segunda-feira, 5 de setembro de 2022

CLF036.09 Castigar o sanguinolento assassino

Anthony levantou-se cedo, tão alegre como ao deitar-se, apesar de pouco ter dormido, e após arranjar-se com grande esmero, dirigiu-se ao hotel onde tinha deixado a sua linda desconhecida. Estava aborrecido por desconhecer o nome da rapariga, e compreendeu-o ao entrar no estabelecimento e ver que não estava o empregado que o tinha atendido na noite anterior.

— Bons dias — cumprimentou-o cordialmente um jovem alto e magro. — Deseja um quarto? São bastante confortáveis e económicos.

— Não, muito obrigado.

Hesitou um momento, mas acabou por se decidir.

— Ontem à noite acompanhei aqui uma jovem que tinha sofrido um percalço e não tinha bagagem. Certamente sabe de quem lhe falo.

— Certamente, senhor. Partiu há coisa de uma hora, deixando este bilhete para si. Tony ficou petrificado, olhando estupidamente o papel que o outro lhe entregava.

— Partiu, diz?

— Sim, senhor.

O jovem tomou finalmente o envelope que lhe entregavam e abriu-o de forma mais que mecânica, pois estava tão surpreendido que a sua mente era incapaz de raciocinar. O bilhete não continha mais que umas quantas palavras que nada aclaravam:

«Tenho de partir. Se algum dia nos reunir a sorte, peço a Deus para estar em condições de o compensar, pelo menos numa pequena parte, de tudo o que fez por mim. Muito obrigada.»

Não havia assinatura nem nada mais.

— Obrigado — murmurou Tony.

E, dando meia-volta, saiu do hotel. Sentia um vazio estranho no seu interior e caminhou, sem ter a mais ligeira noção porque o fazia, nem para onde ia, até que se deteve perante a porta da cavalariça onde tinha os seus cavalos.

— Ah, não! -- protestou entre dentes, furioso. — Não se vai rir de mim com tanta facilidade.

Sem tempo para refletir, acometido por uma cólera pouco razoável, entrou na cavalariça dois minutos depois abandonava a povoação, tomando o caminho para Las Vegas a todo o galope, montando «Giddy» e levando o outro cavalo pelas rédeas.

Tinha percorrido talvez vinte milhas a um passo endiabrado, quando a voz da razão começou a abrir caminho no seu cérebro, totalmente ofuscado até então.

— No fim de contas — reconheceu de má vontade, — ela não tinha nenhuma obrigação de me contar as suas coisas. É verdade que lhe prestei um grande favor, mas procurei fazer-lhe compreender que este tinha sido puramente casual, e até é fácil que lhe tenha dado a impressão de que não passava de um estorvo para mim. É possível que tenha partido assim, para não se tornar uma carga para mim. Sem o notar, encurtou o passo da sua montada, enquanto seguia refletindo. — Em qualquer caso, não tenho nenhum direito a intrometer-me na sua vida pelo único facto de lhe ter prestado um favor. De resto, estou perdendo um tempo que não me pertence.

Deteve «Giddy» e então notou, que embora fosse cedo, o sol apertava bastante. Por outro lado, o poderoso baio acusava os efeitos do esforço realizado.

— Está bem, rapaz — resmungou, dando-lhe uma palmada no pescoço. — Descansaremos um pouco, antes de regressar.

Junto do caminho elevava-se um montículo coberto de pinheiros e Mills internou-se entre as árvores procurando um pouco de sombra e erva, subindo até ao cume onde se sentia uma brisa muito agradável.

Soltou os cavalos, que desceram um pouco pela outra ladeira, menos arborizada, mas onde crescia abundante erva, e depois de enrolar UM cigarro, acendeu-o e sentou-se à sombra, com costas apoiadas contra o grosso tronco de u pinheiro.

Estava-se bem ali, mas Tony não se encontrava de humor para o apreciar. Abatido, fumava em silêncio, rompendo agulhas secas de pinheiro de modo distraído, olhando sem ver o caminho que se estendia aos seus pés.

Acabava de acender o terceiro cigarro quando lhe chamou a atenção algo que se movia na estrada. Eram dois cavaleiros que se aproximavam que pareciam vir de Las Vegas.

Ainda distraído, o jovem julgou encontrar qualquer coisa de familiar naqueles viajantes, e despertada a sua atenção, fixou-se melhor, deixando-se cair de bruços enquanto o seu coração batia fortemente.

Não havia dúvida de que um deles era uma mulher. Vestia uma blusa de cor creme, casaco de pele com franjas e saia castanha para montar.

Mas sem necessidade de tantos detalhes, Mills teria reconhecido igualmente nela a mulher que era a sua obcecação desde a noite anterior. Porque regressava?

