domingo, 30 de setembro de 2018

CLF017.07 Mamie

Passava da meia noite quando Eddie chegou a Pecos.
A cidade ainda estava desperta. Dos bares e outros locais de diversão surgia a música e o ruído dos clientes, e as janelas continuavam iluminadas. Isto contrastava com o silêncio e a solidão das ruas.
O jovem conduziu o cavalo até uma esquina próxima do saloon de Mamie Decker. Desmontou e, acendendo um cigarro, ocultou-se na sombra.
O divertimento dentro do estabelecimento parecia estar no auge. Até ele chegavam vozes e o som do piano. Imóvel na esquina, ali se manteve horas e horas até que os últimos clientes tivessem abandonado o saloon.
A porta principal estava solidamente fechada. Mas Eddie conhecia bem aquela casa e, a menos que tivesse mudado desde a última vez que ali esteve, sabia onde encontrar o ponto fraco.
Deu a volta ao edifício até chegar a uma das janelas que havia numa das fachadas laterais. Puxando   da faca de mato, introduziu a lâmina pela ranhura que separava as duas partes; depois, moveu para cima. Mas nada sucedeu. Tendo uma expressão de contrariedade, voltou a meter a lâmina na fenda e novamente puxou a faca no sentido ascendente. No entanto não aconteceu o que ele esperava. Fez ainda terceira tentativa. Desta vez notou que havia alguma coisa a resistir à passagem da lâmina. Com extremo cuidado fez pressão e notou que a resistência ia cedendo. Por fim, ouviu-se um ligeiro clic e o obstáculo desapareceu.
Eddie sorriu consigo mesmo. A velha fechadura da janela tinha cedido.

sábado, 29 de setembro de 2018

CLF017.06 O desfiladeiro do enforcado

Sentado numa cadeira, com as costas apoiadas contra a parede, Eddie olhou uma vez mais em seu redor. Já há muito que repetia o que estava fazendo e, embora nada de novo visse, era na realidade o seu único entretenimento além de pensar.
Era uma habitação não muito ampla, para a qual davam outras duas portas. O mobiliário consistia numa mesa e várias cadeiras.
Gus, de pé, passeava lentamente; Joe, o que tinha feito com que o trabalho só se fizesse à noite, tinha o seu revólver sobre a mesa e limpava-o cuidadosamente; o terceiro, Clark, deitado sobre um colchão, assobiava sem descanso uma canção monótona.
— Penso que posso fumar — disse Eddie.
Gus encolheu os ombros com indiferença.
— Não vejo inconveniente. — Joe sorriu com sarcasmo. —Dizem que é costume conceder a última vontade aos condenados à morte.
Eddie mostrou as mãos atadas.
—Não posso fazer o cigarro.
Gus franziu a testa e ficou um momento pensativo. Depois acercou-se do jovem e tirou-lhe as correias que prendiam as mãos.
—Mas não penses fazer qualquer brincadeira—advertiu.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

CLF017.05 Condenado à morte

Jeff Winters pôs-se de pé e foi até à janela, permanecendo um momento de costas para os seus interlocutores. Em seguida, deu meia volta e apontando para Joyce dirigiu-se a Eddie:
—Surpreende-me ver que te tornaste companheiro desta pequena. Onde a encontraste?
Eddie brincava com o revólver que tinha arrebatado a Winters.
—Olha, Jeff; não vim aqui para te dar explicações dos meus actos. Simplesmente tomei Joyce sob a minha proteção.
Winters desatou a rir.
— Viva o velho Eddie Parker! Há muito tempo que não te via, mas não imaginava que tivesses mudado até te converteres em protetor de rapariguinhas abandonadas.
—Tão-pouco eu pensava que fosses tão estúpido ao ponto de estares desarmado—respondeu Eddie.
Winters encolheu os ombros.
—Não esperava a tua visita, e por outro lado não costumo tomar banho levando comigo o revólver. Claro está que esta coisa de tomar banho deve ser desconhecida para ti. Mas se quiseres podes deitar um volver de olhos à banheira. Não havia cinco minutos que tinha de lá saído, quando vocês entraram.
Eddie voltou-se para a rapariga.
—Vamos, Joyce; pergunta-lhe o que interessa.
Winters deixou-se cair novamente no sofá.
—Sim, Joyce; pergunta.
A rapariga aproximou-se, olhando-o fixamente.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

