quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

CLT017.01 A chegada de um homem enerva as autoridades da pacífica Pau Verde

Tim Farr varria, pela terceira vez, naquela manhã o passeio fronteiro à barbearia. Era o trabalho que menos gostava, mas o seu patrão, Carrol Larsen, não podia vê-lo parado ou sentado numa cadeira esperando um cliente e Tim agora resmungava baixo parque o tinham mandado para a rua precisamente quando tinha mais interesse em estar lá dentro.

Gostava de falar com o «sheriff» Smilles, e era o representante da Lei a quem nesse momento o seu patrão estava fazendo a barba.

Tim tinha só dezasseis anos. Não gostava da sua profissão e Deus sabia bem que estava ali à força. Sua mãe era muito amiga de Carrol e aquele velho rabugento, necessitando de um empregado, conseguira convencer a velhota para ter a sua colaboração. E, tudo por dois dólares por semana! Maldita sorte! Que raio de justiça havia na terra! Carrol enganava-se ao pensar que ele aguentaria muito tempo aquele negócio.

Todas as semanas ficava com vinte e cinco cêntimos que lhe dava sua mãe para os gastos. Qualquer dia teria quinze ou vinte dólares e compraria um «Colt» em segunda mão! Então apresentar-se-ia ao «sheriff» e pedir-lhe-ia que o aceitasse como seu ajudante ainda que não recebesse dinheiro por isso.

Sonhava enfrentar-se com terríveis gun-man, com perigosos foragidos e um a um os mataria ou os meteria na prisão. O seu nome chegaria a ser tão famoso como o de Hitchcock ou Wyatt Earp.

Deu a última vassourada mal-humorado e levantou o olhar ao mesmo tempo, que se voltava para entrar no estabelecimento. Em seguida ficou quieto, enquanto, os seus olhos se detinham na figura de um cavaleiro que avançava pelo lado sul da rua.

Tim Farr sentiu que o sangue lhe corria mais depressa nas veias. Os seus olhos observaram, fixamente, o cavalo e o homem que ia em cima dele. Por fim, recobrou os movimentos e precipitou-se pela barbearia dentro.

— «Sheriff» ! — gritou.

Carrol Larsen estava rapando a barba de Smilles e o grito do rapaz produziu-lhe um sobressalto. A navalha fez um corte no rosto do representante da Lei, o qual instantaneamente levantou-se da cadeira soltando uma maldição.

— «Sheriff»! — repetiu nervoso Tim Farr. —Venha depressa!

Carrol voltou-se para o seu empregado com cara de poucos amigos.

—Maldito rapaz! —exclamou. —Por tua causa fiz um golpe na cara do senhor Smilles!

O «sheriff» soltou um gemido e com metade da cara sem sabão, mirou o corte ao espelho. Em seguida voltou-se para Tim Farr:

— Que se passa contigo, rapaz?

—Venha depressa «sheriff»!

—Que é que se passa? — exclamou Smilles. — Parece que viste um fantasma!

—E possível, «sheriff» — assegurou Tim, com um movimento afirmativo de cabeça. —Venha e verificará.

O próprio jovem deu o exemplo correndo para fora do estabelecimento. Atrás dele saíram Carrol e Smilles.

Naquele momento o 'cavaleiro passava defronte do estabelecimento. Tim Farr falou entre dentes:

— Olhe-o, «sheriff».

Smilles semicerrou os olhos observando o homem que cavalgava pelo meio da rua. Andava pelos vinte e oito anos, era moreno, de rosto curtido pelo sol, feições corretas, mas enérgicas. O seu vestuário deixava muito a desejar. A camisa negra estava suada e coberta de pó, na cabeça um chapéu texano de abas largas e copa baixa, muito gasto.

Naquele momento os seus olhos desviaram-se para o sítio donde partia a observação de que estava a ser alvo, e todos puderam ver que eram negros, muito brilhantes. Não pareceu conceder muita importância ao exa-me a que era submetido e olhou outra vez para a frente. O seu cavalo continuava avançando a passo.

