domingo, 21 de maio de 2023

ARZ077.06 O talismã de um militar

Ao entardecer do dia seguinte, quando o sol começava a declinar, o tenente Carrugan ergueu o braço. Os quinze homens que comandava compreenderam o gesto. E também os da caravana.

— Senhor Patrick, tenho de dar a minha missão por terminada. O dia chegou ao fim e em breve serão horas de acamparem. Se partirmos agora, chegaremos ao forte antes da meia-noite.

— Compreendo-o perfeitamente, tenente, e agradeço-lhe a escolta que nos deu.

— Estamos às suas ordens, e se nos encontrássemos noutras circunstâncias acompanhá-los-íamos até ao Fergur. O comandante Gallup pediu-me que lhes repetisse os seus conselhos: abandonem a ideia de desviarem-se da rota assinalada. Não procurem atravessar o deserto pela parte mais larga...E se desejam voltar ao forte, a fim de aguardarem que mude a situação com os índios, tenho ordem de acompanhá-los e de não regressar até amanhã.

— Agradeço-lhe, tenente, uma vez mais; mas temos de continuar para diante.

— Parece-me que não se trata de questão de vida ou de morte...

— Estamos em marcha e não podemos parar. Começo a conhecer os homens que me seguem e a saber como pensam. Falam pouco, alguns deles quase nada, mas estão resolvidos a chegar ao fim seja qual for o preço.

— Nesse caso, apenas me resta desejar-lhes sorte.

— Obrigado.

O tenente saudou militarmente e depois estendeu mão, que Patrick apertou com força. A seguir despediu-se dos restantes, carro por carro. O tenente Carrugan, com seu rosto juvenil, sorriu para todos os expedicionários. Ao chegar ao carro de Claudine, fez-lhe a continência

— Minha senhora, lamentaria que lhe sucedesse qualquer coisa de desagradável.

— Tenente, já passei por muitas coisas para que me surpreenda uma mais.

— Desejo-lhe sorte.

— Obrigada.

Carrugan cumprimentou-a outra vez e esporeou cavalo. Mal tivera tempo de afastar-se quando uma voz o chamou:

— Tenente! Voltou-se e viu Cíntia, que assomava a cabeça por entre a lona.

— As suas ordens, menina.

— Aproxime-se... Mais... Ainda mais...

Carrugan, caracoleando o cavalo, colocou-se junto da rapariga. Não despregara os olhos dela durante todo dia, e partir sem a ver era-lhe desagradável. Por isso gostou que ela o chamasse. Cíntia estendeu-lhe a mão e, puxando-o suavemente, beijou-o nas faces.

Tudo foi feito com uma naturalidade maravilhosa, que não dava lugar a pensamentos menos puros. Era um gesto espontâneo, agradável, bonito, próprio de uma adolescente que recordava o seu primeiro amor, tão limpo e bonito como aquele beijo. Carrugan olhou-a, aturdido.

— Menina... — murmurou.

— Dê-me uma lembrança, Carrugan... Qualquer coisa.

Carrugan olhou à sua volta, como se não compreendesse o que ela lhe pedia.

— Um botão basta-me, tenente... Qualquer coisa que seja do Exército, de um tenente jovem, como você...

De súbito, Carrugan compreendeu tudo. O gesto do militar foi rápido. Pegou no botão que fechava o seu bolso esquerdo, junto do coração, e arrancou-o com um puxão.

— Tome... E guarde-o enquanto lhe recordar qualquer coisa. Desejo que volte a vê-lo...

— Obrigada, tenente.

Cíntia ficou com o botão dourado entre os seus dedos perfeitos. Aquela peça tinha o calor de um talismã. Olhou-a. Era dourada e brilhava sob a carícia dos raios do sol. Tinha, gravados, dois sabres cruzados, unidos por um cordão militar.

Cíntia agitou a mão, a despedir-se do tenente. Carrugan fez o mesmo, despedindo-se da caravana.

Minutos depois, o grupo de soldados partia em direção contrária à que seguia a expedição.

— Outra vez sozinhos — murmurou Patrick.

E era verdade. Tinham de novo diante de si a estepe e a solidão, e, o que era pior, a incerteza do futuro que os aguardava.

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