Quem a acompanhava Anthony não se deteve a refletir sobre aquelas incógnitas e deixando-se rodar pela ladeira coberta por grosso tapete de agulhas de pinheiro, refugiou-se entre as árvores e, uma vez bem a coberto, correu para a base do pequeno monte, ocultando-se entre os arbustos, esperando que aparecessem os cavaleiros. O caminho fazia ali uma curva para rodear a pequena colina e Tony esperou mais tempo que o necessário para os viajantes aparecerem. Não lhe tinha ocorrido a possibilidade de que também estes se internassem entre as árvores que cresciam abundantemente no sopé da pequena elevação e pelas suas ladeiras, sentindo-se surpreendido ao compreender que assim tinha sido.

Tão silenciosa como rapidamente, voltou sobre os seus passos e deslizando como um índio, com o ouvido atento, não tardou em captar o ruído surdo de cascos ferrados ao galopar contra o solo e quase no mesmo instante chegou-lhe o característico ranger do couro. Segundo parecia, deviam estar desaparelhando os animais, dispondo-se a acampar.

Alerta e vigilante como estava, não deixou de estranhar o facto de que os viajantes escolhessem a base da colina para fazer alto, na parte mais espessa e não no cume, onde havia mais espaço livre e soprava uma brisa bastante agradável.

Teriam qualquer coisa a ocultar?

Comprovou que os revólveres estavam prontos a entrar em ação em qualquer momento, depois de os ter destravado e, continuou o seu avanço, cada vez mais cauteloso.

Devia estar já muito perto porque ouvia alguém mexer nos utensílios de cozinha, e subitamente imobilizou-se com os músculos tensos, sacudido por um estremecimento convulsivo.

— Aqui tens, pombinha. Prepara o almoço, que tenho fome.

A voz era inconfundível e, após respirar profundamente, Tony continuou a avançar sem fazer o menor ruído, até se assomar a uma pequena clareira onde tinham acampado os cavaleiros que tinha visto chegar. A linda desconhecida e Bloody!

Mills empunhou lentamente o revólver, mas permaneceu agachado e sem dar sinais de vida. Roía-lhe o coração a dúvida cruel de que ela o tivesse enganado e não fosse, no fim de contas, mais que a concubina do sujo bandido. Por tal motivo, ainda consumido pela impaciência, aguardou para se convencer pelos seus próprios olho quais eram as relações entre aquele par.

Bloody tinha-se instalado, depois de prender as patas dos cavalos, que mordiscavam os talos verdes da erva, e, acendendo um cigarro, olhava avidamente a rapariga que acabava de acender uma pequena fogueira e cortava toucinho para fritar.

— Maldito seja se percebo a razão por que esse cão do Mills te abandonou. Ele não é desses — grunhiu subitamente, enrugando a testa.

Ela não respondeu, ocupada em colocar sobre o fogo a vasilha do café.

— Disse-te que mil diabos estava fazendo por aqui?

Tão-pouco desta vez obteve resposta, e isso enfureceu-o, pois levantou-se de um salto, com aspeto ameaçador e gesto torvo. Escuta, boneca, responde-me quando te pergunte qualquer coisa, ou terei de te ensinar quem é o amo.

— Porque não me deixa em paz? — perguntou ela cansadamente, sem sequer se voltar.

— A menina é demasiado fina para tratar comigo, é? Eu te ensinarei!

Avançou raivoso e Nelly ergueu-se vivamente, levantando agressivamente a caçarola onde fritava o toucinho.

— Cuidado, porco! — avisou, enfrentando o bandido sem receio. — Um passo mais e engole o almoço com caçarola e tudo.

— Maldita gata! — grunhiu Bloody.

— Não seja idiota — disse então a rapariga. — Esqueceu as suas próprias palavras? O cliente não quer a mercadoria estragada...

— É verdade — sorriu desagradavelmente o «gun-man». — Ficarias demasiado cara para mim, beleza.

Começou a voltar-se como se pensasse regressar ao lugar anterior, mas subitamente saltou sobre a rapariga com uma agilidade insuspeitada naquele forte corpanzil.

Surpreendida pelo rápido movimento, embora não de todo, Nelly falhou o golpe com a caçarola, ao saltar de lado para se esquivar àquela besta.

— Quieto, Bloody! — troou então uma voz autoritária que imobilizou o bandido e paralisou o coração da cativa.

E Tony apareceu na clareira, o amplo chapéu leitado para trás e empunhando um enorme e azulado revólver em cada mão. Mais atraente e arrogante do que nunca, pensou Nelly.

— Já estamos todos juntos — sorriu duramente.

Não teve resposta.

— Vamos, cão, desaperta o cinturão e entrega-o à rapariga.

O bandido estava completamente atemorizado e apressou-se a cumprir o que lhe ordenavam.

— Sabe usar o revólver? -- perguntou Mills à rapariga.

— Sim — assentiu ela. — Pois tome-o e vigie este sujeito para o caso de tentar alguma jogada suja. Se for necessário, dispare a matar e sem vacilar.

