quinta-feira, 25 de maio de 2023

ARZ077.10 O deserto… sempre o deserto…

O deserto mostrou-se em toda a sua crueza aos colonizadores. Era um espetáculo dantesco, quase indescritível, o que se oferecia aos seus olhos. E sempre parecia ser diferente, dentro da monotonia que imperava.

As areias reluziam quando o sol as queimava brutalmente, ou refulgiam ao entardecer. O céu também parecia em fogo. Muitas vezes, a sua cor azul transformava-se em rosa-pálido que, à medida que o sol se aproximava do ocaso, se convertia num vermelho intenso, até ficar todo como uma grande mancha de sangue.

O calor era sufocante.

Parecia inacreditável que o clima mudasse tanto. Milhas atrás, antes de chegarem às areias queimadas, as árvores e as plantas cresciam com vigor. Ali era por completo impossível que sobrevivesse qualquer coisa.

De quando em quando viam-se restos de animais, esqueletos queimados pelo sol, ossos calcinados, perfeitamente calcinados, sem uma única onça de carne. Cabeças de reses, costelas enormes, cuja proveniência se tornava impossível adivinhar. Tudo parecia morto à sua volta.

Em breve os expedicionários se habituaram àquela solidão. As lonas converteram-se em corpos ressequidos que uma brisa de fogo tivesse reduzido a archotes. Os animais enterravam as patas na areia e avançavam a custo. No entanto, nada parecia ser capaz de desanimar aqueles homens. Continuavam todos a caminhar, de olho cravados no horizonte monótono, seguindo a rota que as estacas assinalavam.

Os três primeiros dias decorreram lentamente. O quarto dia foi mais duro. As provisões de água esgotavam-se e o oásis Clermon não aparecia ainda no horizonte.

— Chegaremos antes do meio-dia — disse Patrick.

As horas passaram. O sol subiu até ao seu ponto máximo e depois começou a descer. E o oásis não apareceu. O céu converteu-se num lago de sangue. Os raios deixaram de queimar e começaram as horas frescas do dia. A caravana fechou-se cm círculo.

— Amanhã chegaremos. Não desanimem — disse Patrick.

— Disseste o mesmo ontem... e quase não temos água murmurou o juiz Benton.

— As estacas continuam e elas nos guiarão, como fizeram a dezenas de outras expedições — interveio Louis Bardon. — Chegaremos amanhã. Tudo consiste em passar um pouco de sede.

— Confiemos que assim seja. Eu já não tenho mais água.

— Nem eu — acrescentou Catalina Ilivitch.

A noite foi fresca. No deserto as mudanças de temperatura verificavam-se com uma brusquidão incrível.

Durante o dia, estavam a mais de cinquenta graus; à noite, tinham de cobrir-se com as mantas. Na manhã seguinte voltaram a pôr-se em marcha. As estacas continuavam a marcar o caminho. De cem em cem jardas havia uma delas, com a base rodeada de um monte de pedras.

— Temos de chegar; não podemos perder-nos.

Porém, o oásis não aparecia. Em breve todos mergulharam num torpor que não pressagiava nada de bom. A confiança que os mantivera nos dias anteriores desmoronou-se de repente. Aquela desmoralização foi provocada por James Huston, durante o almoço. Pela primeira vez comeram papas de centeio, sem café. James olhou para o irmão e a seguir para o deserto.

— Ele chama-nos — murmurou funebremente. — Está a chamar-nos, John... Está a chamar-nos! Não o ouves? Morreremos!

— Cala-te! — gritou-lhe o irmão.

— Não devíamos ter...

John atirou-se ao irmão e com um empurrão projetou-o contra um dos carros.

— Cala-te!

James caíra ao chão. John pegou-lhe pelo colarinho da camisa e levantou-o.

— Cala-te, ouviste?... Ou então serei obrigado a...

Não terminou a frase, mas todos compreenderam o seu verdadeiro sentido. O que ninguém logrou entender foi a razão do procedimento daqueles homens. Que os obrigara a deixar as suas terras de Atlanta para lançarem-se em busca de um lugar onde ninguém os reconhecesse?

