quinta-feira, 4 de maio de 2023

CLF054.10 Dodge City em pânico por causa de um morto

Os homens que entraram no cárcere para averiguar o que Nelson tinha feito ao «sheriff» e ao seu ajudante, tiveram uma surpresa muito maior do que se os tivessem encontrado mortos. Como a cela estava fechada, não havia maneira de se aproximarem dos dois homens inconscientes; só lhes restava esperar, fazendo conjeturas acerca do que poderia acontecer.

O primeiro a recuperar os sentidos foi o «sheriff». Abriu os olhos, sentindo uma forte dor de cabeça, e ficou a olhar incredulamente, primeiro para as pessoas que se encontravam no vestíbulo, e, a seguir, para as mãos que estavam algemadas.

— Que raio aconteceu? — grunhiu —. Quem foi o miserável?...

A meio da pergunta deteve-se, recordando os factos da noite anterior. Com o olhar procurou Nelson... No entanto, não pronunciou o seu nome.

— Isso também nós perguntamos — respondeu um dos presentes —. Que diabos lhes fez esse homem, ou espectro, para o deixar e a Tyler sem sentidos, estando como deviam estar a vigiá-lo? Nós só sabemos que saiu tranquilamente daqui, tocando a sua guitarra e se encaminhou para o «Fancy», para matar Milner com uma só bala e quase matar de susto Julie Anderson, indo a seguir para o seu quarto, não deixando primeiro de tornar a ameaçar «Killer» McCoy, de tal maneira que pôs os cabelos em pé a todos os que o ouviram.

O «sheriff» escutava aturdido, incrédulo e aborrecido. Voltou a olhar para as algemas e a seguir para o seu ajudante, que naquele momento também começava a despertar. Tyler sacudiu a cabeça, gaguejou e grunhiu, com mau humor:

— Maldito seja quem me prendeu! Tenho a cabeça, parece que me estala...

— Acorda, idiota.

Tyler assim o fez, sobretudo quando se viu algemado e convertido em alvo de curiosidade.

— Oiça! Que significa isto? Quem nos pregou esta...?

Também ficou a meio da frase, quando começou a recordar-se. E mudou a sua expressão para outra ainda mais estúpida.

— Com mil demónios! Não me digam que foi esse tipo do Nelson que fez isto!

— Que saibamos, não foi outro.

— Mas... Mas como se pôde safar? Eu estava parado diante dele, contemplando-o enquanto cantava e tocava guitarra. Tinha a mão perto do revólver e estava alerta... Você também; diabo, não tirei olho...

O «sheriff» estava com uma expressão sombria e abatida, e também preocupado.

— Assim é — grunhiu —. Que é que te recordas por último?

— Recordar? Por último?... Bom, de repente senti-me como que enjoado. A seguir... Ao diabo, não sei o que aconteceu. E você?

— O mesmo que tu. Não afastei o olho de cima dele porque não me fiava nele. A seguir recordo-me de uma espécie de enjoo... e agora é que despertei.

Fora da cela, os homens murmuravam e trocavam olhares significativos. Foi Tyler quem deu voz ao pensamento geral.

— Então— resmungou — é verdade que se trata de um tipo do outro mundo...

— A única coisa que parece ser certa é que se trata de um tipo muito misterioso e cheio de recursos. Bom, alguém sabe quanto tempo estivemos sem sentidos?

— Mais ou menos quatro horas. São duas e meia da madrugada.

— Quatro horas!... Bonito trabalho!...

— Daria algo para saber como ele atuou... Diabos, a cabeça parece que me estala...

— De momento, o que importa é que saiamos daqui. Como é que ainda não lhes lembrou de chamarem um ferreiro?

A verdade é que ninguém ainda se tinha lembrado de o fazer. O ferreiro foi avisado e pouco depois serrava a porta da cela e abria, não sem certa dificuldade, as algemas que prendiam o «sheriff» e o seu ajudante.

Lawson não perdeu tempo em ordenar a todas as pessoas que abandonassem o cárcere, fechando a porta e ficando sozinho com o seu abatido ajudante.

— Temos de actuar com clareza, rapaz. Este assunto já não pode ser levado a brincar de nenhuma maneira.

— Acredita realmente que se trata de um espectro, como tudo parece indicar? Demónios, custou-me um pouco a acreditar, mas depois do que nos aconteceu...

— Vamos refrescar a cabeça, primeiro, e a seguir beber qualquer coisa. Assim não posso. pensar...

Os dois lavaram energicamente a cabeça e a cara, depois do que deram um bom golpe na garrafa de «whisky» que estava no armário.

— Hum! Agora já me sinto um pouco melhor...

— Menos mal. Bem, vamos ao trabalho. Esse tipo colocou-nos em má situação, em frente de toda a gente. Temos de fazer algo imediatamente, para recuperar o prestígio perdido. Agora, ele deve estar alerta, a não ser que seja um homem muito hábil em truques... Raios do inferno, já me estou a deixar convencer!... Bom, o caso é que deve estar de sobreaviso. Demonstrou ser um bom atirador. Não nos convém, pois, lançarmo-nos a uma ação pouco meditada.

— E se reuníssemos uns poucos?

— Viste as caras deles? Não encontrarias dois em toda a cidade que quisessem correr o risco. Todos estão convencidos de que se trata de um ressuscitado. E os que ainda duvidam, acontece-lhes como a nós: pensam duas vezes as coisas antes de se lançarem ao tiro com esse fulano.

