sábado, 6 de maio de 2023

CLF054.12 Como receber o pagamento apesar de não ter morto o espectro

Lawson ficou a olhar, incrédulo, para Julie Anderson.

A arriscada rapariga do «saloon» encontrava-se encolhida a um canto do quarto, com o rosto desfigurado e o olhar alucinado. Mas, além disso, o cabelo, até então ruivo, tinha-se tornado branco, quase por completo. Parecia que tinham passado por ela vinte e cinco ou trinta anos...

O aspeto de Molly Pitcher também era pouco melhor. Quanto aos dois guarda-costas de Raines, estavam bastante nervosos e a fumar.

Depois de um breve momento de silêncio bastante tenso, o «sheriff» fez a primeira pergunta em tom compassivo.

— Como vai isso, Julie?

Ela olhou-o como se o não visse. Tremiam-lhe os membros, e balbuciou com voz rouca, fraca:

— Não... Não é um ser de carne e osso, como nós... É um fantasma!

— Parece que assim é, ainda que me custe a acreditar. Tens a certeza de que se trata do mesmo Windy Nelson, aquele que McCoy matou o verão passado?

— Claro que sim! — respondeu Molly, nervosa —. Ou pensa que pode haver dois homens com a mesma figura, a mesma voz e a mesma maneira de falar e de olhar?

— A mim... chamou pelo meu nome... Falou-me como naquela altura... e a seguir... Não o posso aguentar, não, não, não!...

Tiveram de a amparar para dominar a sua crise de nervos. Finalmente, esgotada, conseguiram metê-la na cama. E Molly assegurou que iria tratar dela.

— Mandar-te-ei Connie e Fay — disse-lhe Raines —. Vocês sigam-me.

Lá fora encarou com o «sheriff».

— Já a viu. Que diz agora?

— Sim, não há dúvida... Há que admiti-lo, ainda que não saiba como pode acontecer uma coisa destas. Enfim... creio que não teremos outro remédio senão esperar pelo regresso de McCoy para ver como resolve o assunto.

— Então, não vai fazer nada? Brincou consigo e com o seu ajudante...

— Se é um espectro, como já chegámos à conclusão, qualquer coisa que se intente contra ele será absurda e inútil. E se não o é, não tardaremos em sabê-lo, quando o teu amigo McCoy regressar. Então, conforme o que acontecer, atuarei. Por agora, boas-noites. Vamos, Tyler!

Apenas saíram os dois, começou o desfile de clientes. Finalmente, ficaram só no «Fancy» o dono e os três guarda-costas.

— Esperem. Não vão ainda dormir. Tenho de falar com vocês.

Rodearam-no, interessados.

— Você dirá, Raines.

— Que opinião têm acerca desse Nelson?

— Pois...

— Você viu o mesmo que nós.

— Confesso que é o primeiro fantasma que conheço.

— Escutem-me. Pode ser que seja um fantasma; nesse caso não o poderemos matar. Pode ser que seja um tipo diabolicamente rápido e hábil, mas vivo e de carne e osso. Nesse caso, dar-lhe-ão o que merece e ganharão justa fama e além dos agradecimentos de todas as pessoas. Darei duzentos e cinquenta dólares ao que dispare contra ele e o mate.

— Como o poderemos fazer?

— Já estive a pensar nisso. Se é tipo rápido e arrojado, terá calculado que tem o povo demasiado assustado para que ninguém se atreva a actuar contra ele. Assim que se deixar dormir à «rédea solta» a fim de se encontrar em boas condições para lutar com McCoy, confiando nesse pânico que insuflou em todas as pessoas de Dodge, penso que poderão chegar ao quarto levando uma escada. Colocam-na debaixo da janela do seu quarto. Não poderá imaginar que o vão atacar por aí e tê-la-á deixado aberta, como é costume. Bastará que um de vocês, tu mesmo, Artie, que tens melhor pontaria e mais serenidade, subas, te certifiques de que ele dorme e dispares umas quantas balas. A seguir virão para aqui a correr; veremos depois o que sucede.

— Não é má ideia. E quando o faremos?

— Calculo que entre as três e meia e as quatro será a melhor hora. Estará no primeiro sono e não andará ninguém pela rua.

Assim se preparou a «conspiração» final da possível sobrenaturalidade de Rich Nelson. O próprio Raines facilitou a escada e ficou diante do seu «saloon» olhando como os seus homens se dirigiam para o hotel. Antes de iniciar a subida, Artie Rhodes e outro entraram no hotel e conversaram um pouco com o guarda-noturno.

— Vamos fazer uma visita a esse tipo chamado Nelson, Joe...

— Não! Vocês são loucos? É um...

— É isso justamente o que desejamos comprovar. Fica aí quieto, oiças o que ouvires, entendido? E se te perguntarem alguma coisa, não viste nem sabes de nada.

— Está bem. Mas digo-lhes que se vão sair mal...

— Isso é da nossa conta.

Regressando ao exterior colocaram a escada com todo o cuidado, apoiada à parede do edifício, de forma que a sua parte superior desse, mais ou menos, no parapeito da janela do quarto onde se encontrava Nelson. Rhodes respirou profundamente, sacou o revólver, comprovou as cargas e fez uma careta.

— Desejem-me sorte.

— Para cima!...

Rhodes tinha tirado as esporas. Subiu com o máximo cuidado para não fazer qualquer ruído. Ao chegar acima, escutou durante uns momentos. E, não ouvindo nada, começou a abrir as janelas, milímetro a milímetro...

Uma vez apertado o gatilho e ouvindo o grito alarmante de Dixie, o nervoso assassino não esperou para comprovar o que acontecia dentro do quarto. Em resposta à chamada do seu cúmplice, desceu velozmente a escada e, a meia altura, saltou. A seguir, os três correram com quanta força as suas pernas lhe permitiam à procura do próximo esconderijo.

