sexta-feira, 5 de maio de 2023

CLF054.11 Truques que ajudam a salvar vidas

Depois de ter assustado de tal maneira todas as pessoas, Rich Nelson regressou com toda a calma ao hotel, cumprimentou o evidentemente assustado empregado e subiu as escadas, assobiando uma canção. Uma vez no corredor, chegou à porta do quarto de Dixie e bateu.

— Ainda estás acordada, Dixie?

— Sim. Um momento.

Trinta segundos mais tarde abriu-se a porta. A jovem não se tinha despido e olhou-o apreensiva.

— Que aconteceu? Pareceu-me ouvir um tiro...

— Importas-te que entre?

Dixie vacilou uns segundos. A seguir afastou-se para o lado.

— Entre.

Fechou a porta e ficou a olhá-lo fixamente. Nelson lançou através da janela um olhar para o exterior e regressou com um sorriso tranquilizador.

— Parece-me que esta noite poderemos descansar sem sobressaltos. Estavas preocupada pelo que me pudesse suceder?

— Sim... Que se passou?

— Um montão de coisas. Para começar, o «sheriff» deteve-me e levou-me para a prisão, com intenções de me fazer passar ali a noite, pelo menos.

— E... lutaram?

— Não. Limitei-me a deixá-los inconscientes e a metê-los numa das celas, amarrando-os com as algemas. Imagino que quando acordarem vão achar-se loucos, fazendo mil perguntas sem resposta.

— Você... fez isso? Como o conseguiu?

— Guarda segredo. Uma vez, há anos, salvei a vida a um velho feiticeiro dos índios «choctaws». O homem mostrou-se-me muito agradecido e ensinou-me umas quantas maneiras da sua profissão. Coisas que só os selvagens conhecem. Há uma planta que só cresce nos terrenos pantanosos do golfo, a qual possui umas propriedades extraordinárias. Misturada com o tabaco, não se nota a diferença; e o que fumar um cigarro assim preparado, sente de repente como que uma pancada na cabeça, dada com um maço. Perde os sentidos sem transição nem aviso. Só os recupera três ou quatro horas mais tarde, sem ter a menor ideia de como lhe aconteceu. Como suspeitava que aqui ia ter dificuldades de toda a espécie, preparei uma quantidade de tabaco numa carteira especial. Do mesmo, fumaram o «sheriff» e o seu ajudante enquanto eu lhes embalava os ouvidos com uma canção. E, se, quando acordarem, não começarem a pensar a sério que possuo poderes sobrenaturais, é porque já não conheço os homens.

Dixie respirou aliviada, abanando a cabeça com admiração.

— Você é um saco de surpresas, Rich Nelson...

— Quando alguém se mete em apuros, tem de procurar toda a espécie de recursos, sob pena de deixar a pele no negócio. Além disso, Dixie, as minhas surpresas são destinadas a apanhar lobos e não corvos inocentes.

— Não o dizia por isso... Que fez depois?

— Saí tranquilamente e dirigi-me ao «Fancy». Quando o «sheriff» me deteve e me desarmou, um tipo chamado Milner ofendeu-me e ameaçou matar-me. Lembrei-lhe que lhe daria esse prazer. Estava cantando essa história quando eu entrei. Fiz-me anunciar com uns acordes da minha guitarra, e devias ter visto o efeito que lhe causou. Todos que se encontravam ali dentro ficaram como estátuas. Ao lado de Milner havia uma ruiva bonita e bem opulenta que se pôs a tremer apenas me pôs a vista em cima. Tive um palpite e falei-lhe como se a conhecesse há já bastante tempo. Ela pôs-se nervosa e procedeu de maneira a que eu compreendesse que se tratava da noiva de McCoy. Então, Milner tratou de «antecipar-se». Mas fui mais rápido, dando-lhe um tiro. Isso reforçou a minha posição. Reforcei-a ainda mais assustando a rapariga de McCoy. Como é natural, eu conhecia todos os truques de Windy com as raparigas e a sua maneira de falar e de as tratar. Fiz exatamente como ele deveria ter feito. E estou convencido de que a rapariga de McCoy não duvidou um instante sequer de que se encontrava na presença de um fantasma. Quando a agarrei pelo cabelo e a beijei...

— Beijou-a?

— Em plena boca. Tinha de o fazer. Bom; ela afastou-se, ficando como uma bola esvaziada. Aproveitei a ocasião para lembrar que tinha vindo a Dodge ajustar contas com McCoy e que o esperaria até amanhã à noite, e que a seguir me ia embora. Não se ouvia um murmúrio quando saí do «Fancy». Parece-me que acabei de lhes meter o medo no corpo. Houve uma breve pausa de silêncio. A seguir...