—Santo Deus! —exclamou o «sheriff», ficando de boca aberta.

—Por cem mil barbas por fazer! --murmurou Carrol em voz baixa. — Eu também vi o mesmo!

—Não há dúvida nenhuma, «sheriff» —interveio Tim Farr, entusiasmado. —E ele mesmo!

O aludido humedeceu os lábios com a língua ao mesmo tempo que seguia com o olhar o cavaleiro.

— Creio que terei de falar com ele.

—Falar com ele? —resmungou Carrol. —Está louco, «sheriff»?

— Que outra coisa quer que faça?

—Não sabe, eh?... Bem, eu lhe direi.

Carrol entrou no estabelecimento e ao cabo de uns segundos saiu trazendo na mão um rifle. Com uma careta, levou-o à cara e apontou às costas do cavaleiro, que se encontrava a umas dez jardas.

— Isto é o que há a fazer com gente como esta!

Smilles teve de actuar rapidamente para evitar que o barbeiro fizesse fogo. Estendeu a mão agarrando   a espingarda pelo cano, e dando um puxão, arrancou-a a Carrol.

—Não podes fazer isso!

O barbeiro comprimiu os lábios.

—Porquê? Porque não o posso fazer?

— Pau Verde é uma terra civilizada.

— Não me diga, «sheriff» —contestou Carrol, sarcástico. —Ninguém fará aqui justiça pelas suas mãos enquanto eu ostentar esta estrela—o «sheriff» apontou o emblema que se encontrava preso à camisa, uma estrela de latão que brilhava como ouro.

— Vai deixá-lo escapar, Smilles?

— Não, Carrol. Esse homem não escapa. Podes ter a certeza disso.

— Olhe, «sheriff»! — interveio Tim Farr. —Está parado junto ao «saloon» do «Bom Cowboy».

Efetivamente, o cavaleiro havia desmontado e estava amarrando as rédeas da sua montada a um poste trinta jardas mais abaixo na rua. Agora podia-se avaliar bem a sua estatura. Media cerca de um metro e noventa. Todos os seus movimentos eram lentos, como se não tivesse pressa. Smilles, Carrol e Farr contemplaram-no como que hipnotizados.

— Olhe-o — disse Carrol. — Jamais vi um tipo com tanta segurança como este. Sabe o que lhe digo, Smilles?

— O quê?

—Veio aqui divertir-se depois do que fez... Rir--se de nós!

Smilles respondeu, arrastando as palavras:

— São suposições tuas.

— Então porque veio a Pau Verde?... Ande, diga-me uma razão?... Esse tipo tem a certeza de que ninguém lhe poderá deitar a mão.

— Isso vamos a ver.

O «sheriff» tirou a toalha que lhe cobria o peito e limpou a parte da cara ensaboada. Devolveu a espingarda a Carrol e olhou para o rapaz.

— Ouve, Tim, queres fazer-me um favor?

— O que queira, «sheriff» — contestou Tim, alvoroçado.

— Chega ao escritório e avisa Ronald e Luke. Devem estar ali.

— Sim, senhor.

— Diz-lhes que venham preparados... Já sabes para onde vou. Vá, corre!...

— Fique descansado, senhor Smilles. Vou como uma bala.

Tim deixou a vassoura nas mãos do assombrado Carrol, e saiu disparado rua abaixo em direção contrária ao «saloon» onde havia entrado o homem que motivou aquele alvoroço. Em seguida, Smilles endireitou as abas do seu chapéu inclinando-o umas polegadas para a frente. Sacou o revólver do coldre direito e assegurou-se do seu perfeito funcionamento.

— Vou dar uma olhadela— disse.

— Se vai falar com ele, é preferível esperar pelos seus ajudantes — sugeriu Carrol.

—Tu crês?

— Se esse tipo dá conta das suas intenções, disparará antes de falar.

