quarta-feira, 17 de maio de 2023

ARZ077.02 Uma francesa na caravana

Na manhã seguinte, depois de o dia romper, Patrick McCrowe julgou chegado o momento de lavar-se. Encheu um balde de água e pô-lo diante do seu carroção. Entrou neste, pegou numa toalha, pendurou-a numa árvore e começou a tirar a camisa. O seu torso de hércules ficou a descoberto.

Pegou no sabão de sebo de porco e cinza e friccionou--se com força. Era um dos seus prazeres de homem solitário, acostumado a levar vida independente e livre. A água, de manhã, encantava-o. Produzia-lhe o efeito de um calmante. E agora, que se aproximava o deserto e, com ele, a escassez do precioso líquido, o seu prazer era ainda maior.

Colhia a água, formando concha com as mãos, e atirava-a contra o rosto, a fim de tirar o sabão. Depois, mergulhou a cabeça dentro do balde e, quando a tirou, de olhos fechados, para preservá-los da espuma, tateou à procura da toalha. Assim que a encontrou, envolveu a cabeça nela e esfregou com força.

Aquela lavagem tão simples era uma operação complicada e lenta para ele. E teria durado muito mais, se uma voz de mulher o não interrompesse.

— O senhor Patrick McCrowe? — perguntou-lhe.

Era uma voz agradável e musical, de ligeiro acento europeu. Um acento que Patrick julgou reconhecer como francês. Descobriu a cara e olhou a mulher que se lhe dirigira. E a rapariga que a acompanhava.

— Eu mesmo. Que deseja? — respondeu, acabando de enxugar-se e pegando na camisa, para vesti-la.

— Ontem estava no. «saloon» de Christopher, onde se organizam as caravanas... — disse ela.

— Muito bem... e depois?

Patrick examinava-a devagar, quase com desfaçatez, como se abusasse da sua força. E enquanto o fazia perguntava a si mesmo qual das duas era mais bela.

A adolescente possuía uma formosura magnífica, recém-formada e completada; a que falava, muito parecida com a outra, aparentava à volta de trinta e tal anos. Tinha rosto redondo e olhos grandes e belos. Não possuía a juventude da outra, mas mantinha-se calma e não se assustava perante a figura seminua de Patrick.

— Chamo-me Claudine. Sou francesa.

— Ah!... Belas mulheres. Tenho ouvido gabá-las muito...

— Estou na América há mais de vinte anos.

— E sua irmã?

— Que irmã?

Patrick receou equivocar-se.

— A sua... irmã... esta — esclareceu, apontando a outra.

— É Cíntia. Minha filha.

— O quê?!... Sua filha?

— Sim, minha filha. Tem dezasseis anos. E eu mais vinte.

— E eu quarenta — replicou Patrick, sem estar atento à conversa, como se respondesse aos seus próprios pensamentos.

E, enquanto falava, acabou de vestir a camisa.

— Senhor Patrick, ontem ouvi-o falar e causou-me muito boa impressão. Peço-lhe que não se dê ao trabalho de demonstrar-me que estou enganada...

— Não, não, por Deus... Pelo contrário. Estamos a falar há alguns minutos e ainda só me disse que queria conversar comigo. Que deseja?

— Ir para um sítio onde ninguém me conheça... compreende? O senhor referiu-se a umas terras férteis, a uma região nova e desabitada... É o que me interessa: não ver ninguém.

— Em poucas palavras: enterrar o seu passado, não?...

— Sim; exatamente isso.

— Pois lamento, mas terá de procurar outra caravana. Ouviu que pedia homens, gente forte, capaz de tudo. Não quero mulheres no meu grupo... e muito menos mulheres como vocês. A beleza é perigosa...

— Por favor — murmurou a rapariga. — A mãezinha tem necessidade de ir. A vida converteu-se-nos num inferno, com toda a Filadélfia contra nós... Se o paizinho não tivesse morrido...

— Paizinho?... É viúva?

— Pois, que julgava? — perguntou a francesa. — Acaso pensou que pertencia à espécie de mulheres que os seus amigos lhe contaram que existiam em França?... Creio que tem ideia muito errónea a respeito da minha pátria e da sua gente. Julgo ter vivido muito mais do que o senhor, convivi com centenas, ou mesmo milhares, d pessoas, e cheguei à conclusão de que em toda a parte há gente boa e má, pessoas decentes e pessoas indecentes e que quem é inteligente sabe distinguir entre uma mulher séria e uma...

— Está a chamar-me parvo — murmurou Patrick, sorrindo.

— Com todas as letras! Bons dias.

Claudine deu meia-volta e, seguida pela filha, começou a andar. Mas uma das mãos de Patrick agarrou-a por um ombro e obrigou-a a parar.

— Deixe-me!

— Cale-se! Sou o chefe da caravana e tenho o direito de interrogá-la. Possui um carroção resistente?

— Possuo.

— Está disposta a passar dias duros, muito duro mesmo, sem lamentar-se constantemente?

— Não disse que não queria mulheres no seu grupo

— Mudei de opinião. Responda.

— Sim. Quero abandonar todas as minhas recordações e partir para longe. E se em vez de um deserto pusesse três entre Filadélfia e o meu novo lar, muito melhor.

— Receio que chegue um para ficar farta. Pode vir, Claudine. Veremos se é verdade que não choraminga durante mais de metade da travessia...

Um sorriso iluminou o rosto da mulher. A mão de Patrick deixou de exercer pressão, mas não se retirou de onde estava. Foi ela que lhe pegou suavemente pelos dedos e que lha apertou.

— Temos a galera a meia milha daqui. Vamos buscá-la e voltaremos — murmurou.

Patrick sorriu. E assim ficou a vê-las afastarem-se. Ambas caminhavam com elegância, com os quadris a moverem-se compassadamente. Era um belo espetáculo vê-las andar.

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