CLF017.04 Winters contra Parker

Pecos era uma cidade poeirenta e escandalosa, uma cidade sem lei nem ordem, onde só imperava a razão do mais forte. As suas ruas estavam sempre cheias de gente de todas as espécies, raças e classes sociais: vaqueiros, jogadores, aventureiros, mexicanos, foragidos, etc.
Joyce não pôde evitar a má impressão que a cidade lhe causou. Um pouco confusa, olhava à sua volta como se estivesse vivendo um sonho. Eddie, sorridente, perguntou-lhe:
—E a primeira vez que vens a Pecos?
Ela assentiu.
—Não conhecia outra cidade a não ser Hondo. E o senhor?
—Já estive várias vezes em Pecos.
Joyce fez estacar o seu cavalo. Depois de olhar em redor mais unia vez, acabou por dizer:
— Temos que saber onde se encontra Jeff Winters. Talvez o sheriff saiba.
Eddie não pôde evitar rir, por um instante.
—O sheriff? Escuta. Nesta cidade, sheriff é um título que existe, mas nada representa para a pessoa que o usa. Apanha-se o mais desgraçado, põe-se-lhe uma estrela no peito e é como se faz a sua nomeação. Então, o eleito limita-se a emborrachar-se nó saloon; esta é a única ocupação se quer conservar o título, e viver muitos anos...

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

CLF017.03 A missão de Parker

Todos permaneceram imóveis, surpreendidos pela rapidez com que os acontecimentos se tinham desenrolado. Olhavam para Eddie que, no meio da rua, com as pernas muito abertas e empunhando o revólver, observava friamente os companheiros de Hill.
—Algum de vocês sente vontade de vingar Mickey? — perguntou com voz calma, em que havia uma nota irónica.
Ninguém moveu os lábios. Eddie teve um gesto de desprezo, encaminhando-se depois para junto de Joyce. Esta continuava ainda muito pálida e parecia estar meio inconsciente.
—Vamos. Parece que em Hondo têm medo de brincar com as pistolas.
Naquele momento, do outro extremo da rua, chegou correndo um homem de estatura média já de certa idade. Na lapela luzia a estrela de sheriff. Estava a suar e parecia preocupado. Parou a uns passos do grupo e fitou o cadáver de Hill com o olhos muito abertos.
— Que foi isto, aqui? —inquiriu.
— Já está vendo—respondeu Eddie. — Esse tipo queria atingir-me pelas costas, mas eu fui mais rápido.
O sheriff puxou dum lenço e enxugou o suor que lhe escorria pela testa.
— Mas qual foi o motivo da luta?
— Fizeram-lhe algumas perguntas e ele mostrou--se muito grosseiro — explicou Eddie. —Então, decidi dar-lhe uma lição apropriada sobre as boas maneiras. Pelos vistos não gostou, pois, conforme disse, quis matar-me pelas costas.
O sheriff franziu a testa.
—E o senhor, quem é?
O jovem, lentamente, arrastando, as palavras, disse:
— Chamo-me Parker.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

CLF017.02 Onze entalhes

Hondo era uma pequena povoação que consistia numa rua principal e algumas vielas laterais, em cujos lados se erguiam os edifícios, quase todos dum só andar. Tudo parecia sujo e poeirento e as marcas dos rodados dos carros notavam-se bem na calçada. Na época das chuvas tudo aquilo se convertia, num instante, em imenso lamaçal.
Eddie Parker fez parar o seu cavalo no centro da rua principal. Joyce, com agilidade, saltou em terra. Olhou um momento para o jovem e acabou por dizer:
— Obrigada por me ter trazido até aqui. Adeus.
E sem mais uma palavra deu meia volta e afastou-se. Eddie apoiou os cotovelos na ponta da sela e observou-a durante uns instantes. Em seguida desmontou e, acercando-se duma das casas, prendeu o cavalo a uma barra.
Lentamente, começou a seguir a rapariga. Deteve-se, quando a viu encaminhar-se e entrar no saloon, um velho e desmantelado edifício de madeira. Joyce parou um instante, enquanto olhava em redor. Àquela hora a clientela era reduzida; só umas quantas mesas estavam ocupadas e alguns homens estavam encostados ao balcão. Todos voltaram a cabeça para a ver. Não era frequente ver entrar raparigas naquele local. Mas ela não fez caso do olhar dos homens e atravessou a sala em direção ao balcão.
O empregado, um tipo baixo e gordo, também a observava.
—Mickey Hill está por aqui? —perguntou Joyce.
O que estava do outro lado do balcão cuspiu um bocado de tabaco antes de responder.
— Não, não está.
—Mas, está em Hondo?
O outro encolheu os ombros.
—Suponho que sim. Durante toda a manhã não o vi.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

