segunda-feira, 8 de maio de 2023

CLF054.14 O assassino do cantor chega a Dodge City

O comboio deteve-se na estação de Dodge às oito e nove minutos da tarde.

Escurecia.

«Killer» McCoy desceu primeiro e relanceou o olhar à sua volta, receoso, perspicaz. Abott e Gaskell seguiram-no em idêntica atitude.

— Isto está muito tranquilo...

— Demasiado. Não me agrada nada. E não vejo Lawson, nem ninguém a esperar-nos. Eh, Browne, vem cá!

O empregado da estação, que tinha saído a entregar o correio ao chefe do comboio, ficou conversando com ele, e o maquinista, olhando para os três, despediu-se dos outros e acercou-se com passo lento.

— Que aconteceu, McCoy?

— Suponho que também estás inteirado da chegada de um tipo que presume ser um ressuscitado, hem?

— Como toda a gente.

— Sim? E que faz ele?

— Pelo que sei, está à sua espera no hotel de Morris. Esta madrugada os três guarda-costas de Raines trataram de o liquidar.

—E não o conseguiram?

— Bom, dispararam várias balas e atravessaram-lhe a cabeça e o peito.

— Então está morto!

— Decerto. Desde que você o matou o verão passado. Ele próprio abriu a porta do quarto aos que chegaram para ver o que tinha sucedido e indicou-lhes os buracos por onde as balas passaram na sua jaqueta.

Nervoso, McCoy estendeu a direita, movendo-a com rudeza enquanto os outros dois trocavam um olhar.

— Se estás a querer brincar comigo, juro-te!...

— Digo o que me contaram. Porque não vai você ver? A sua noiva ficou com o cabelo branco da impressão que teve ontem à noite. E Raines foi apunhalado pelos seus guarda-costas, que escaparam a toda a pressa. O «sheriff» e o seu ajudante saíram em perseguição deles, porque também nada querem com espectros. Tem a rua toda livre para você, McCoy.

— Sim? Pois me satisfaz!

De um empurrão mandou o outro ao chão e voltou para junto dos seus companheiros. Os seus olhos chispavam como os de um lobo acossado e tinha a boca torcida numa careta perigosa... e preocupada.

— Vamos ao «Fancy».

Em silêncio, o trio avançou até Front Street, seguidos do olhar do ferroviário. Quando já se encontravam a certa distância da estação, Abott perguntou:

— Vamos já procurar esse tipo?

— Não. Primeiro iremos para que Julie nos conte o que aconteceu. E ouviremos outras informações.

— Não me agrada nada o assunto, McCoy. Isso de dispararem contra ele e trespassarem-lhe a cabeça sem que lhe acontecesse nada...

— Acreditas nisso? É só uma parvoíce inventada pelo medo. Quando nós lhe metermos chumbo no corpo, asseguro-vos que se verá.

— Será que o vais fazer sozinho? Pensei...

— O que pensaste não me interessa. Estou traçando um plano que nos permita sair airosos deste assunto. Ainda não o completei, mas... Primeiro, verei Julie e mais alguém. Antes de ir procurar esse Nelson vou tomar primeiro todas as precauções. Para já, daremos uma volta e entraremos no «Fancy» pela parte de trás. Não quero que mais ninguém nos veja, a não ser a que precisamos.

Os outros dois calaram-se. Estavam a pensar que era a primeira vez que «Killer» McCoy se mostrava tão prudente na altura de ir matar um homem. Deram uma meia-volta procurando os lugares menos concorridos, onde habitava a escória mais escória da povoação.

Finalmente alcançaram as traseiras do «Fancy». E o próprio McCoy bateu à porta da cozinha do «saloon».

Um chinês gordo e lustroso abriu a porta e inclinou-se em profunda vénia quando o reconheceu.

— Boas-noites, senhol McCoy. Houve uma glande desglaça...

Afastando-o rudemente, McCoy entrou e os seus cúmplices seguiram-no. Chegaram a uma escada que conduzia ao piso superior e subiram por ela, detendo-se quando chegaram ao cimo. A seguir, McCoy falou sem voltar a cabeça:

— Esperem-me aqui. E se alguém se mostrar curioso, já sabem.