— Que vai fazer agora?

— Dormir. Preciso de descansar e manter a cabeça limpa. Calculo que McCoy não está na cidade, mas sim bastante perto para poder ser avisado da minha chegada e vir averiguar o que há decerto no negócio, antes do anoitecer.

— Suponhamos que não vem...

— Então, teremos de nos ir embora. A tensão que provoquei nestas pessoas é muito grande e não se pode manter por muito tempo. Não quero que os inocentes corram mais perigos.

— Deixará então a sua vingança?

— Não. Devo procurar McCoy onde ele se encontra e dar-lhe o que merece. Mas já não me será possível regressar a Dodge. Não me tolerariam outra «aparição». Bom, agora procura também dormir. Boas--noites. Voltou a abraçá-la pelos ombros e a beijá-la.

Ela voltou a ficar rígida, não esquivando a carícia... Quando ele abandonou o quarto, ficou com as costas viradas para a porta, mordendo os lábios num gesto pensativo. Por seu lado, Nelson realizou uma série de tarefas dentro do seu quarto, que resultavam bastante intrigantes.

Para começar, não acendeu as luzes. Chegou-se à janela e abriu-a o suficiente para permitir a entrada da claridade da noite. Esteve observando a rua por uns minutos e a seguir aproximou-se da cama, deixando aos pés da mesma o cobertor. Uma vez feito aquilo, pegou na sua mala, juntou quantos objetos apanhou à mão e tapou tudo. A sua própria jaqueta, dobrada, colocou-a em cima e até no meio da almofada. Voltou a subir o cobertor com cuidado e acomodou-o de forma a que cobrisse tudo, menos a jaqueta. A seguir aproximou-se da janela e aí se deteve, examinando a sua obra, num gesto satisfeito. Dali parecia exatamente uma pessoa deitada no v leito e que estava dormindo à «rédea solta».

— Tudo isto deve dar resultado... — monologou a meia voz.

Depois disso encostou as janelas e foi sentar-se no chão, encostando as costas à parede, à direita da janela, a um canto. Primeiro descalçou as botas, deixando-as bem visíveis junto da cama. O cinto pendurado numa cadeira, também visível, de forma a que a pistoleira ficasse oculta. O revólver ficou com ele.

Passou uma hora. Duas. Dodge parecia dormir tranquilamente. E, desde logo, Nelson também dormia, com o sono ligeiro como o das lebres. Mais outras duas horas. Faltava pouco para o amanhecer...

Um pequeno ruído fez com que Nelson abrisse os olhos, que se pôs imediatamente alerta, de ouvido à escuta. Alguém acabava de apoiar uma escada na parede e estava começando a subir por ela, com toda a espécie de precauções. Levantou-se veloz e silencioso, empunhando a arma com um sorriso leve à flor dos lábios.

— Como esperava...

Em duas passadas aproximou-se da janela. Pôde ouvir o leve ranger da escada sob o peso de um homem que subia. Em baixo devia haver mais alguém. Antes que o outro chegasse à janela, Nelson deslizou até ao canto onde tinha estado a dormir. E ali esperou...

Uma das portas abriu-se devagar, milímetro a milímetro, até ficar razoavelmente aberta. A seguir a outra. Por uns instantes reinou absoluto silêncio...

Depois, um braço armado com um revólver apontou ao vulto imóvel que estava na cama. Bang, bang, bang! Os quatro disparos juntaram-se numa rápida sucessão, ao extremo de confundir os seus ecos. E com o último chegou aos ouvidos de Nelson uma voz excitada.

— Vamos, Artie!

O que tinha disparado não se fez rogar. Nelson ouviu-o descer a escada a toda a pressa, atirando-se ao solo quando se encontrava a meio. A seguir ouviu o ruído de passos a afastarem-se velozmente sobre as pedras da rua. Nessa altura já se ouviam muitos ruídos. Incluso um alarmante grito feminino...

Nelson não perdeu o seu tempo. Correu para a cama, tirou o cobertor para um lado e tirou para fora tudo quanto tinha lá posto, e que de tal modo tinha enganado o assassino. Movendo-se veloz pelo quarto, colocou cada coisa no seu lugar, e vestiu a jaqueta quando já soavam pancadas contra a porta e vozes excitadas no corredor. Vozes entre as quais se distinguia a de Dixie...

Em duas passadas aproximou-se da porta, e abriu-a. Os homens, em mangas de camisa, quase lhe caíram em cima. E Dixie lançou uma exclamação de alívio e incredulidade quando o viu aparecer.