— E possível.

Carrol contemplou o rifle na sua mão e disse:

— Devia ter deixado que o liquidasse... Agora já não teria nenhum problema...

Smilles voltou a colocar o revólver no seu lugar e passou as costas da mão pela testa suada.

— Não compreendo o motivo que o impulsionou a vir aqui— murmurou.

— Já lho disse antes. Estes indivíduos não têm consciência...

— Deus queira que não saiba que se meteu na boca do lobo.

A nova hipótese do «sheriff» não encontrou resposta.

— Eh, Smilles— disse Carrol, olhando para baixo. — ali vêm Ronald e Luke.

Os dois ajudantes avançavam rapidamente pelo passeio. Tim Farr não vinha com eles. O «sheriff» saudou os dois homens quando estes chegaram ao pé de si.

— E verdade o que disse Farr, chefe? — Perguntou um dos recém-chegados, alto, magro, de olhos azuis e de pequeno bigode.

— Sim, Ronald, infelizmente é verdade.

O chamado Ronald sacudiu a cabeça.

— Bem... Tinha ganas de fazer um pouco de exercício.

— Não quero fanfarronadas— retorquiu o «sheriff». — Tu não o viste como eu, Ronald. A sua catadura fá-lo perigoso, muito perigoso.

Luke, o outro ajudante, engoliu em seco.

— Proponho que entremos no «saloon» com os revólveres na mão... Os três ao mesmo tempo, chefe.

O «sheriff» negou com a cabeça.

— Estes indivíduos têm uma vista especial. Ainda que só nos veja a cabeça por cima da porta, sabem se vamos ou não armados. Antes de podermos fazer alguma coisa receber-nos-ia a tiros.

— O que é que vamos fazer então? — perguntou Luke, inquieto.

— Irei à frente e vocês atrás para me cobrir, mas nenhum saca da arma.

— Como? — exclamou Luke, assombrado.

— Foi o que ouviste, rapaz.

Ronald soltou uma pequena gargalhada.

— Vai ser emocionante.

Smilles olhou para Carrol.

— Vem também?

O barbeiro disse que sim com a cabeça.

— Ficarei no passeio, mas estarei preparado com o rifle.

— Andando— disse Smilles, e pôs-se em movimento.

Carroll deixou a vassoura junto da porta do seu estabelecimento, e foi atrás do representante da Lei. Este caminhava depressa, mas conforme se aproximava do «saloon» os seus passos foram-se tornando mais curtos e lentos.

Quando estava a chegar às portas de vai-e-vem, deteve-se e olhou para trás. Os seus homens e Carrol também pararam. Houve una diálogo mudo entre eles. Finalmente o «sheriff» encheu os pulmões de ar, deu um passo e empurrou as portas que tinha na sua frente ao mesmo tempo que murmurava baixo:

— Que Deus nos guarde.

Atrás dele entraram Ronald e Luke. Os três ficaram parados no umbral observando o homem de camisa preta que se encontrava junto ao balcão. Sandy, o dono, estava deitando «whisky» num copo.

Ao fundo, junto de uma janela, dormitavam três velhos. Um pouco mais desviado, quatro homens jogavam o «poker». Uma jovem esfregava o chão enquanto trauteava uma canção.

O «sheriff» fez um sinal com a cabeça aos seus ajudantes. Ronald passou para o lado direito da porta e Luke para o esquerdo. Então o «sheriff» avançou para o balcão.

— Bons dias, Sandy— saudou.

Este deitou-lhe uma olhadela.

— Que há, «sheriff»? —  disse enxugando em seguida o rosto. — Que demónios se passa, Smilles?

— Porquê?

Sandy soltou uma gargalhada.

— Só barbeou um lado da cara?

Smilles passou as costas da mão pela parte não barbeada e sorriu também.

— São ossos do ofício— respondeu enquanto olhava para o homem do chapéu estragado.

Sandy continuou rindo um bocado.

— Serve-me também um copo— pediu o «sheriff».