— Mas... que vai fazer?

— Este sujo coiote matou o meu Irmão sem razão nem motivo algum. Unicamente para se divertir. E agora, vai pagá-lo.

Guardou os dois revólveres nos coldres e avançou para o «gun-man».

— Deveria atar-te a uma árvore e arrancar-te o último alento a chicotadas — disse com voz rouca, cheia de incontida paixão. — Mas nem sequer isso me satisfaria. Necessito que lutes e que te defendas, necessito que vás compreendendo pouco a pouco que não podes fazer nada para evitar o teu fim; necessito quebrantar-te até que não sejas mais que uma ruína que nem sequer se possa suster de pé e então, depois, pendurar-te bem alto para pasto dos abutres.

Respirou fundo e acrescentou duramente:

— Vamos, defende-te!

Bloody tinha compreendido perfeitamente que não era brincadeira aquele discurso e investiu com a esperança de esmagar o inimigo e, nesse caso, poder livrar-se também da rapariga.

Naqueles instantes não havia lascívia nem cobiça nele, mas unicamente o desejo de se escapar, salvando a pele. Era uma fera encurralada!

Mas se a força bruta estava da parte do «gun-man», Mills era um mocetão atlético, ágil como um jaguar e esquivando a investida bateu-lhe fortemente com as duas mãos, afastando o homenzarrão.

Recobrado o equilíbrio e com um rugido de raiva, Bloody lançou-se novamente, para ser enganado uma vez mais por uma hábil finta de Tony evitando o punho que procurava o seu queixo, e contra-atacando deteve o seu inimigo com um feroz direto na região do diafragma, para, imediatamente, chocar a esquerda contra a mandíbula do seu antagonista, que caiu sentado, com a boca torcida num gesto de raiva e de dor.

— Levanta-te, canalha, vem por mais! — gritou-lhe Anthony, afastando-se para que ele se pudesse erguer livremente.

— Eu mato-te! — rugiu Bloody, pondo-se de pé de um salto e voltando à carga.

O jovem rechaçou-o uma vez mais, alcançando-o em plena cara com um impacto direto, e aproveitando o seu aturdimento, bateu-lhe duas vezes sob o plexo solar, vendo como o pistoleiro se curvava, com os olhos abertos pela angústia.

Rápido, lançou-se ao ataque e o seu punho direito, como se fosse carregado de dinamite, chocou sem oposição contra o queixo do bandido atirando-o pesadamente de costas contra o solo.

O homem levantou-se novamente, mas sem a agilidade das vezes anteriores, ofegante, tropeçando, evidentemente quebrantado e um grito de aviso de Nelly partiu, ao ver que na sua mão direita aparecia uma comprida faca de brilhante folha.

Paralisada pelo espanto, conseguiu apontar com as duas mãos o enorme revólver, mas não chegou a disparar.

Tony calculou friamente a distância apenas em décimos de segundo e saltou com a agilidade de um felino, as pernas para diante e, com uma tesoura alcançou o pulso do «gun-man», arrebatando-lhe a faca dos dedos entumecidos pela violência do golpe.

O «cow-boy» chocou contra o solo e pareceu fazer ricochete como uma bola colocando-se de pé diante do seu inimigo, que tinha deixado perder uns instantes decisivos.

Os dois homens acometeram-se raivosamente, transbordando o ódio que tinham chegado a acumular.

A selvagem luta horrorizava, ao mesmo tempo que empolgava a angustiada Nelly, que, com os olhos brilhantes, sustendo a pistola numa mão e procurando conter com a outra a agitada palpitação do seu peito, a respiração ofegante, como se também ela realizasse um penoso esforço, seguia todos os incidentes da luta.

E quando o bandido caiu uma vez mais, exausto e ensanguentado, totalmente incapaz de se levantar, os olhos da rapariga pareciam janelas abertas onde se refletia toda a admiração que provocava nela a serenidade, valor e fortaleza de Anthony.

Mas Tony não reparou nisso, porque naquele momento tinha esquecido completamente a presença da rapariga.

— Maldito porco cobarde! — sussurrou com ódio incontido. — Agora vais pagar o teu crime. ~

Com o semblante contraído procurou com o olhar o lugar onde o seu prisioneiro tinha deixado as coisas depois de desembaraçar os cavalos dos seus arreios e com rápidas passadas foi até ali e agarrou no laço do assassino do seu irmão. Que significava aquilo? Ia enforcá-lo com a sua própria corda! A rapariga tinha estado a olhá-lo e, subitamente, compreendendo o que ele se propunha fazer, correu ao seu encontro, intercetando-o.

— Não pode fazer isso! — protestou, erguendo para ele o seu precioso rosto, agora muito pálido.

Tony deteve-se surpreendido, olhando-a interrogativo.

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