língua. Voltou a olhar para Trevor.
— Quer que continuamos a falar... do seu cavalo, jovem?
— Siga. — Você disse antes que o tinha comprado.
— E verdade.
— A quem?
Tony humedeceu o lábio inferior com a ponta da língua e olhou para a biqueira das botas. Quando voltou a enfrentar o olhar de Smilles, respondeu:
— Exatamente... não foi uma compra.
— Claro que não— disse Ronald. — Eu te direi como a fizeste, gun-man. Deitaste-lhe o olho e gostaste dele. Era muito melhor que o teu. Seria uma boa ideia fazeres ã troca. Então arranjaste um plano. Escondeste-te num bom sítio e, quando passava o cavaleiro, atingiste-o pelas costas...
— E a história mais estúpida que ouvi na minha vida! — Trevor voltou a olhar para o «sheriff». — O seu ajudante tem uma grande imaginação. Ou será que apanhou muito sol na cabeça?
— Não é imaginação, Trevor— respondeu Smilles.
Trevor curvou o tronco para a frente.
— Você também acredita nesta história do assassinato?
— Vamos por partes, jovem. Estávamos falando do seu cavalo e você dizia que não o havia conseguido exatamente mediante uma compra.
— E isso.
— Explique-se.
— Está bem. Lá vai. Vindo para cá esta manhã, pelas oito, encontrei-me no caminho com dois indi-víduos. Cada um deles montava um cavalo, mas levavam um terceiro animal. Esse era o potro que viram lá fora.
— E não ia ninguém em cima dele?
— Não.
—Continue.
— Os tipos propuseram-me fazer uma operação. Trocar o potro que sobrava pelo que eu montava.
Ronald desatou a rir.
— Espera que acreditemos nessa história?
— E a pura verdade.
— Vejamos, Trevor — disse Smilles. — Descreva-me esses indivíduos com quem fez a permuta.
— Um era robusto, de forte constituição, de uns trinta anos, cabeça grande e sobrancelhas espessas e nariz achatado... E, agora me recordo que tinha uma cicatriz no queixo, quase ao meio... Uma navalhada, provavelmente.
Ronald disse:
— Eu nunca vi na minha vida um indivíduo com esses sinais, por estes sítios, e aposto que ninguém o conhece.
Trevor esperou a opinião dos que o escutavam, mas viu que continuavam imóveis e cerrou os punhos, raivoso.
— Delgado de cabelo loiro, olhos muito claros, esverdeados. Tinha uma forma rara de rir e torcia a boca cada vez que o fazia... Quando dei o acordo para a troca dos cavalos, perguntou-me se me dirigia a Pau Verde, e. ao responder-lhe que sim, riu com a sua piada.
— Não existe um tipo como esse em toda a comarca— exclamou Ronald. — Diga-lho, «sheriff».
Smilles meneou a cabeça.
— Sim, Trevor. O meu ajudante tem razão. Nunca tive notícias desses tipos.
— Claro que não— interveio rapidamente Ronald. — Aposto que os acaba de inventar.
— Não inventei nada! — respondeu com voz rouca Trevor. — Contei-lhes a verdade. Pensei que ganhava com a troca. O meu potro não era mau, mas há um par de meses teve uma doença... Não ficou muito bem das patas. Senti muito perdê-lo, mas às vezes é preciso deixarmo-nos de sentimentalismos.
Naquele momento, Carrol entrou na sala trazendo na mão o seu rifle. O seu rosto estava lívido.
— «Sheriff»! — exclamou. Smilles voltou a cabeça.
— Que se passa?
— Acabo de ver a sela. Não há dúvida possível. Tem manchas de sangue... Estão secas... Calculo que devem ter uns dois dias.
— Estás certo? — perguntou Smilles.
— Pode você mesmo comprovar o que digo.
Smilles voltou a olhar para Trevor.
— Está apanhado, jovem — fez uma pausa. — Não seria melhor contar a verdade?
— Já a contei— respondeu o jovem. — E vejo que perdi o meu tempo.
O «sheriff» deu um estalo com a língua e disse:
— Escute, filho. Isto é uma pacífica comunidade. A Lei foi implantada aqui há muito tempo. E desde que isso aconteceu a população está sempre pronta a dar uma boa ensinadela a quem a infrinja. Escuso de dizer que o assassínio é castigado com a forca.
— Tudo isso está muito bem — respondeu Trevor. — Mas não necessita de fazer-me essas advertências.
O «sheriff» suspirou.