CLF017.01 O encontro

Eddie Parker encarou a rapariga.
—Afinal, o que é que tencionas fazer? O deserto não é lugar para rapariguinhas como tu.
Ela nada dizia. Continuava, de pé, junto do seu cavalo morto. Não teria mais de dezanove anos e o seu, aspeto era completamente selvagem. O rosto, bronzeado pelo sol, era de feições belíssimas; o nariz fino e discreto, as faces pouco acentuadas, as sobrancelhas finas e arqueadas, os lábios frescos, atraentes e primorosamente traçados. Os cabelos ruivos, um tanto platinados, longos e penteados a cair sobre as costas e ombros; olhos grandes em forma de amêndoa e duma curiosa cor violeta, que olhavam duma maneira estranha, irada e hostil. O seu corpo jovem, de formas admiráveis, cobria-se com velhíssimas calças de dobra cinzenta, camisa demasiado usada dum azul descorado pelo tempo e jaqueta pequena completamente remendada. Trazia botas cheias de poeira e cobria-se com um chapéu cujas abas tinham já alguns buracos. Apesar de tudo a sua figura esbelta salientava-se perfeitamente.
—O teu cavalo morreu, não foi? — perguntou Eddie.
A rapariga dirigiu-lhe um olhar curioso.
—Você é cego?

domingo, 23 de setembro de 2018

CLF017.0 Encontro com «Uma rapariga no deserto»


O imaginativo McCarey concebeu um método revolucionário para a marcação de gado que evitava que se detetassem as marcas anteriores. Sendo uma pessoa séria, nunca usou o método com fins desonestos, mas em breve ele se tornou do conhecimento de indivíduos sem escrúpulos.
Um dia chegaram ao seu rancho três homens que pediram emprego. Eles o que pretendiam era conhecer o seu método e, ganhando a sua confiança, a breve trecho procuraram arrancar-lhe esse conhecimento. Como McCarey não se abrisse, mataram os seus vaqueiros e aprisionaram-no partindo com ele.
Este livro de Cardenas inicia-se com a perseguição ao grupo formado por McCarey e raptores movida por Joyce, filha daquele. A jovem está desesperada no deserto, tendo perdido a montada. Aí é encontrada pelo famoso pistoleiro Eddie Parker que vai ter um papel fulcral no desenvolvimento desta história.

BRV020. Tumba de gigantes

(Coleção Bravos do Oeste, nº 20). Capa e texto indisponíveis

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

BRV018. A índia do Vale da Morte

 
(Coleção Bravos do Oeste, nº 18)

Os Montes Funeral e Telescopio estavam à vista. Como pétreas sentinelas da sepultura de sal, areia, dunas e rochas, que era o deserto do Vale da Morte.
Como lúgubres e mortais sentinelas que quisessem advertir o viajante, o forasteiro, de que ali, entre as suas salitrosas areias, entre o seu fantasmagórico silêncio, se encontrava a morte.
Uma morte horrível, tanto por falta de água como por outra causa qualquer. Sentinelas mudas, mas que avisavam com a sua presença, desde grande distância, que aquilo, aquele lugar, aquela depressão infernal, não podia ser pisada pelo homem.
O cavaleiro sabia-o, também.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

CLF026.10 San Francisco em chamas

Ao amanhecer, o bairro do porto oferecia um terrível aspeto. Densas fumaradas erguiam-se de pontos distintos, e enormes línguas de fogo levantavam-se para o céu. A luz rubro-amarela dos incêndios, assim como à do pálido e nebuloso amanhecer, podiam ver-se sombras fúnebres que pendiam dos candeeiros e letreiros das tabernas ou desconjuntados cadáveres que jaziam estirados nas valetas, nos vãos das portas e sobre os passeios.
Nos cais e em algumas ruas continuava o tiroteio, pois prosseguia ainda a luta, se bem que não tivesse ficado nenhum foco importante de resistência e unicamente se travassem esporádicas escaramuças contra alguns fugitivos disseminados por toda a faixa portuária.
E quando os esgotados vigilantes julgavam ter terminado a sua tarefa, ergueu-se um vento forte que varreu a neblina, mas também ateou as chamas ameaçando propagar os incêndios. Em face do perigo, os sinos da missão começaram. a repicar, lançando para o ar o seu lúgubre e premente toque de rebate.
Saíram para a rua a correr os pacíficos vizinhos que até então tinham permanecido encerrados em suas casas, escutando temerosos o surdo rumor da batalha desencadeada naquela noite horrível, e rapidamente se formaram improvisados grupos para combater o novo e poderoso inimigo: o fogo!

