Tony Trevor deu conta perfeita da sua situação. Antes de cinco minutos encontrar-se-ia encurralado.
Enquanto corria junto à parede de uma casa, olhou até ao fundo da rua, pedindo ao céu que houvesse ali um cavalo, mas não teve sorte. A rua estava deserta.
Podia travar uma luta de morte com os seus revólveres, mas, que ganhava com isso? Mataria meia dúzia de homens e em seguida... se não sucumbisse também na luta, não havia poder divino nem humano que o livrasse da forca.
Mordeu o lábio inferior até fazer sangue.
Nesse momento viu uma janela aberta. Foi algo instintivo. Não se deteve a pensar. Passou uma perna para o outro lado e logo a outra, deslizando silenciosamente para o interior.
Na sala não havia ninguém. Fechou a janela e em seguida as portas de madeira, ficando na maior escuridão. Sentou-se no chão e respirou profundamente. Bem... de momento o perigo havia passado, mas, até quando? Aquela quadrilha de loucos necessitava de encontrá-lo quanto antes para o exibir como um troféu aos honrados cidadãos de Pau Verde. Ouviu passos na rua e levantou a cabeça, prestando atenção.
— Infernos! ouviu exclamar Carrol. — Não se vê!
Em seguida falou Smilles.
— Não pode ter voado. — Fez uma pausa e depois acrescentou: — Eh, rapazes!
Ouviu-se uma voz longínqua:
— Encontrou-o, «sheriff»?
— Nem sequer rastos!... Não passou par aí?
— Não, «sheriff»!... Temos tido os olhos bem abertos!
Seguiu-se o riso inconfundível de Ronald.
— Está claro como água, chefe.
— Como? — interrogou Smilles.
— Penso que se escondeu nalguma casa... Basta que revistemos as casas desta rua para que saia correndo.
— Creio que tens razão— assentiu Smilles. — Eh, rapazes!... Atenção!... Vamos revistar as casas uma a uma! Devem estar preparados.
— Vá descansado, «sheriff»! Se o virmos sair, aqui estaremos para lhe apresentar os nossos cumprimentos.
Smilles imitiu um grunhido e disse:
— Está bem rapazes... Avancemos! Tu, Luke, podes ficar no outro extremo da rua. Os restantes vão dedicar-se às casas.
Tony Trevor notou como os passos se afastavam da janela. Apoiou as costas na parede e soltou uma maldição. A sua sorte estava escrita. Se queria continuar gozando a liberdade, teria de ganhá-la abrindo caminho a tiros. Era inevitável.
Em seguida ouviu passos na sala vizinha e pensou que não havia contado com os donos daquela casa. Endireitou-se rapidamente. Os seus olhos haviam-se acostumado à escuridão. Viu em frente uma porta e, rapidamente, correu a distância que o separava dela.
Os passos detiveram-se do outro lado. Coseu-se contra a parede e enfundou o revólver que empunhava com a mão esquerda, para esta ficar livre. Ouviu-se um ruído e a porta começou a abrir-se.
Um fio de luz penetrou na sala.
Viu a barra de uma saia, uns pontiagudos sapatos e em seguida o perfil de uma mulher. Era um perfil como não havia visto ainda em toda a sua vida. Rosto redondo, nariz direito e uns lábios sensuais. Os olhos eram grandes, bem como as pestanas. Possuía outros atrativos, como por exemplo um busto maravilhoso que se agitou quando a jovem proferiu uma exclamação.
— Oh!
Tony Trevor deduziu qual foi a surpresa da jovem. Ela devia lembrar-se que havia deixado a janela aberta e agora estava fechada. Juntando a isso os tiros na rua principal, tiraria as conclusões lógicas.
A jovem começou a voltar a cabeça, e então ele saltou, tapando-lhe a boca com a mão esquerda enquanto a segurava pela cintura com a direita. Ela tentou libertar-se enquanto abria muito os olhos, mas Tony conseguiu segurá-la com força, apertando-a contra si.
Os seus rostos ficaram muito juntos e ele sentiu o suave calor que emanava aquele formoso corpo feminino.
— Não grite — murmurou-lhe ao ouvido. — Se obedecer às minhas instruções sairá disto sem sofrer qualquer mal.
A jovem olhou-o de frente e Tony jurou que nunca havia visto uns olhos tão negros e brilhantes.
— Está de acordo, senhora?
Ela deixou passar uns segundos e, finalmente, meneou a cabeça em sentido afirmativo. Então deixou-a livre e recuou uns passos. A porta havia-se aberto completamente durante a luta. A jovem observou o revólver que ele empunhava e perguntou com voz seca:
— Que se propõe fazer?
— Andam atrás de mim e não tenho outro remédio senão defender-me.
— Ouvi o barulho na rua — respondeu ela. — E perseguido por toda a população. Não poderá escapar.
— Ê impossível.
— Porque não se rende, então?
— Ê uma hipótese que não me interessa.
