sábado, 7 de janeiro de 2023

CWB299.02 A morte de um trapaceiro inicia a limpeza da cidade


Depois de três dias de completa inconsciência, o ferido abriu os olhos e perguntou:

— Onde estou?

— No meu rancho, Joe. Podes estar tranquilo. Aqui nada poderá...

Donkey olhou para o rancheiro. Os seus acerados olhos cinzentos tornaram-se de gelo. Com voz débil, murmurou:

— Não devia ter feito isso comigo, “mister" Miller. Jamais...

Perdeu novamente os sentidos, antes que o rancheiro pudesse dizer fosse o que fosse, e só os recuperou três dias mais tarde. Um mês depois, Donkey foi buscar o seu cavalo ao estábulo e, já sobre a sela, preparado para abandonar, despediu-se.

Os seus olhos frios e insondáveis pareceram não reparar em Hellen quando os cravou no rosto do rancheiro.

— Não vou agradecer-lhe nada do que fez por mim, "mister" Miller — disse —. Nada, compreende? E agora...

Miller interrompeu-o:

— Escuta, Joe. Esses dólares, vou-tos dar imediatamente. E peço-te que digas a teu pai... Mas talvez seja preferível que eu lhe escreva. Explicar-lhe-ei os motivos que tive para partir dali, compreendes?...

— O dinheiro pode guardá-lo para si — interrompeu-o a voz fria de Donkey —. Por outro lado, meu pai jamais lhe reclamará coisa alguma. Morreu em Cheyenne, pouco depois do senhor fugir.

— Eu não fugi de parte alguma, Joe, e tu já o devias saber!

Donkey soltou uma seca gargalhada.

— Não? — perguntou com sarcasmo —. Pois pareceu-se muito ao que fiz em certa ocasião, embora com a sua diferença...

E antes que Miller abrisse a boca para replicar, Donkey meteu esporas ao cavalo e partiu como um raio na direção do rio Arkansas. Seguiu pela sua margem e chegou ao entardecer a Pueblo.

Foi diretamente ao hotel, onde pediu de comer e um quarto, sendo atendido por uma deliciosa ruiva, filha do proprietário, que se chamava Diana.

Depois de comer, foi ao seu quarto, barbeou-se e mudou de roupa, voltando a sair. Olhando a esquerda e à direita da rua, viu o letreiro de um "Saloon" e encaminhou-se para la.

Depois de pedir um uísque ao balcão, Joe Donkey examinou friamente o local. Mas não viu ninguém que lhe interessasse. Ao que parecia, Elmer Tracy não se encontrava em Pueblo. E daí talvez estivesse, emboscado, como sempre, nas sombras, aguardando uma nova oportunidade para o alvejar pelas costas, como o fizera um mês antes na margem do Arkansas, dando-o por morto. E fora Hellen, a pessoa que mais o odiava no mundo, e a que menos devia odiá-lo, quem contribuíra para que ele fosse recolhido e salvo.

Uma mesa de jogo atraiu-lhe a atenção. Predominava nela um típico batoteiro profissional e acompanhavam-no dois indivíduos: um rancheiro já idoso e um homem com todo o aspeto de vaqueiro.

Donkey puxou de uma cadeira e sentou-se.

— Pretende jogar, forasteiro? — perguntou-lhe o batoteiro.

— Se não há inconveniente…

— Não, desde que mostre os seus dólares. É norma da casa, forasteiro.

Sorrindo, Donkey exibiu um rolo de notas esverdeadas.

— É suficiente? — perguntou.

Os olhos do batoteiro adquiriram um brilho singular.

— Sim, claro que sim.

A partida iniciou-se e as fichas começaram a amontoar-se em frente do jogador profissional. A breve trecho, o rancheiro e o vaqueiro desistiam, esgotadas as suas reservas monetárias.

— Você continua, forasteiro? — perguntou o jogador, com o baralho de cartas nas mãos.

— Claro que sim. Temos toda a noite, não é verdade?

A partida continuou pelo espaço de algumas horas. Donkey perdia infalivelmente sempre que as apostas eram maiores, e as fichas foram passando para a posse do batoteiro.

O jogo havia-se suspendido nas outras mesas e a maioria dos clientes do "Saloon” aglomerava-se agora em torno daquela. Sobre o pano verde estava a maior aposta da noite e, frente a frente, ambos seguravam nas mãos as cartas que correspondiam a cada um deles.

— Lamento, forasteiro — disse o jogador —, mas parece-me que este jogo também é meu.

Donkey, que não deixara de observar o seu adversário nem por um momento, franziu o sobrolho.