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

CLF026.09 Massacre!

Dan deteve-se à esquina da escura viela, olhando para o mortiço lampião que iluminava a porta da «The Retreat», a casa de jogo onde entrara na primeira tarde que passara em São Francisco.
Atrás dele, os homens do seu grupo juntavam-se silenciosos e expectantes. De dentro do estabelecimento chegava-lhes o surdo vozeario de uma enorme afluência.
—Bem, rapazes, parece que está tudo muito animado. Vamos a isto!
Doze homens avançaram então resolutamente, e sacando das armas irromperam bruscamente no local.
— Quietos! Que ninguém se mexa! — gritou Dan abarcando toda a sala com o penetrante olhar dos seus olhos cinzentos.
A brusca aparição daqueles homens armados produziu grande barafunda entre a cosmopolita clientela do tugúrio e procurando confundir-se com ela, Winter notou que um dos criados estava tentando puxar por uma arma. O seu pulso manteve-se firme enquanto apertada o gatilho, e o homem caiu no solo com um gemido.
Aquele disparo foi o princípio de uma sangrenta batalha entre os vigilantes e a gente do porto, que só podia acabar com o extermínio de uma das partes. Criados, moços, jogadores e alguns dos paroquianos, empunharam os seus revólveres para combater os improvisados polícias, e o rebentar das detonações sucedeu-se com vertiginosa rapidez.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

CLF026.08 Legião da VIgilância

Dan sentia os joelhos insolitamente rijos enquanto permanecia ajoelhado no banco da pequena igreja da missão dos franciscanos. A missa parecia-lhe extraordinariamente longa e cada vez lhe era mais difícil segui-la.
Meia dúzia de vezes se erguem antes de tempo, quando a maioria dos paroquianos já estavam de pé outras vezes só o frufru dos vestidos femininos o preveniu a tempo de que devia ajoelhar-se.
A seu lado, Andrés não conseguia conter de todo um sorriso perante a atrapalhação do seu amigo. Montalvo sabia que grande parte disso se devia ao facto de que Dan passava anos sem assistir a nenhum ofício religioso; mas a causa dominante da sua falta de atenção estava devotamente ajoelhada no outro lado da nave, com os seus finos dedos ocupados a passar as contas do rosário.
O jovem viu-se obrigado a admitir que, certamente, como sempre tinha pensado, Virgínia era uma criatura extraordinariamente formosa. Agora, ao deslizar de quando em quando um olhar para ela, verificava que o seu rubor aumentava.
Todavia, a rapariga parecia não se precatar dos olhares cada vez mais prolongados que Dan lhe dirigia. Seria que ela sentia a sua intensidade?

terça-feira, 11 de setembro de 2018

CLF026.07 A arte de dominar uma manada tresmalhada

Um esplêndido landau verde e ouro puxado por duas velozes e garbosas pilecas ricamente arreadas, parou próximo do passeio pelo qual sob as frescas arcadas, passeava Andrés Montalvo distraidamente.
Ao dar conta da proximidade do veículo, tirou o chapéu ao mesmo tempo que se inclinava cerimonioso, mas o coche deteve-se então a seu lado.
— Não parece ter pressa de chegar a parte alguma, meu rapaz— disse o cavalheiro, ancião, que ocupava a carruagem —. Quer fazer companhia a um velho rabugento?
— Com todo o prazer, senhor Galvez.
—Pois então faça favor de subir.
Andrés trepou agilmente, deixando-se cair no assento fronteiro ao ocupado pelo aristocrata. O velho estava só, e fumava puxando o fumo de um longo cachimbo de cerâmica branca. Tinha o seu amplo chapéu firmemente enfiado na cabeça, e sob ele aparecia um rosto tão curtido como o de um índio, enquanto que os cabelos tinham reflexos prateados. Os olhos mantinham toda a sua vivacidade, e conservava ainda uma boa figura, magra e flexível.
— Há muito tempo que queria falar consigo, senhor, mas ultimamente não vai muito lá por casa.
— Tenho agora andado muito ocupado, senhor.
— Sim, também ouvi alguma coisa a esse respeito. Quem é esse maldito inglês de quem parece ter-se feito tão amigo?
—Daniel Winter. Quinto filho de um Par do Reino Unido.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

