segunda-feira, 29 de maio de 2023

ARZ077.14 Perdidos no deserto… sem água… à espera da morte

O dia decorreu com a mesma lentidão do anterior, com a diferença de que a distância foi muito menor. Já ninguém se preocupava com fustigar os cavalos, nem ninguém pensava no Enclave Jack. Isso desaparecera da cabeça de todos. A única ideia era a de seguir para diante, sem se saber muito bem para quê. Pressentiam que o fim estava muito perto e que a morte os esperava dentro de algumas milhas. O seu afã consistia em andar essas milhas.

Patrick, sentado na boleia, com Claudine a seu lado, entreabria de vez em quando os lábios e maquinalmente murmurava:

— Chegaremos... chegaremos...

Graham, o filho do juiz Benton, viajava no carroção de Susi Ilivitch. Ambos permaneciam silenciosos, com o braço dele sobre os ombros dela. O juiz, na boleia, sonhava com rios de «whisky» e mares de álcool. A caravana de desesperados transformara-se em caravana de semimortos.

As horas passavam. Muitas vezes os animais ficavam quietos, parados, e não recomeçavam a marcha enquanto o calor os não fustigasse. As estacas iam-se sucedendo. Mas nenhum deles notava que cada vez era maior a distância que as separava umas das outras.

Não fizeram alto para comer. Ninguém tinha apetite. Apenas uma sede tremenda, terrível, que lhes secava a garganta. Também não pararam para cear. Os carros continuavam o seu rodar cansado. Parecia impossível que os animais ainda continuassem a caminhar, porém assim era.

Uma estaca mais foi vencida.

Patrick cravou o olhar cansado na distância. O sol e o brilho do deserto tinham-lhe atacado as pupilas e os contornos apareciam-lhe enevoados. Não viu nada que quebrasse a monotonia desesperante das areias queimadas pelo sol.

Encostou-se a Claudine e ficou quieto durante alguns minutos. De repente, uma ideia passou-lhe pelo cérebro. Recordou-se de que não via nada no deserto. Nada! Nem á próxima estaca.

Voltou a olhar. E compreendeu que não se enganara. Estavam em pleno deserto, sem nada que os guiasse, desorientados. Parou o carro e como pôde saltou para o solo. Apoiando-se às rodas e aos taipais dos carroções, chegou até à boleia do juiz Benton.

— Não... não há... estacas — murmurou, fazendo um esforço enorme.

— Conseguimos... chegar... ao enclave? — replicou--lhe o juiz, sem saber exatamente o que dizia.

— Não... não há estacas... — repetiu o escocês — E... já não... podemos regressar...

O juiz compreendeu-o. Naquele momento aproximou-se Graham.

— Que se passa? — perguntou num fio de voz.

— Vamos morrer... aqui, filho — replicou-lhe o pai.

Assim era. O velho Stefan, que se aproximava apoiado a um pau, ouviu a frase. Não quis escutar mais. Regressou sobre os seus passos e aproximou-se de Mary.

— Querida... a tua felicidade... — murmurou. — Lamento...

Ergueu a mão e traçou no ar uma cruz. Depois, esgotado, deixou-se cair à sombra do carroção. Mary quis gritar, mas o som não lhe chegou aos lábios. Cobria-lhos uma crosta, e a sua pele, seca e gretada, transformara-se numa superfície áspera e, irritada.

Patrick regressou ao seu carro e tentou um último esforço. Mas os animais negaram-se a seguir para diante. Descarregou outra vez o chicote sobre o lombo de um deles, e o resultado foi que o animal tombou, esgotado. Momentos depois, caiu o outro. Patrick olhou para Claudine. Ela respirava com dificuldade.

— Acabou-se... tudo — murmurou.

A francesa encolheu os ombros, com indiferença. Chegar ao limite das suas forças. Patrick ajudou-a a entrar no veículo, para se acolher à sombra da lona.

Depois sentou-se a seu lado e abraçou-a. Ao fazê-lo, colou os seus lábios aos lábios dela. Eram bocas ressequidas, com a marca da morte. Começava a lenta agonia, que poderia durar muitas horas. Chegara o momento de o corpo humano demonstrar do que era capaz, no tocante a resistência. Seria uma morte lenta, horrível, durante a qual a carne secaria em vida.

O mesmo pensava Graham quando se deixou cair junto de Susi Ilivitch. O juiz Benton não dava nem meio cêntimo pelas possibilidades que tinha de salvar-se.

Ouvira falar nos «desestacadores» e sabia o fim que o esperava. Apenas desejava uma coisa: vingar-se. Pegou nos seus «Colts» e olhou-os. Estavam em perfeito estado. Pousou-os a seu lado, ao alcance da mão, e deitou-se, disposto a esperar a passagem das trinta ou mais horas que lhe faltavam para morrer. Sabia que a morte por falta de água era lenta e terrível. Porém, não havia nenhuma possibilidade de fugir e estava disposta a enfrentar a realidade. Somente desejava que os «desestacadores» chegassem enquanto ainda tivesse vida.

A noite caiu com rapidez sobre os carros. A frescura e o frio pareceram-lhes providenciais, embora soubessem que, no dia seguinte, o calor voltaria com a mesma intensidade. O negro manto da escuridão parecia uma morte prematura.

///

Ao meio-dia do dia seguinte nada se movia na caravana. Os cavalos estavam caídos no solo e os colonos permaneciam no mesmo sítio em que a noite os. surpreendera. O sol voltara a brilhar no firmamento com uma luminosidade odiosa. Era uma agonia terrível, contra a qual de nada serviria lutar. Apenas se podia esperar o fim.

Todos se encontravam mergulhados nos seus pensa-mentos. Mary permanecia junto do avô, deitada no solo. Tinha o rosto quase desfigurado e as pálpebras inchadas. Os lábios desapareciam-lhe debaixo de uma crosta negra, ressequida, que lhe dava um aspeto horrível.

No entanto, a vida não fugira ainda do seu corpo. Mantinha-se no seu cérebro, perdidas quase todas as forças para mexer-se. O seu subconsciente vivia ainda.

E foi uma espécie de sexto sentido que a levou a notar uma sombra que corria sobre o seu corpo. Pareceu--lhe um sonho. Ouviu um relincho de cavalo. Julgou ser o delírio da morte. Mas o relincho voltou a repetir-se. Ouviu umas palavras, sem entendê-las. Hesitou entre a realidade e o sonho. E por fim abriu as pálpebras inchadas. Era realidade! Diante dela, em pé, estava um homem alto e magro, um homem que reconheceria onde quer que fosse. Era Louis Bardon.

Mary fez um esforço terrível e entreabriu os lábios para falar. Mas apenas algumas palavras lhe saíram por eles.

— Louis... amo-te...

Cada uma daquelas palavras equivaleu a um tiro no coração de Bardon.

 

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