— Oiça-me até ao fim. Esse cavalo que montou até aqui, pertencia a Lee Carey, um homem de quem não sabemos nada desde há dois dias. Vou--lhe contar os factos e você mesmo tirará as conclusões.
— Sou todo ouvidos, «sheriff».
— Carey era um dos homens mais estimados de Pau Verde. Um homem honrado em toda a aceção da palavra. Tinha uma velocidade extraordinária com o revólver e a essa rara condição unia uma virtude. Punha o seu revólver ao serviço da Lei. Carey tinha sido contratado pela «Anaconda Company» para trazer mensalmente de Santa Fé os fundos necessários para pagar aos operários que trabalham nas minas de cobre de Sacramento. Há dois anos que começou o seu trabalho e nunca lhe aconteceu nada... até agora — o «sheriff» fez uma pausa. — Carey devia ter chegado a Pau Verde há quarenta e oito horas com uns doze mil dólares. Anteontem à noite, como ainda não tivesse chegado, começámos a ficar inquietos. Ontem de manhã, em vista de não sabermos nada dele, organizei três grupos para uma batida pelos arredores. Chegámos até Corona pelo Norte, a Hondo por Este e Solinar pelo Oeste. Não encontrando qualquer rasto dele... Vai dando conta?
Trevor contemplou os olhos que o observavam.
— Sim, creio que sim— respondeu.
— Quere retificar agora alguma coisa da sua história?
Trevor fixou o olhar na face enrugada do «sheriff».
— Não tenho nada a retificar.
Carrol deu um passo em frente e exclamou raivoso:
— Deixe-o entregue aos cidadãos, Smilles!... Quando este tipo se vir com a corda no pescoço, contará as coisas claras.
— Já disse que não quero violências! — respondeu Smilles, sem perder a serenidade.
Carrol resmungou algo baixo, mas ficou quieto. Smilles apertou a ponta do nariz com a mão livre e disse:
— Resulta um pouco inverosímil a sua história, Trevor. Suponho que deu conta. Falou-nos de dois indivíduos que nunca vimos por aqui, e isso de trocar um cavalo estupendo por outro que tinha estado doente dois meses antes... Por aqui entendemos de cavalos... Julga que alguém pode fazer um negócio dessa classe? O jovem fez um movimento afirmativo com a cabeça.
— Continua sendo raro, mas não tenho outra coisa para contar.
— Está certo? — perguntou Smilles.
Trevor mastigou, dando a impressão de que ia a dizer alguma coisa, mas no fim apertou os lábios e murmurou:
— Isto é tudo.
O «sheriff» olhou para Sandy, que continuava atrás do balcão.
— Dá-me essa nota de cinco dólares que te acabam de entregar.
Sandy dirigiu-se à caixa e tirou a nota. Smilles recebeu-a da sua mão e deitou-lhe uma olhadela. Finalmente levantou os olhos, fixando o curtido rosto de Trevor.
— Onde arranjou este dinheiro?
— Maldito seja... Será que lhe tenho de contar todos os meus atos?
— Sim, rapaz. Terá de justificar todos os seus atos a partir das últimas quarenta e oito horas.
— Posso dizer-lhe muitas coisas a respeito dessa nota. Posso dizer-lhe que a ganhei a trabalhar. Posso dizer que a ganhei numa aposta. Posso dizer que a encontrei na rua...
— Sim, Trevor. Pode dizer muitas coisas. Pode até dizer que lha deu ontem à noite um anjo que desceu do céu. Mas eu não o acredito, nem tão--pouco o acreditam os membros do júri que hão-de pronunciar o veredicto respeitante a vol.
— Porque não?
— Existe um motivo muito simples. Este dinheiro pertence à «Anaconda Company».
Fez-se um silêncio que durou apenas uns segundos.
— Como o sabe, sheriff?... Como sabe que esse dinheiro pertence à «Anaconda»?
— A «Anaconda» é uma companhia muito meticulosa. Conta com pessoal eficiente e eles sabem organizar as coisas. Antes de Lee empreender a sua viagem mensal a Santa Fé, a «Anaconda» envia pelo correio ao seu representante em Pau Verde uma relação em que menciona os números das notas que Carey terá de trazer. Desta forma os chefes da «Anaconda» arranjam maneira de perseguir uns possíveis delinquentes, no caso de roubarem o dinheiro. Ontem mesmo, quando regressei da infrutífera batida, visitei o representante da «Anaconda» e pedi-lhe a numeração das notas que Lee Carey devia entregar aqui há dois dias.
O «sheriff» guardou silêncio enquanto introduzia a mão no bolso superior da camisa. Tirou um papel, que desdobrou, mostrando o seu conteúdo a Trevor.