— Mas temos de fazer qualquer coisa... A verdade é que também não me sinto com coragem de ir agora à procura desse tipo...

— Vamos aproximar-nos do «Fancy», para que nos contem o que aconteceu.

Saíram. E quando o fizeram, passearam o olhar pela rua deserta e quase completamente às escuras, fixando-o a seguir no sombrio edifício do hotel de Morris. O «sheriff» comentou resmungão:

— Toma atenção. Tudo em silêncio e solitário, estando apenas um dos «saloons» aberto. Já se viu isto alguma vez em Dodge, nesta época do ano? O medo infiltrou-se nos ossos de todos...

— E há que admiti-lo que é com razão. Não deixo de espicaçar os miolos para ver se descubro a maneira como ele nos deixou inconscientes, sem sequer nos tocar, sem se mexer de onde estava sentado a tocar...

— Talvez a canção tivesse algum feitiço. Deixa de pensar no que não podes compreender e vamos ao que interessa.

Um dos dois únicos locais de diversão que mantinham a porta aberta era precisamente o «Fancy». O dono saiu rapidamente ao encontro do representante da Lei. Via-se que estava nervoso debaixo da sua aparência tranquila.

Haveria talvez uma dúzia de homens e quatro ou cinco raparigas bebendo e comentando os acontecimentos. Todos ficaram a olhar para os três.

— Olá, Lawson. Até que enfim que já acordaram. Que lhes fez esse tipo ou lá o que é?

— Isso queríamos nós saber. Que fez ele aqui?

— Quase nada... Para começar, deu um tiro em Milner.

— Ele tinha-lho prometido antes.

— Pois cumpriu-o. A seguir, assustou Julie Anderson, mais do que ela poderia resistir. Está fechada no seu quarto, tomada de um pânico terrível...

— Não me digas! É possível?

— Pode ir comprovar com os seus próprios olhos. Tive de mandar Rhodes e Winckler fazer-lhe companhia. Molly Pitcher também está com ela. Juro-lhe, Lawson, que esse tipo não é um homem como nós. Olha para nós com uns olhos que parecem dois bocados de gelo. Se visse como ele assustou Julie... Bom, penso que deveríamos fazer qualquer coisa. Não se pode manter esta tensão.

— E que propões que se faça?

— Que sei eu? Poderíamos ir buscá-lo ao hotel e levá-lo para qualquer sítio, crivando-o de balas...

— A um espectro?...

Um dos presentes que era bastante enérgico, aproximou-se, poisando o copo sobre o balcão, e resmungou:

— Lawson tem razão, Raines. Se é um espectro, as balas nada podem contra ele e seria perder tempo apertar o gatilho inutilmente. Escapulir-se-á através das paredes, ou deixar-nos-á inconscientes, como o fez com eles, no cárcere...

Fortes murmúrios apoiaram as suas palavras. Continuou no mesmo tom:

— Tenho-me por homem arrojado como o primeiro, sempre que se trate de lutar com homens. Mas não querem dizer-me que defesa podem tomar, contra um fantasma?

— Se tem consistência bastante para carregar uma arma e dispará-la, provavelmente também a terá para receber uma bala, não achas Halliday?

— Se é assim, Lawson, porque não vai você e o comprova? Pouco importa que seja de carne e osso se não o puder matar.

— E quem disse que não possa morrer?

—O senso comum. Se já está morto e enterrado, como vai voltar a morrer? Repito que isto não é assunto para homens, mas sim para um padre. E não ficarei muito tranquilo onde estou, e procurarei afastar-me desse Nelson, até decidir ir-me embora de Dodge. Esperarei a ver o que acontece, isso está bem. Já mandei recado a McCoy. Ele que venha resolver o assunto, que é de sua incumbência.

O olhar do «sheriff» poisou nos olhos de todos os presentes.

— Suponho que quase todos pensam como Halliday, não é assim?

— Pode ter a certeza, Lawson — respondeu um dos que se encontravam mais perto —. O que mais nos interessava ou não, era lutar contra esse Nelson se ele fosse um homem. Mas assim... Bom; pensamos que é melhor deixá-lo continuar o seu caminho e acabe o que veio fazer. Ele próprio já o disse: dos mortos só morte se pode esperar. E a vida é muito preciosa.

Voltando-se para o dono do «Fancy», Lawson disse-lhe rapidamente:

— Já ouviste, Raines. Acreditas que McCoy saiba do sucedido?

— Está em Ellsworth. Sim, penso que o saberá muito depressa.

—Bem, vou visitar Julie para lhe fazer uma série de perguntas. Fica aqui em baixo, Tyler. Vens comigo, Raines?

— Convém que o faça. Lá em cima estão tão nervosos que se poderiam pôr a disparar por menos de nada...

Subiram em silêncio ao andar superior. Já fora dos ouvidos dos clientes, Lawson perguntou a meia voz:

— Qual é a tua verdadeira opinião, Raines?

Sustendo-lhe o olhar, o dono do «saloon» respondeu-lhe:

— Esse homem meteu o pânico no corpo de todos os habitantes de Dodge. E se não é um ressuscitado, trabalha como tal. Creio que próximo da tarde ele aparecerá por aqui. E aqui para nós: Parece-me que as suas horas estão contadas.

— É teu amigo. É estranho que fales assim...

— Agora vá ver Julie. A seguir faça-lhe você mesmo essa pergunta. Tão-pouco eu quero relações com gente que veio do outro mundo, ainda que até hoje não tenha sido supersticioso e seja o primeiro espectro que vi. Atira muito bem...

 

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