Além dela, encontravam-se também o dono do hotel e cinco ou seis clientes, todos em trajos menores. A própria rapariga devia ter-se vestido e enfiado as calças à pressa. Ia descalça e com o cabelo solto pelos ombros, a camisa aberta e uma expressão desanimada. Estava terrivelmente atraente de tal maneira. Empunhava nervosamente um revólver. Mas a verdade é que nenhum dos homens reparou na sua beleza.

Todos tinham o olhar cravado em Nelson. E os que quase tinham caído em cima dele, afastavam-se agora apressadamente para trás. Ele envolveu-os no mesmo olhar brincalhão e desdenhoso. O seu revólver ameaçava-os muito bem.

— Boas noites, senhores. Olá„ Dixie.

— Como... Como está?

— Perfeitamente.

— Não... Não dispararam aí dentro?

Era Morris, o dono do hotel, quem perguntava. Nelson assentiu com displicência.

— Pois foi. Um rapaz de excelente pontaria quis bater-se comigo. Se quiserem entrar podem ver o que conseguiu.

Dixie entrou primeiro, olhando-o interrogativamente. Atrás dela entraram Morris e os outros. Alguém acendeu o candeeiro... Os olhos da rapariga dilataram-se ao divisar os detestáveis buracos em pleno centro da almofada, num ponto onde evidentemente tinha estado apoiado algum peso. Os outros também o viram... Depois, num gesto teatral, Nelson pegou no lençol e levantou-o. Todos puderam ver os buracos deixados pelas balas.

— Se tinha boa pontaria... — Olhem para isso!

Um dos presentes assinalava para a jaqueta de Nelson. E mais de um sentiram os cabelos em pé ao descobrir aqueles buracos. Sorrindo com desdém, Nelson deixou cair as palavras uma a uma.

— Não se assustem, homens! Fiquei com a jaqueta vestida. O certo é que me dói um pouco a cabeça. Deve ser da bala que passou por ela. Vejam...

Inclinou-se e apalpou a cabeça no meio dum silêncio insuportável. Depois levantou-se, mostrando o chumbo ainda quente do projétil que, ao atravessar a jaqueta e a almofada, se tinha pregado contra as tábuas que sustinham o colchão.

— Sim, aqui está.

Dixie flutuava entre a incredulidade e o pânico. Ninguém podia conter o olhar de Nelson. E um após outro, depois de engolirem em seco, deram meia volta e desapareceram, atropelando-se. Uns momentos mais tarde o quarto estava livre de curiosos...

Ao ficar sozinho com Dixie, Nelson aproximou-se da porta e fechou-a; a seguir foi à janela e fechou-a também. Uma vez tomadas todas estas precauções olhou para a pálida e assustada rapariga com o seu melhor sorriso. Fez-lhe sinal para que se aproximasse. Ela obedeceu como uma autómata.

— Estou... Estou assustada...

Em silêncio, ele inclinou-se e pegou na mala. A seguir indicou-lhe com o dedo os buracos reveladores das balas que ali tinham passado. Então, Dixie compreendeu. Respirou fortemente e a cor voltou-lhe às faces.

— Foi... outro truque...?

— Fala em voz baixa. Estão tão assustados que penso não deixarão de correr até lá abaixo, o mais depressa que possam. Mas, pelo sim, pelo não, é melhor falarmos baixo. Sim, foi um truque muito usado e de grande efeito. Como receava esta visita, meti a mala e outros objetos debaixo do cobertor e dobrei a jaqueta de maneira que de longe e sem luz, parecesse a minha cabeça deitada. O visitante vinha demasiado nervoso para se pôr a fazer distinções e limitou-se a comprovar que alguém parecia estar a dormir em cima da cama. Assim que esvaziou o tambor da sua arma escapou-se a toda a pressa com os seus cúmplices sem se incomodar a averiguar o resultado do seu trabalho.

Tirou a jaqueta e examinou-a com um frio sorriso. Dois horríveis buracos serviam-lhe de enfeite.

— Sem o pensar, fizeram-me um favor. Depois de me verem com a jaqueta esburacada, ninguém terá a menor dúvida da minha fantasmagórica personalidade.

Dixie levou as mãos à boca, apertando-as. Adivinhando o seu gesto, Rich largou a jaqueta e aproximou-se, tomando-a pelos ombros.

— Que te aconteceu, pequena?

— Pensei... que o tinham morto... A seguir... ao ver tudo isto... também me assustei...

— Vamos, vamos... Acalma-te. Sou de carne e osso, Dixie. Estou vivo e quero-te muito.

As três coisas eram verdadeiras. Demasiado verdadeiras... Quando a rapariga levantou a cara, ele beijou-a nos lábios palpitantes. E de um modo instintivo, Dixie respondeu ao beijo. Lá fora o dia começava a despontar.

 

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