Depois disso bateu à porta do quarto de Julie, e chamou-a de uma maneira conhecida. Dentro parou bruscamente o rumor de conversação. E por fim a voz de Molly Pitcher soou, nervosa e incerta:

— Quem... quem é?

— Abre, Molly. Sou McCoy.

Descerrou-se o ferrolho e abriu-se a porta. Molly pareceu respirar fundo ao ver o «pistoleiro». No fundo da habitação, Julie tinha-se levantado e correu ao encontro do seu amante.

— Tens de me tirar daqui imediatamente. Agora mesmo, antes que ele se inteire da tua chegada...

McCoy agarrou-a pelos braços e afastou-a para diante de si, contemplando-a, incrédulo. Que te aconteceu? Pareces uma velha... Ela retomou alento antes de responder:

— Já o sei. E estou louca de medo, se o quiseres saber. Esse... Esse espectro é que tem a culpa. O meu cabelo branqueou desde ontem. E se não me tiras daqui imediatamente, acabarei por ficar louca. Tens de me levar, Rod! Vamos, pelo mais que queiras!...

Agora ele encontrava-se muito mais nervoso e preocupado do que queria aparentar. Sacudiu-a com rudeza.

— Basta de nervos! Vamos ver se nos conseguimos entender. Dizes que é o mesmo tipo que matei em Agosto passado?

— Sim, é.

— Cala-te tu! Perguntei a Julie. Responde!

—É o mesmo, Rod; não tenho dúvidas. Voltou do Outro Mundo para se vingar de nós. Está à tua espera... Matar-te-á!

— Isso é o que ainda havemos de ver. Isso e muito mais coisas...

— Já matou dois homens, feriu outro e causou a morte de Raines. Esta madrugada encheram-no de balas... e está tão tranquilo! Não é uma história falsa, Rod, é a pura verdade! Inúmeras pessoas viram os buracos provocados pelas balas...

— O próprio Lawson preferiu sair em perseguição dos assassinos de Raines a ter novo encontro com ele. Ninguém em Dodge City estará disposto a ajudar-te, McCoy. Terás de o enfrentar sozinho... e ele matar-te-á.

— Escuta-me, Rod; vamo-nos agora embora que ainda estamos a tempo. Se ele descobre que te encontras em Dodge não te deixará escapar. Tira-me daqui, por favor!...

McCoy escutava as duas mulheres com o cenho franzido e o olhar turvo. Não lhe agradava nada do que estava a ouvir. Até ali tivera esperanças de que a história contada por Gaskell, tivesse uma razão lógica. Mas o que lhe contavam as mulheres e, sobretudo, o terrível aspeto de Julie, transformaram-no, deixando-o em troca num terrível desassossego que a cada momento ia aumentando...

Humedeceu os lábios ressequidos, num gesto maquinal. A seguir, respirou fundo e tratou de recuperar os seus nervos, dizendo a si próprio que ia procurar Nelson, pois com dúvidas e temores podia considerar-se perdido.

— Vou fazer algo, muito melhor do que isso — grunhiu —. Vou matar de uma vez para sempre esse tipo. Não acredito em fantasmas nem em mortos ressuscitados. Aquele texano fanfarrão, ficou mais morto que a minha avó. E este vai seguir o mesmo caminho, dentro de pouco tempo. A seguir, virei falar um pouco contigo. Ao que parece, contaste-me só o que te convinha acerca das tuas relações com Windy Nelson, guardando o resto, não é assim?

Noutra ocasião o seu gesto e as suas palavras teriam atemorizado Julie, mas agora nada disso acontecia.

— Se o vais procurar, serás tu quem morre — disse roucamente —. Aviso-te, não penso esperar que me venha buscar novamente. Partirei de Dodge no comboio das dez, contigo ou sozinha.

McCoy estendeu a mão direita e colocou-lha na garganta, apertando-a ligeiramente, ao mesmo tempo que dizia:

— Se sais daqui, Julie, sem minha autorização, juro-te que o sentirás.

E, dando meia-volta, abandonou o quarto. Então, Molly pergunto à sua companheira:

— Ouviste... Que pensas fazer?

