domingo, 30 de setembro de 2018

CLF017.07 Mamie

Passava da meia noite quando Eddie chegou a Pecos.
A cidade ainda estava desperta. Dos bares e outros locais de diversão surgia a música e o ruído dos clientes, e as janelas continuavam iluminadas. Isto contrastava com o silêncio e a solidão das ruas.
O jovem conduziu o cavalo até uma esquina próxima do saloon de Mamie Decker. Desmontou e, acendendo um cigarro, ocultou-se na sombra.
O divertimento dentro do estabelecimento parecia estar no auge. Até ele chegavam vozes e o som do piano. Imóvel na esquina, ali se manteve horas e horas até que os últimos clientes tivessem abandonado o saloon.
A porta principal estava solidamente fechada. Mas Eddie conhecia bem aquela casa e, a menos que tivesse mudado desde a última vez que ali esteve, sabia onde encontrar o ponto fraco.
Deu a volta ao edifício até chegar a uma das janelas que havia numa das fachadas laterais. Puxando   da faca de mato, introduziu a lâmina pela ranhura que separava as duas partes; depois, moveu para cima. Mas nada sucedeu. Tendo uma expressão de contrariedade, voltou a meter a lâmina na fenda e novamente puxou a faca no sentido ascendente. No entanto não aconteceu o que ele esperava. Fez ainda terceira tentativa. Desta vez notou que havia alguma coisa a resistir à passagem da lâmina. Com extremo cuidado fez pressão e notou que a resistência ia cedendo. Por fim, ouviu-se um ligeiro clic e o obstáculo desapareceu.
Eddie sorriu consigo mesmo. A velha fechadura da janela tinha cedido.
Empurrou os batentes e estes abriram-se com um ligeiro ranger. Eddie passou as pernas por cima do parapeito e saltou para o interior da casa. Levou uns segundos a acostumar-se à escuridão. Estava na sala principal do estabelecimento.
O balcão deserto, vazio de garrafas e copos; as cadeiras de pernas para o ar sobre as mesas; o piano envolvido por um espesso pano de flanela; o palco tinha as cortinas fechadas.
Eddie empunhou um dos revólveres atravessando a sala com cuidado para não tropeçar. Começou a subir as escadas que davam para o andar de cima. Via-se obrigado a ter o maior cuidado pois os degraus rangiam ao passar. Mas era preciso ir para diante. Nalgum lugar da casa tinha de estar Joyce McCarey.
Chegou ao corredor, que estava igualmente envolvido pela escuridão. as viu imediatamente que por debaixo da porta do fundo a que correspondia à habitação de Jeff Winters saía um rasto de luz.
Acercava-se cautelosamente, quando nas suas costa!, ouviu que se abria uma porta. Rapidamente se colou a uma das paredes, ocultando-se num umbral duma porta.
Uma sombra feminina passou na sua frente. Apesar da total escuridão, graças à qual não fora descoberto, reconheceu Mamie Decker. Esta foi até à porta de Winters abriu-a de par em par. Eddie procurando reter a respiração para não ser descoberto, pôde ver que Winters estava sentado num sofá, falando com um homem que estava pé na sua frente.
Era um indivíduo muito moreno, de cabelos reluzentes e tez acentuada que vestia roupas de anta, e calçava bota de cabedal. Tinha dois revólveres pendentes na cartucheira e na face direita via-se uma funda cicatriz que lhe desfigurava o rosto. À entrada de Mamie ambos se voltaram.
— Olá — saudou Jeff. — Que tal foi hoje o negócio? Suponho que estiveste até agora no teu quarto a fazer contas.
Mamie avançou para eles e sem se incomodar a fechar a porta, ficou na frente de Winters com as mãos apoiadas na cintura.
—Sim, até agora tenho tratado do meu negócio —disse com desusada rapidez. —Mas agora vou dedicar-me ao nosso. Pode saber-se por que manténs aqui detida essa rapariga?
Winters encolheu os ombros.
— Muito simples. Tu tratas do teu negócio e eu do meu. E essa rapariga faz parte do meu negócio.
—Escuta, Jeff; não venhas para mim com essa história. Vi a rapariga e é uma preciosidade. Queres explicar-me que género de negócio vais ter com ela?
Winters, divertido, olhou para o da cicatriz.
—Parece que Mamie está com ciúmes. Que dizes?
O outro concordou.
— Certo.