Tony observou com mais tranquilidade a jovem. Era esbelta, cintura fina, largas ancas e pernas altas. Só havia visto uma mulher como aquela em sonhos. E ficou sempre a pensar que na realidade não existiam, que não podia havê-las em carne e osso. Mas ali estava aquela jovem para demonstrar-lhe que estava equivocado.
Ela sentiu-se observada, e os seus olhos cintilaram. Tony calculou que ela não teria mais de vinte anos. Recordou-se em seguida que a jovem não estava só em casa.
— Quem está lá dentro?
— A minha mãe.
— Onde está?
— Esteja tranquilo. Não lhe pode causar nenhum mal.
— Tenho de ter a certeza.
As narinas da jovem dilataram-se.
— Se você a tivesse encontrado, tinha tido menos dificuldades que comigo. Ê uma inválida. Não pode sair da cama.
Tony franziu as sobrancelhas.
— Sinto muito... — 'murmurou com voz baixa.,
Fez-se um prolongado silêncio que foi quebrado por uma voz vinda das traseiras da casa.,
— Eh, rapazes! — era Carrol. — O «sheriff» pergunta se há alguma novidade?
— Continua sem aparecer! — foi a resposta.
— Bem, já revistámos três casas... Continuamos com as restantes.
Tony e a jovem olhavam-se.
— Estão na casa do lado— anunciou ela. — Carrol acaba de falar da janela do lado.
— E agora virão aqui.
— Sim.
Houve nova pausa.
— O meu nome é Tony Trevor, menina. Nunca estive em Pau Verde. Vim aqui há procura de trabalho. Se não o encontrasse, seguiria para El Paso. Mas as coisas complicaram-se...
— Que foi que roubou?
— Nada, não roubei nada... Escute bem, repito o que já lhe disse. Não quero fazer-lhe qualquer mal, mas terá de fazer-me um favor.
— Quer que o esconda.
— Sim— respondeu ele, afirmando com a cabeça. — Será coisa de uns minutos. O tempo indispensável para escapar desta ratoeira.
— E se não o faço?
Tony Trevor murmurou:
— Não me coloque nesse dilema, menina... Já alguma vez viu o javali acossado pelos cães?
— Não.
— Eu sim... Presenciei-o várias vezes nos bosques de Louisiana. Não é um espetáculo muito agradável. Os cães lançam-se contra o javali e tentam mordê-lo em qualquer parte do corpo. Eles são uma dúzia e por vezes mais, e o javali está só. O javali tenta fugir e os cães perseguem-no por todos os lados, tratando de impedi-lo. Ao princípio o javali julga que pode consegui-lo, mas engana-se... Pouco a pouco vai perdendo a serenidade e então lança-se contra os cães cego de ira. Já não sabe para onde vai, e por vezes chega a perder o sentido de orientação... E chega um momento que começa a dar voltas como louco...
Naquele momento bateram com força na porta da rua. Três pancadas sem interrupção. Tony Trevor observou a jovem com os olhos semicerrados.
— Bem, menina. Chegou a sua vez.
Ela estava imóvel, como se se tivesse convertido numa estátua. Bateram outra vez à porta. Desta vez foram duas pancadas.
— Não estás aí, Lídia?
— Sim, mamã — respondeu rapidamente a jovem. — Abro imediatamente.
Lídia 'desviou os olhos do rosto de Trevor e passou para o quarto do lado. Em seguida puxou a porta e fechou-a. Tony ficou outra vez mergulhado na escuridão. Ouviu os passos dela e pouco depois a porta abriu-se.
— Bons dias, Lídia— disse o «sheriff».
— Como passa, senhor Smilles? — saudou a jovem. — Olá, Ronald.
— Pregaste-me um rico susto — respondeu Ronald. — Onde estavas, pequena? — No meu quarto. Deitei-me um pouco... Que se passa? Ouvi uns tiros na rua... Foi algum brincalhão?
Smilles tossiu.
— Não, Lídia. Não foi, infelizmente.
— Então...?
Foi Ronald que respondeu:
— Descobrimos o homem que matou Lee Carey.
Houve uma pausa seguida de uma exclamação:
— Não!... Não pode ser!
— Sinto-o, Lídia— disse Ronald. — Mas os factos o demonstram. O tipo que se escapou das nossas mãos apresentou-se em Pau Verde com o cavalo de Carey. O cavalo tinha sangue seco de um par de dias... e se ainda faltava alguma coisa, pagou no «Bom Cowboy» com notas pertencentes à remessa que Lee Carey devia entregar aqui anteontem.
— Santo Deus!... Lee morto!
— Bem — disse Smilles. — Esse homem nega tê--lo feito.
Ronald riu-se.
— As provas estão contra ele e são suficientemente claras. Não há dúvida nenhuma.
Tony sentia o bater do seu coração. Agora arrependeu-se de não ter posto a jovem ao corrente de tudo. Tomara-o por um simples ladrão, pois perguntara-lhe o que tinha roubado. Que ia fazer agora Lídia, se julgasse que tinha dentro de casa um assassino? A resposta era muito simples. Dir-lhes-ia que ele, Tony, se encontrava ali atrás da porta, e tudo acabaria... Bem, defenderia a sua vida até ao fim.