Lawson, naquela noite não conseguia adormecer. O ocorrido ultrapassava toda a sua experiência de muitos anos de homem encarregado de representar a Lei. Tinha demasiadas coisas inexplicáveis e contraditórias naquele assunto com Windy Nelson. E a seguir o mistério de como pudera adormecê-lo e ao seu ajudante...

De um salto, pôs-se de pé e correu, sem sequer se lembrar de calçar as botas, até à porta da rua. Chegou justamente a tempo de ver uma figura dobrar velozmente a esquina do hotel de Morris.

Pouco a pouco abriram-se janelas aqui e além. Parecia que todas as pessoas tinham os nervos alvoroçados naquela noite...

Foi calçar-se e voltou a sair, colocando o cinto. Já algumas pessoas corriam para o hotel a perguntar o que se passava. Avistou Raines e percebeu que não se encontrava muito assustado. O dono do «Fancy» esperava-o.

— Parece que alguém decidiu fazer algo por sua conta, hem?

Sustendo-lhe o olhar, Lawson respondeu secamente:

— Parece que sim.

Quando chegaram à porta do hotel, já ali se encontravam alguns homens escutando com curiosidade as palavras do próprio Morris, que tinha os olhos quase fora das órbitas e suava copiosamente, apesar do fresco da madrugada.

— Atravessaram-lhe o crânio...

Afastando com rudeza os curiosos, Lawson interrogou o assustado hoteleiro:

— Mataram por fim esse homem, Morris?

— Que, diz? Como o poderiam matar se é um espectro? Dispararam várias balas da janela, sim. Mas matá-lo?... Acabo de o ver com os meus próprios olhos! Um agulheiro de balas na almofada e três no lençol. Duas na jaqueta que trazia vestida quando nos abriu a porta, um à frente e outro nas costas. Estava tão tranquilo! Disse que lhe doía um pouco a cabeça e que talvez fosse da bala que tinha passado por ela. A mesma que atravessou a almofada e o colchão! Procurou-a e tirou-a ele mesmo com a mão! Matá-lo!... Sabe lá o que diz, Lawson! Só lhe digo que não voltarei a subir àquele quarto enquanto lá estiver esse espectro. Que fique com tudo, que pegue fogo ao hotel se quiser; tudo antes de o tornar a ver e de perceber como se ri de mim, sabendo todo o medo que me meteu no corpo...

Lawson escutava em completo silêncio. Olhou de soslaio para Raines, que tinha empalidecido visivelmente. O dono do «saloon» apressou-se a dizer:

— Isso é impossível... se lhe atiraram balas...

— Que lhe atiraram? Pergunta a estes e eles te dirão! A própria rapariga que veio com ele estava morta de susto. Jim Holmes não pôde aguentar mais e escapou-se o mais depressa que pôde. O mesmo fizemos nós. E ainda que me ofereçam mil dólares, não subo para averiguar o que se passa no quarto número cinco...

Lawson voltou a olhar para Raines.

— Pergunto o que irá agora acontecer. Das duas vezes anteriores Nelson enviou para o inferno pela via mais rápida, os homens que pensaram matá-lo...

Raines engoliu em seco e nada disse. Mas daí a momentos abandonou o hotel e regressou ao seu negócio com um gesto muito preocupado. Os seus três guarda-costas já ali se encontravam, ainda ofegantes pela corrida que tinham dado. Rodearam-no e Rhodes perguntou ansiosamente:

— Está morto, não é verdade?

— Não.

— Mas se eu disparei quatro balas! Estou seguro de que lhe acertei.

— Morris assegura que lhe acertaste muito bem. Uma bala na cabeça e outra, pelo menos, atravessando-lhe o peito.

— Então...?

— Abriu-lhes a porta por sua própria mão. Foi ele próprio que tirou a bala que lhe disparaste à cabeça. Disse que esta lhe doía um pouco e que devia ser por isso...

Rhodes tinha o rosto cinzento. Respirou ar com força e retrocedeu um passo.

— Então... — tartamudeou — é, de facto, um espectro?

— Assim parece. E creio que o melhor que podes fazer é pegar no teu cavalo e afastares-te a toda a pressa da cidade.

— E o dinheiro? Fizemos o que queria...

— Vocês não precisam de ir já. Darei cem dólares a Artie...

— Nós também vamos, e agora mesmo. Quanto ao dinheiro, paga-o tal como combinámos. Não temos culpa de que ele seja um ressuscitado...

— Não lhes vou dar...

— Deixa-te disso, Raines. O dinheiro, e pronto.

Artie extraíra o seu revólver e ameaçou-o. Os outros imitaram-no. Passando a língua pelos lábios, Raines grunhiu:

— Oiçam-me, rapazes. Não devem perder a cabeça. Eu pensei que lhe poderiam dar oportunidade e...

— Dar-lhe oportunidade, Winckler? Não percamos mais tempo.

— Esperem! Eu...! Aaaagh!

Tinha tentado desesperadamente sacar o pequeno revólver que ocultava debaixo da jaqueta, quando Winckler extraiu, por seu lado, uma navalha mexicana. Mas não lhe deram tempo para tanto. Winckler cravou-lhe a navalha nas costas, direita ao coração.

Um pouco mais tarde, os três cúmplices, assustados e codiciosos, revolviam o escritório, apoderando-se de todo o dinheiro que encontraram e fugiam pelas traseiras, correndo para onde se encontravam os cavalos, afastando-se de Dodge o mais depressa que podiam, debaixo da pálida luz do amanhecer.

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