— Mas nunca bebe a estas horas, «sheriff»!

— Bem, mas alguma vez havia de ser a primeira.

— Está bem, mas depois não vá dizer por aí que eu lhe agravo a sua úlcera.

Sandy colocou um copo em frente de Smilles e deitou-lhe «whisky» até metade. O «sheriff» observou o revólver esquerdo do indivíduo que o tinha obrigado a ir ali. Levava-o muito baixo e isso era uma das características de um bom gun-man.

— Por muito tempo na cidade, forasteiro?

O jovem voltou rapidamente a cabeça e olhou para o «sheriff».

— Conforme...

Houve uma pausa. Smilles bebeu um trago de «whisky» e quando percebeu que o homem continuava a observá-lo, disse:

— Não há muito trabalho por aqui, neste tempo.

— Disseram-me que em Pau Verde as coisas iam bem.

— Isso foi há coisa de uns seis meses. O gado vendia-se bem em S. Luís, mas agora chegou a crise.

— Então seguirei até El Paso.

— El Paso?

— Tenho uns quantos amigos por ali

O «sheriff» sorriu.

— Quem não tem amigos em El Paso?

De novo se fez silêncio. Smilles sacou de uma bolsa de couro e estendeu-a ao seu interlocutor.

— Fuma?

— Bem, há já algum tempo que não o provo— e aceitou a bolsa.

Smilles tirou da algibeira interior da camisa um livro de mortalhas. Arrancou duas e estendeu uma ao jovem. Este fazia o cigarro quando o «sheriff» perguntou:

— Como se chama?

— Trevor, Tony Trevor.

— Tem um bonito cavalo, senhor Trevor.

O jovem ia a molhar a mortalha com a língua e deteve-se observando o rosto do «sheriff».

 Sim — murmurou. — Não é mau.

— Qualquer dia terei de substituir o meu... Está velho, sabe?

Tony Trevor não respondeu.

— Tem lume? — perguntou.

Smilles tirou uma caixa de fósforos e pouco depois Trevor acendia o seu cigarro e expelia uma nuvem de fumo.

— Onde comprou o seu cavalo? — perguntou subitamente o «sheriff». — Sabe se o vendedor tem outro parecido?

— Não. Creio que não. O meu foi uma oportunidade única.

— Sim? Então você é um homem de sorte... Aposto que o conseguiu barato.

— Não posso queixar-me.

Trevor agarrou 'no copo de «whisky» e bebeu o conteúdo de um trago.

— Como se chama? — inquiriu Smilles. Trevor olhou-o outra vez. — Já lho disse há pouco.

— Não me refiro a você...

— Ao cavalo?

— Exatamente, ao cavalo.

Trevor semicerrou os olhos.

— «Dick». Chama-se «Dick» — Trevor sorriu. — E agora, se não se importa, «sheriff», vou-me embora.

— Chegou-lhe de súbito a pressa?

— Não, quase nunca tenho pressa. Mas se aqui não encontro trabalho ir-me-ei em seguida— olhou para Sandy, que se encontrava limpando os copos e perguntou: — Quanto devo?

— Vinte e cinco cêntimos.

— Ponha a do «sheriff». Eu convido-o.

— Então é meio dólar.

Trevor tirou da algibeira das calças um maço de notas. O «sheriff» fixou-as. Eram todas de cinco dólares. Trevor tirou uma das notas e deu-a a Sandy.

Smilles preparou-se para entrar em ação. Trevor teria de estender o braço para receber troco. Esse seria o momento oportuno. Sandy demorou um minuto junto da gaveta do dinheiro e logo voltou até onde se encontravam Trevor e o «sheriff».

— Aqui tem, amigo. Quatro dólares e meio.

Trevor estendeu o braço e recebeu o troco. Nesse instante, Smilles sacou o revólver que baloiçava na anca direita e apontou-o a Trevor.

— Nada de asneiras, rapaz! — murmurou.


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