Smilles tossiu novamente, acrescentando:
— Estamos revistando todas as casas, Lídia. Até agora não o encontrámos. Pode estar aqui.
Passou-se um segundo... dois... três.
Tony sentiu os lábios secos. Lentamente, foi levantando o revólver que apertava na mão direita e apontou para a porta, junto à altura da fechadura.
— Não, «sheriff». Esse homem não está aqui.
Tony fechou os olhos ao ouvir a resposta dá jovem. Em seguida, fez-se um prolongado silêncio.
— Como o sabes? — inquiriu, por sua vez, Ronald. — Como sabes que não está aqui, Lídia?
— Só há uma janela que dá para a parte de trás, a do meu quarto de dormir, que é precisamente onde eu estava quando vocês chegaram. Estive deitada quase meia hora e sempre tive a janela fechada. Não se pode abrir por fora. Para entrar aqui teria de o fazer pela porta principal.
— Isso não o pode ter feito— disse Smilles. — Deve ter entrado por alguma das janelas que dão para as traseiras. Bem; aqui não está. Vamos, Ronald. Ouviram-se passos.
— Como está a tua mãe? — perguntou Smilles.
— Perfeitamente.
— Diz-lhe que um dia destes virei vê-la. Adeus, pequena. E tem cuidado. Não saias até tudo estar esclarecido.
— Obrigada, «sheriff». Assim farei.
Os passos perderam-se ao longe.
— Não te vais embora, Ronald? — disse em seguida Lídia.
— Queria falar contigo um momento, Lídia, a sós— respondeu o ajudante do «sheriff».
— Sobre quê?
— Sobre um tema interessante. De ti e de mim... e de Lee Carey.
— Será melhor deixares isso para outra ocasião.
— Não, Lídia. E possível que tu possas esperar, mas eu não. Conheces os meus sentimentos por ti desde há muito tempo.
— Por favor, Ronald...
— Não te vou pedir nada... Mas quero que o saibas de uma vez. Continuo a gostar de ti, Lídia, e estou disposto a casar contigo. E só isto. Não sei se isto te confortará, mas não podia calar-me.
— És muito amável.
— Esperei muito tempo e estou disposto a esperar um pouco mais.
— Adeus, Ronald.
— Não o esqueças nem um segundo. Amo-te. Voltarei a ver-te em breve, Lídia.
A porta fechou-se definitivamente. Tony Trevor respirou fundo e então desentorpeceu os músculos devido à tensão em que tinha estado. A porta que tinha em frente abriu-se em seguida e viu a jovem no umbral. O rosto dela estava pálido e os seus olhos fixaram-se nele de uma forma estranha.
— Não podia imaginar que você fosse um assassino— disse ela.
Tony fez uma careta de amargura.
— Não sou.
— Como prova você isso?... O «sheriff» é uma pessoa honrada. Nunca acusa ninguém sem provas.
— Não ouviu o que ele disse? E esse maldito Ronald quem trata de me imputar o crime. Eu tenho a impressão de que o «sheriff» é um homem honrado, mas não me servirá de nada a sua virtude. Se me prendem, sou um homem perdido.
— Você matou Lee Carey.
— Não, Lídia. Eu não o matei. Nunca vi Carey em toda a minha vida. Envolveram-me nesta embrulhada sem eu querer.
— Chegou aqui montando o cavalo de Lee e a sela estava manchada de sangue. Pagou com o dinheiro que ele devia trazer para Pau Verde.
Tony apertou as fontes com a mão livre. Começava a estar cansado. Havia comido muito pouco durante os últimos dias e ainda que a sua constituição fosse forte, notava sintomas de esgotamento.
— Escute, pequena. As circunstâncias estão contra mim, mas só se trata disso, de factos casuais... De todas as formas, pode ficar tranquila. Agora vou-me embora.
— Por onde vai sair?
— Pela porta principal, como o «sheriff». Estará menos vigiada. Tratarei de arranjar um cavalo... Faz-me muita falta.
Passou para o outro quarto e voltou-se para Lídia.
— Você crê também na minha culpabilidade... Leio-o nos seus olhos.
— Que lhe pode importar isso?
— E verdade. Que me pode isso importar? Fico--lhe muito grato de todas as formas... Boa sorte.
Começou a andar rapidamente. Chegado à porta, abriu-a umas polegadas e 'espreitou. Viu uma cancela, um jardim e mais além a rua. Não havia ninguém nos arredores, mas agora teria que a sorte o acompanhar. Nesse instante a voz de Lídia soou nas suas cos tas:
— Não se mova, senhor Trevor! Estou-lhe apontando um revólver!... Ê possível que não tenha a sua habilidade, mas garanto-lhe que a esta distância não falho um tiro na sua cabeça.
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