— Estou decidida a ir-me embora. Sei que o vai matar, e não me importo. Não me importo nada; somente quero ver-me longe daqui, desta maldita cidade e dele...

Lá fora, Abott e Gaskell fumavam com gestos nervosos e aproximaram-se rapidamente de McCoy.

— Que te contaram?

— Nada de importância. São um par de histéricas. Estão nervosas e só sabem gritar. Este assunto é para homens. Vamos.

— Para onde?

— Lá abaixo. Tomaremos uma bebida e planearemos o que se há-de fazer.

Dirigiu-se para a escada principal. Os outros seguiram-no, não sem antes trocarem um olhar...

Havia bastante gente reunida no «saloon». Ao verem aparecer o «pistoleiro» pararam de conversar e todos os rostos se voltaram ansiosos para ele.

McCoy desceu sem pressa, observando as pessoas e captando a tensão do ambiente. Adivinhou também que era diferente do normal, em ocasiões de barulho. Encostou-se ao balcão, passando por entre duas filas de homens silenciosos e encarou com um dos criados, perguntando:

— Quem está encarregue disto, Jenkis?

— Eu próprio, por enquanto. Alguém tem de o fazer... não acha?

— Bem. Traz-nos uma garrafa à mesa do fundo. E... — voltou-se de frente para a assistência, para continuar, em voz demasiado alta: — Parece-me que vocês todos esperam o mesmo, não? Bom, já podem ir avisar esse tipo que se diz ressuscitado que McCoy já está em Dodge City com intenção de o devolver para sempre à tumba de onde assegura que saiu. São nove menos um quarto. Às nove em ponto estarei à espera dele na rua. Então... ninguém o vai avisar?

Houve uns murmúrios. E então, um homem abriu as portas batentes do lado da rua. Veloz como o pensamento, McCoy sacou o revólver e apertou ó gatilho, apontando ao que acabava de chegar. O homem respirou profundamente, empalideceu, levantando as mãos rapidamente e gritando assustado:

— Não atires! Por Deus!...

Ao comprovar de que não se tratava daquele que temia, o «pistoleiro» baixou novamente a arma com uma careta desagradável.

— Para a outra vez avisa quando entrares — disse rudemente.

O homem baixou as mãos e aproximou-se do balcão, ainda sob os efeitos da emoção que sofrera.

— Não sabia que estavas aqui em baixo — tartamudeou —. Trago um aviso para ti...

— Para mim? — McCoy aproximou-se, enquanto em redor tornava a aumentar a expectativa dos presentes —. De quem?

— De... desse homem... ou o que seja. Disse que às nove em ponto está à tua espera para te devolver a bala que lhe enviaste em Agosto último.

A mão do «pistoleiro» se estendeu, agarrando o outro pela jaqueta, sacudindo-o com força.

— Repete isso!

— Eu... Eu só trago o recado... Foi Morris que me incumbiu de to dizer... Com um empurrão McCoy afastou-o e voltou a fixar-se em todos os presentes.

— É uma coincidência — disse com voz rouca —. Maldito seja; uma simples coincidência e não outra coisa! E todos vocês, uns malditos imbecis assustados como coelhos, acreditando em todas essas parvoíces de fantasmas! Depressa lhes mostrarei que esse fulano é um farsante e está tão vivo como eu, matando-o diante dos vossos olhos. Entendido?

Ninguém lhe respondeu. Mas as expressões dos rostos que o rodeavam eram muito eloquentes. Com uma surda maldição, o «pistoleiro» encaminhou-se para uma das mesas mais resguardadas e sentou-se com estrondo. Abbot e Gaskell imitaram-no. Adivinhava-se o seu nervosismo...

O próprio McCoy também o estava, embora não o quisesse demonstrar.

— Estou a descobrir o jogo desse maldito tipo —resmungou a meia voz após o criado o ter servido e ter bebido o conteúdo do copo de um só trago —. Trata de me pôr os nervos em alvoroço, para quando chegar à hora de disparar me ganhar primeiro. Tu, Gaskell, irás para urna das janelas do andar superior, com uma pistola. No mesmo momento que ele fizer o gesto de sacar o revólver, faz fogo sobre ele. É necessário que ele morra e que o vejam morto sobre o seu próprio sangue.

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