— Sim? Bem, mostre-me as suas cartas, se não se importa.

O batoteiro, com o rosto tão impenetrável como sempre, depositou-as uma a uma sobre a mesa, até completar uma bonita sequência de ases. Logo, começou a recolher as fichas e as notas, mas não terminou o gesto, já que a voz de Donkey o interrompeu:

— Quer mostrar-me a manga direita, amigo?

— Que pretende insinuar, forasteiro?

Donkey sorriu.

— Não insinuo coisa alguma. Afirmo, simplesmente, que você é um trapaceiro. Tem estado a fazer trapaça toda a noite. Agora mesmo oculta na manga direita um às de...

Não terminou. A mão direita do trapaceiro desapareceu rapidamente, sob a sua axila esquerda, retirando-a armada de um curto "Derringer". Mas, quase no mesmo instante, brotou diante dos seus olhos uma chispa de fumo e fogo, seguida de uma explosão, e acto contínuo o batoteiro viu-se atirado para trás pela força do impacto. Muito antes de chegar ao solo, estava morto.

Friamente, Donkey soprou no fumegante cano do "Colt”, repondo o cartucho gasto e guardando a arma, enquanto os estupefactos espectadores se afastavam rapidamente. Ele dispôs-se, então, a recolher o seu dinheiro, quando ouviu uma voz nas suas costas:

— Que se passou aqui?

Voltou-se. O homem que o interpelara encontrava-se a poucas jardas, olhando-o dos pés á cabeça, Donkey não teve dúvidas de que se tratava do proprietário do "Saloon". Vestia, elegantemente, e pendiam-lhe dois "Colts” 45 da cintura, ã maneira dos "gun-man”. Donkey replicou.

— Este homem esteve a fazer batota toda a noite. Surpreendi-o num desses momentos e matei-o. Alguma objeção?

— Esse jogador trabalhava para mim. Sabia-o?

— Não, nem isso me interessa. Mas constato que, na sua casa, se permite esse género de abusos.

O rosto do dono do estabelecimento pôs-se pálido.

— Chamo-me Jim Spencer e na minha casa não se fazem trapaças.

— E eu chamo-me Joe Donkey e sustento o que afirmei. Verifique a manga direita desse homem e obterá a confirmação disso mesmo.

Spencer não parecia interessado em aceitar o convite, mas Donkey insistiu:

— Disse-lhe que verificasse. Não gosto de deixar as coisas em meio. Vamos, decide-se ou não?

Fitaram-se durante alguns momentos, firmemente. Spencer acabou por desviar os olhos e concordar:

— Está bem, Donkey. Vou verificar.

Rodeou a mesa, seguido pelos olhares dos clientes que ainda se encontravam no "saloon" e, inclinando-se para o cadáver, retirou um às de paus de onde Donkey lhe dissera.

Já este se dirigira, novamente, ao balcão pedindo um uísque. Acabava de o pedir quando Spencer se aproximou, desculpando-se:

— Lamento, o ocorrido, Donkey, mas a verdade é que eu nunca autorizei que se fizesse batota no meu "Saloon". Esta é a verdade, e tanto se me dá que acredite ou não. Se Milles procedeu assim, foi bem morto — voltou-se para um dos seus sequazes, e ordenou:

— Levem daqui esse cadáver e atirem-no para o meio da rua.

Enquanto se fazia obedecer, voltava-se, novamente para o balcão, dirigindo-se ao "barman":

— Serve-me também um uísque e não recebas o do forasteiro, Chett.

Donkey acabou de beber, lentamente. E o seu sorriso era gelo puro ao dizer:

— Lamento muito, Spencer, mas nunca bebo com jogadores profissionais. Não me agradam.

E sem esperar resposta, deu meia-volta, atravessou a sala e saiu, seguido pelo olhar rancoroso do proprietário da casa.

*

Tinha acabado de acender o cigarro e seguia rua abaixo em direção ao hotel, quando à sua esquerda brilhou uma língua de fogo e uma bala silvou junto à sua cabeça.

Já com o revólver na mão, voltou-se, disparando na direção do fogacho. Ouviu um grito de agonia e o ruído surdo da queda de um corpo. Já ele corria em busca da proteção de alguns barris, situados em frente de um armazém. Um rifle deixava ouvir a potência dos seus disparos.

Dali continuou a responder ao fogo dos seus inimigos. Uma sombra deslizou junto de um portal, preparando-se para atravessar a rua. Donkey fez fogo e a sombra deteve-se em seco, como se tivesse tropeçado com uma barreira invisível, caindo depois para a frente, sem dar mais sinal de vida.