—Bem, basta de simulações-- exclamou a mulher. —Conheço-te muito bem e sei que és um perfeito sem-vergonha. Se não fosse por estar há tanto tempo contigo, creio que hoje te dava o passaporte ao ver o que fizeste a Eddie Parker. Tu sabes muito bem quanto eu apreciava esse rapaz. Eddie não merecia uma sorte daquelas, não senhor. Era um verdadeiro homem e devias ter-lhe dado uma oportunidade de se defender. Ele, teria feito isso a ti, tenho a certeza.
O rosto de Winters endureceu.
— Queres fechar o bico duma vez? —perguntou com perigosa suavidade.
— Vais continuar a ouvir-me — prosseguiu Mamie. — Não te chegou liquidar Eddie e, agora, queres aproveitar-te duma rapariga tão bonita como aquela que tens ali encerrada. Mas não será enquanto eu viva, Jeff. Enganas-te se imaginas que me vais «enganar» outra vez.
Winters acendeu um cigarro e olhou a mulher friamente.
—Tu ficarás calada e deixarás que eu faça as coisas a meu modo.
—Eu que te veja entrar no quarto dessa rapariga e juro-te que nunca mais te esquecerás de mim! — exclamou Mamie.
Winters pôs-se de pé. Aproximando-se lentamente da mulher assentou-lhe no rosto uma tremenda bofetada. Ela mal conteve um grito e foi embater na parede.
—Espero que isto te ensinará a não meteres o nariz nos meus negócios.
Mamie, depois dum olhar furioso a Winters, deu meia volta, saiu da habitação fechando a porta nas suas costas e deitou-se a correr pelo corredor, sacudida pelos soluços. Eddie viu passar a sua sombra muito perto dele. Estendendo a mão agarrou-a fortemente por um braço enquanto sussurrava:
—Não te assustes, Mamie. Sou eu, Eddie Parker. A mulher teve um movimento instintivo de recuo enquanto balbuciava aterrorizada:
—Eddie...
Ele apressou-se a acrescentar:
—Já té disse para não te assustares. Nada me aconteceu. Aqueles tipos não puderam comigo.
Pelo contacto da sua mão, Eddie sentiu a tensão de Mamie decrescia rapidamente. Com a voz ainda ligeiramente trémula, ela perguntou:
—Que queres?
— Só falar uns instantes contigo.
A mulher pareceu vacilar. Depois sussurrou:
— Está bem; vem comigo.
Dando-lhe a mão, guiou o jovem pelo corredor e fez com que ele entrasse no seu quarto. Fechou a porta à chave, e voltou-se parra ele, olhando-o com aqueles olhos grandes e longos, agora embevecidos.
— És único, Eddie. Todos nós te considerávamos morto, e acabas por estar a gozar de perfeita saúde.
Riu em voz baixa, acrescentando:
—Que raivoso vai ficar Jeff quando o souber. Mas, como demónios escapaste? Gus, Joe e Clark são três tipos de respeito. Não é fácil enganá-los.
Eddie encolheu os ombros.
—Tive que me desfazer deles.
Mamie olhou-o nos olhos.
—Para sempre?
Ele assentiu. Mamie teve um gesto de indiferença.
—Bom, o mundo não perdeu grande coisa. Eram uns canalhas e tu vales milhões de vezes mais do que eles. Ainda bem, Eddie; estou sinceramente satisfeita por nada de mal te ter acontecido.
Deu uns passos pelo aposento e depois deteve-se fitando o jovem, sorridente.
--E que queres de mim?
Eddie susteve o olhar.
— Que me deixes entrar no quarto de Joyce.
Mamie ficou uns momentos em silêncio.
—Para quê?
— Isso é comigo.
A mulher teve um sorriso.
—Estás enamorado dela?
O jovem franziu o sobrolho.
—Escuta Mamie; eu não te fiz quaisquer perguntas. A única coisa que te pedi foi que me desses a chave desse quarto.
— Que é que te fez pensar que estou disposta a ajudar-te?
—Escutei a conversa que acabas de ter com Jeff.
A mulher voltou-se para ele com os olhos brilhando de ódio.
—Por que não entras e o matas?
Eddie respirou profundamente.
—Tenho outras coisas mais importantes a fazer por agora.
Mamie passeou pelo quarto. De súbito, parou.
—Vais levá-la daqui? Para longe de Jeff?
—E essa a minha intenção.
O rosto de Mamie tornou-se duro.
—De acordo. Espera um momento. No meu escritório tenho uma cópia de todas as chaves da casa. Volto já.
Momentos depois regressava com uma chave que entregou a Eddie.
—Toma. E fácil dares com a porta. E a primeira do corredor, à direita.
Eddie pôs a sua mão sobre o braço da mulher.
—Obrigado, Mamie.
—Não tens que me agradecer. Na realidade faço isso por mim. Interessa-me afastá-la de Jeff.
—Tão apaixonada estás por ele?
A mulher mordeu o lábio inferior.
—E um canalha e não o merece. Mas que hei-de eu fazer...?
Eddie deu-lhe um beijo na face.
—Felicidades, Mamie.
Ela sorriu com amargura.
—Creio que sentirei a falta delas.
Eddie saiu do quarto silenciosamente.

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