CLF026.06 Depois do beijo... a espada

Banhada pela prateada luz do amoroso astro, com o seu vestido branco de corte francês e um generoso decote, parecia uma figura etérea, demasiado formosa para ser real.
— Na verdade não sei porque saí consigo — disse Virgínia detendo-se e erguendo a cabeça para o olhar— . Não está certo.
Dan contemplou-a, observando como a lua acariciava com os seus prateados reflexos as negras madeixas, mirando-lhe os olhos dentro dos quais parecia ter-se submergido a luz, da qual somente um leve fulgor irrompia de vez em quando até à superfície.
A jovem californiana tinha a pele alva como a de uma escandinava e com ela contrastavam as sinuosas e negras ondas da sua bela cabeleira. Enquanto o olhava, a sua boca não se movia, e o carmim vivo dos seus lábios era como uma mancha escura maravilhosamente delineada, com a suavidade de uma pétala.
—E porque não? Ambos sabemos que existe entre nós algo que não é casual e não pode explicar-se —afirmou com voz emocionada, convencido do que dizia — . Compreendi-o ao vê-la. E você também.
—Você é um impertinente!

domingo, 9 de setembro de 2018

CLF026.05 Rodopiando ao som cadenciado de uma valsa

Andrés estava já à espera quando Dan chegou a sua casa, e o seu esverdeado rosto mostrava-se hermético, não sorria.
O inglês olhou-o e procurou forçar um sorriso, muito embora o seu ânimo estivesse ainda conturbado pelo sangue derramado, mas não teve bom êxito.
—Lamento muito, Andrés. Não quis ofender-te.
— Mas conseguiste-lo.
— Tinha de ser.
—Já sei. E empenhastes até a própria roupa?
— Não. Essa trago-a aqui.
— Ainda bem. Um dos criados de meu pai trouxera-me um recado. Estará à minha espera depois de amanhã. Um rico fazendeiro vizinho vai dar uma festa e eu tenho de assistir. Tu irás comigo, claro.
— Obrigado, mas não tenho disposição nenhuma para festas.
— Mas convém-te. Assistirão todas as pessoas importantes da região, e para realizares os teus fins deves estar nas boas graças desses senhores.
— Achas que é necessário?
— De outro modo, além de teres de lutar contra a praga dos indesejáveis que assolam o vale, é possível que tenhas ainda algum aborrecimento com aqueles cavalheiros.
— Ora!
— Mas queres dizer-me o que te aconteceu? Estás pálido como a cera.
— Matei um homem, Andrés.
—O quê?

sábado, 8 de setembro de 2018

CLF026.04 Com a melhor arma se mata

Dan e Andrés caminhavam lentamente por entre a multidão, utilizando os cotovelos para abrir caminho, mas o populacho que havia na praça era tal que avançavam fazendo muito poucos progressos.
Era ali que se realizava o mercado e as padiolas dos vendedores cobriam quase todo o espaço disponível. Mestiças de ancas ondulantes e amplos cestos à cabeça vendiam doces e frutas. Os aguadeiros, com o seu cântaro ao peito e o outro às costas, cruzavam-se com os carvoeiros que seguiam com os seus burros carregados de sacos.
— Escuta, Andrés — disse Dan por fim —. Espero que te não pareça mal, mas hoje o regionalismo é coisa que não me interessa muito. Pelo menos não o suficiente para suportar estes apertos.
— Podíamos muito bem descansar — assentiu o californiano.
Afastaram-se da praça em direção à casa de Andrés. Caminhavam sem falar, um tanto cansados porque o passeio tinha-se prolongado, quando de repente Dan se deteve perante um edifício que, pelo aspeto, era um negócio de prestamista.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