— Pode verificá-lo você mesmo, rapaz... A nota com que pagou os «whiskies» está nesta numeração e aposto que também estão essas outras que você guarda no bolso.
Trevor fechou os olhos e tornou-os a abrir. Em seguida, disse com voz raivosa:
— Vou-lhe contar como consegui esse dinheiro.
Ronald, -que estava calado há alguns minutos, voltou a fazer ouvir o seu riso.
— Procure que seja uma história melhor que a do cavalo.
— Deixa-o, Ronald— disse Smilles. — Pode falar, Trevor.
Tony sacudiu a cabeça e disse:
— O tipo das sobrancelhas carregadas observou a corrente do meu relógio e disse que estava disposto a comprá-la. Aconteceu depois do cavalo. Eu disse que não estava para venda. Então, logo à primeira, ofereceu-me vinte dólares por ele. Eles necessitavam mais dele do que eu, foi o seu argumento. Eu não estava preparado para ouvir semelhante oferta. Cavalgava há uma semana e não tive sorte durante os últimos dias. Apenas me entravam na boca uns pedaços de pão com os correspondentes tragos de água para acalmar-me o estômago. Por fim.... entreguei-lhes o relógio e recebi os vinte dólares.
Ronald deu agora uma forte gargalhada.
— Não o dizia eu? Esta história é, todavia, mais original que a dos cavalos.
Carrol fulminou com o olhar Trevor.
— Pensa que acaba de dar com uma súcia de idiotas?... Nós lhe demonstraremos que se confundiu no lugar, forasteiro.
Smilles deu um suspiro e perguntou:
— Porque não me contou isso antes, Trevor?
— Ia a fazê-lo depois de o informar dos cavalos, mas dei conta de que só servia para piorar a minha situação.
Ronald levantou o revólver umas polegadas e disse:
— Você é muito inteligente. Deu no vinte. Esses vinte dólares acabam de lhe pôr a corda no-pescoço.
Trevor observou a Smilles:
— Que diz você, sheriff»? — Sinto-o, filho, mas... tudo está contra si... Se esse é o seu relato completo, temo que terá as horas contadas.
— Sim?
— De qualquer maneira, prometo-lhe um julgamento legal.
Agora foi o forasteiro quem sorriu, mas fê-lo com amargura.
— Promete-me um julgamento legal. Já sei o que isso significa. Vão-me matar com todas as pompas, e para diversão de Pau Verde montarão um grande espetáculo.
— Pau Verde não é nenhum circo, jovem. Terá o seu advogado. Talvez ele possa explicar aquilo que você não conseguiu.
— Deixe-se de conversas. Estou condenado antes o júri?... — Trevor apontou para Carrol.
— Ê possível que este homem da espingarda vá fazer parte do júri, e também muitos dos homens que olham pela janela... Todos eles, individual e coletivamente, já me prepararam um fim, e para chegar a ele não há necessidade de ouvir um advogado de defesa...
— Eu sei muito bem como isso é. Estou destinado à forca, «sheriff»!
— Não pense assim.
— Como quer que pense? Dá-se a casualidade de ser a minha cabeça que querem meter no laço.
Houve um novo silêncio, e, em seguida, o «sheriff» disse:
— Já nada temos a fazer aqui. Vamos ao meu escritório.
Trevor fez um gesto afirmativo.
— Muito bem, «sheriff», vamos ao seu escritório — observou com um rápido olhar os homens armados que havia na sala.
Smilles apontava o seu revólver para o chão. O do rifle apontava para o tecto. O outro ajudante do «sheriff», que tinha estado calado, apontava o seu revólver para o balcão. Somente Ronald, aquele odioso tipo, apontava para ele.
Naquele momento o «sheriff» fez um sinal para começar a andar para a porta. Tony baixou a cabeça olhando a ponta das botas, como se estivesse vencido. Deu um passo e depois outro, e todo o seu aspeto era de um homem derrotado.
Da rua chegou uma onda de murmúrios. Os que observavam das janelas comunicavam aos detrás que o forasteiro se dispunha a sair.
Tony havia dado três passos em frente. Estava junto a Ronald e Smilles. Passou pelo meio deles e, rapidamente, levou a mão esquerda ao coldre com a velocidade de um relâmpago. Tudo sucedeu em menos de um segundo. Girou rapidamente enquanto a sua mão se aferrava à coronha do revólver. Leu nos olhos de Ronald o desejo de matar, mas ele, Tony, apertou primeiro o gatilho.
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