O drama prosseguia. James, meio louco, de olhos esgazeados, recordando sempre o passado e prisioneiro das suas recordações, não conseguia sobrepor-se. John, mais sereno, dominava o irmão.

— Vai para o carro!... E dorme — ordenou-lhe.

James obedeceu, como um cão submisso. Todos o viram afastar-se.

— John — interveio Patrick — acho que devias portar-te de outra maneira com o teu irmão. Está louco. A viagem transtornou-o.

— Talvez, mas... E a ti que te interessa o que seja? — exclamou, sem poder conter-se.

Patrick encolheu os ombros.

— A minha missão é conduzi-los ao outro lado do Fergur, a umas terras férteis, e para nada me interessa o que se passe entre os componentes da minha caravana. Tens razão, John.

— Melhor.

Minutos depois do desagradável incidente tornaram a empreender a marcha. Aquela manhã foi terrível. A ideia do deserto dominou-os. E a frase de James não saía da cabeça de todos.

Morreremos! Morreremos! Morreremos! Morreremos!

As milhas converteram-se numa tortura e cada hora que transcorria sem verem aparecer o oásis parecia um século.

Ao meio-dia, Patrick não deu ordem de paragem. Estavam quase sem água e a ideia de chegarem ao oásis sobrepunha-se a tudo. A tarde começou sem que nem uma gota de água tivesse entrado no corpo da maioria dos expedicionários.

Os que possuíam ainda restos de líquido não o ofereceram, com medo do que sucedesse no dia seguinte. Os que estavam sedentos preferiram olhar em frente, esperando descobrir o desejado oásis.

Quando a noite chegou, todos sabiam o que era passar sede.

— Pararemos e chegaremos amanhã ao Clermont -- disse Patrick.

— Chegaremos? — perguntou Stefan, repetindo a última palavra como um eco.

— As estacas marcam um rumo. Não existe erro. Chegaremos — replicou secamente.

Assim era. As estacas continuavam a prolongar-se até ao infinito, de cem em cem jardas.

Naquela noite não se montaram guardas. Todos se sentiam cansados e esgotados. No entanto, ao amanhecer, despertou-os um grito horrível, que os fez saltar da cama. Quando saíram dos carros, viram que James procurava fugir, ao mesmo tempo que seu irmão John se atirava a ele, disposto a impedi-lo de afastar-se.

Não chegaram a tempo de intervir. John, com um murro terrível, derrubou o irmão.

— Que aconteceu? — perguntou Patrick.

— Enlouqueceu... Vigiá-lo-ei eu mesmo. Quer fugir, para ir à procura do oásis.

— É a primeira vez que lhe dá um ataque desses? — perguntou Bardon.

— Não. É o quarto desde que... — John não concluiu a frase.

— Desde quê? — insistiu o juiz Benton.

— Desde que saímos de Atlanta.

— Por que fugiram? — perguntou Claudine.

— Já lhe perguntei o motivo por que você e sua filha abandonaram o Este? Não? Pois façam o mesmo e na se metam onde não são chamados.

— John, isso não é maneira de responder — interveio Patrick. — Viajamos juntos e enquanto assim for teremos de respeitar-nos uns aos outros.

— Para onde viajamos? Para a morte? — perguntou com um sorriso irónico, ao mesmo tempo que, agarrando no irmão, o atirava sem nenhum cuidado para dentro do carro.

— Para o oásis Clermont — replicou-lhe o escocês.

Amanhecia. O sol não assomava ainda no horizonte, porém a sua luz começava a iluminar o deserto.

— Ninguém voltaria a dormir, agora... Será melhor, portanto, recomeçarmos a marcha.

Ninguém replicou. Todos se dirigiram para os seus respetivos carros e atrelaram os cavalos. Os animais escarvavam, impacientes, ansiosos de água. Porém, nada se podia fazer para acalmar-lhes a sede. Apenas restava a solução de seguir para diante, sempre ao longo das estacas. Em breve, devagar, voltaram a pôr-se em andamento. Os chicotes estalaram no ar e abateram-se sobre o lombo dos cavalos, mas sem conseguirem que a velocidade aumentasse. As rodas chiavam e moviam-se com lentidão. Dava a impressão de que a caravana se arrastava, mais do que rodava, pela superfície arenosa do deserto.

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