De qualquer modo, os seus inimigos eram muitos e os barris começavam a fazer-se em estilhas. Os projéteis zumbiam agora por todos os lados e a situação tornava-se insustentável para Donkey, que receava já que Elmer Tracy levasse a sua por diante.

Quem, a não ser ele, podia armar-lhe uma emboscada em Pueblo?

Talvez Spencer, mas este ficara no "Saloon" e não tivera tempo para isso.

Continuou a disparar e mais alguns gritos de agonia indicaram-lhe que alguns homens iam sendo abatidos aos efetivos inimigos, mas o rápido troar de uma "Winchester" de repetição, cujos disparos não tomavam a sua direção, deram-lhe a certeza de não se encontrar sozinho.

Quem o conheceria em Pueblo para fazer aquilo por ele? Hellen? Não, evidentemente que não. Só se fosse para ajudar a assassiná-lo. Estava certo disso.

Repentinamente, advertiu-se de que o tiroteio cessara. A rua estava vazia. Tudo era silêncio. Começava a pôr-se em pé, lentamente, quando soou uma voz:

— Levante-se, mas devagar, amigo. Estou a alvejá-lo. E largue o "Colt"!

Ele obedeceu e voltou-se. Viu-se, então, na presença da figura atlética de um homem, vestido à maneira dos vaqueiros, mas tendo no peito, à altura do coração, uma estrela prateada.

Loiro, forte, quase tão alto como ele próprio, o xerife Don Porter não devia ter mais de vinte e sete anos.

— Terá de vir comigo, forasteiro.

Donkey arqueou o sobrolho.

— Para quê? Estou detido, por acaso?

— De momento, sim. Pelo menos até que averigue o que verdadeiramente aconteceu. Por outro lado... — interrompeu-se e perguntou acto contínuo:

— Aposto em como você é Donkey, não é verdade? Joe Donkey, não?

— Exatamente. E então?

Donkey não opôs resistência. No escritório do xerife, este sentou-se à sua secretária e convidou Donkey a sentar-se, também.

— Bem, acabemos com isto. Para que me trouxe aqui?

Sem replicar, Porter tomou o "Colt" do forasteiro pelo cano e devolveu-lho. Donkey guardou-o, cada vez mais intrigado com a atitude do xerife.

— Quero falar consigo.

— De quê?

— Pueblo está cheio de patifes, Donkey. Demonstra-o o que aconteceu consigo no "Saloon" de Spencer.

— Sim, e que tenho eu com isso?

— Sozinho não posso fazer nada. Preciso de ajuda.

— É o lugar de seu ajudante que me está a propor?

— Sim, e por uma razão. Spencer não ficará quieto por muito tempo se você decidir ficar em Pueblo. Procurá-lo-á ou, melhor dizendo, mandará procurá-lo pelos seus homens, o que é ainda muito pior. Eu ofereço-lhe a minha ajuda em troca da sua compreende? Interessa-me limpar quanto antes este ninho de ratas.

Donkey pôs-se em pé e soltou uma estrondosa gargalhada.

— Causa-lhe riso a minha proposta? — inquiriu o xerife.

— Claro que sim! E de que modo!

— Porquê?

— Mas será que não sabe? Nesse caso fale com Hellen Miller e ela lho dirá. Dir-lhe-á que sou um assassino, que matei pelas costas um homem em Cheyenne... Algo que ocorreu fora deste Estado, xerife, e que, segundo creio, não provocou reclamação alguma. Compreende o que eu quero dizer, não? Portanto, vou sair daqui completamente, ouviu? E, por favor, não se atravesse no meu caminho, xerife. Sentiria muito ter de disparar contra si.

— Acha que o conseguiria, Donkey?

Donkey, que já ia a caminho da porta, voltou-se para dizer com perfeita calma:

— Tenha a certeza disso, xerife. Você talvez chegasse a tocar na coronha do seu "Colt ", mas mais nada. Boas-noites.

E desapareceu pela porta sem esperar que Porter respondesse às suas palavras.

Nessa noite, Joe Donkey dormiu pouco, com o pensamento em Hellen Miller, e sonhou com ela, mas os seus sonhos não foram nada agradáveis, a julgar pelo endiabrado humor que tinha na manhã seguinte, quando acordou.

Tomou o pequeno-almoço na companhia da encantadora Diana, e saiu do hotel, no momento preciso em que o xerife Porter passava em frente da porta a todo o galope em direção, segundo julgou, ao caminho que o levaria diretamente, ao rancho dos Miller.

Sem se preocupar com isso, Donkey foi à cavalariça, selou o cavalo e abandonou igualmente, Pueblo, encaminhando-se diretamente, para o rio.

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