CLF026.03 Um par de calças para um fidalgo

Dan avançou por entre a viciada atmosfera que o fumo enrarecia e aproximando-se do mostrador pediu um «whisky». Depois voltou-se de costas e com os cotovelos apoiados sobre a borda do balcão percorreu com o olhar todo o recinto. Um dos muitos «bars» abertos àquela hora em «Barbary Coast».
O local não era mais do que um antro coberto, sem pavimento sequer, mas estava animadíssimo e a concorrência não parecia importar-se, absolutamente nada, pisar aquela terra nua calcada pelos pés.
Riam, jogavam, gritavam e bebiam, do mesmo modo como se, em lugar de estarem numa barraca suja e desmazelada, se encontrassem no mais confortável e luxuoso dos casinos.
Todavia, Winter, conhecendo a impaciência com que o estava esperando Andrés Montalvão, não perdeu mais tempo do que o indispensável, e sem se atrever a beber o «whisky» que abandonou sobre o balcão, dirigiu-se, cambaleando, para a mesa onde se jogava às cartas e tirou à sorte algumas mantendo dificilmente o equilíbrio numa esplêndida imitação de bebedeira.
— Olhem para o elegante! — chacoteou alguém —. Porque não vais curti-la?

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

CLF026.02 Encontro com um californiano em ceroulas

A noite caiu rapidamente e Dan começou a preocupar-se com a questão do alojamento, pelo que iniciou algumas pesquisas nesse sentido.
Por causa do que se tinha passado, e em vista da má catadura de quantos povoavam «Barbary Coast», tinha ocultado o seu rico alfinete de gravata, a fim de evitar outros percalços.
As suas investigações levaram-no a descobrir uns amplos e desproporcionados barracões, através de cujas frinchas o vento assobiava, mas que recebiam o pomposo nome de hotéis. Ali não existiam móveis, nem sequer havia uma simples tarimba.
Os emigrantes, por uma módica quantia, podiam envolver-se em suas mantas e dormir sobre o chão térreo numa sala enorme e comum que cheirava a suor, a tabaco é a sebo.
O jovem não tinha outro capital além de uma moeda de ouro de vinte dólares, que lhe trocara o imediato do barco pelo seu dinheiro inglês, e tinha decidido poupá-lo o mais possível, mas apesar de os seus bons desejos de economia não estava disposto a passar a noite num desses tais «hotéis». Assim, pois, decidiu experimentar uma taberna e, se não encontrasse nada de mais conveniente, encaminhar-se-ia para o centro da cidade, resignando-se embora, a que o depenassem.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

CLF026.01 San Francisco, terra de muitos criminosos

Encostado à amurada, Dan contemplava, pensativo, a fantástica floresta de mastros que se estendia, a perder de vista, por toda a enseada, e da qual se elevava o lúgubre clamor do cordame agitado pelo vento.
O barco não tinha conseguido chegar até ao molhe, intercetado no seu caminho pela silenciosa frota que se ia amontoando na baía, abandonada ali pelas tripulações que tinham desertado, fugindo para as montanhas em busca do ouro,
Ao ancorar a escuna, o seu conteúdo humano forcejou por ganhar os barcos, lutando cada um por ser o primeiro a pisar terra, como se o aurifúlgido metal os estivesse esperando na margem, e os que primeiro chegassem fossem os que iriam ficar com a melhor parte.
Todavia, o jovem Daniel Winter não mostrou pressa alguma. Era um rapaz de muito bom aspeto e impecavelmente vestido. Uma gravata de seda ocupava com o seu nó todo o espaço livre entre o colete castanho e o alto colarinho branco da camisa. No grande laço da gravata, um rico alfinete refulgia discretamente.
O casaco novo, cor de café com leite, contrastava notavelmente com as calças escuras e sobre a cabeça uma alta cartola aparecia garbosamente posta à banda. O viajante não aparentava ter mais do que cinco lustros e parecia ser um perfeito «gentleman». Bem-parecido, de cabelos castanhos e olhos cinzentos, alto, atleticamente constituído e simpático. As feições tinham um ar enérgico, possuía a cara afilada e o perfil aquilino.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Reencontro em «San Francisco»

 
Quando Dan Winter, quinto filho de um par do Reino Unido, com umas moedas e uma pedra preciosa, chegou a San Francisco, esta era uma cidade dominada pela criminalidade onde muitos mineiros se dedicavam a ações menos recomendáveis para suportar o seu sustento.
Dan teve a sorte de se integrar na melhor sociedade local que o apoiou na apropriação de terras e aquisição de gado, tornando-se em pouco tempo num proprietário poderoso. Tex Taylor trata o ambiente quase aristocrático de San Francisco com a reconhecida mestria, sendo de realçar as tradicionais cenas do baile e a nobre arte de cow-boy no domínio de uma manada.
Já a descrição de uma quase limpeza étnica operada na zona mais problemática da cidade não parece elaborada da forma mais aceitável.