terça-feira, 27 de setembro de 2022

CLF050.09 Usurário e culpado


Quando chegaram ao local onde os bandidos tinham tentado linchar Lodge, este, que desmaiara quando se iniciara o tiroteio, voltava a si. Cuidavam dele Grass e outros agricultores, os quais o tinham desembaraçado da corda que lhe apertava o pescoço. Esta ao ser puxada pelos homens de Kraft tinha deixado um profundo vinco encarnado no pescoço do negociante desonesto Parker voltou-se para ele: 

— Vamos, Lodge. Pode dizer-se que hoje você nasceu de novo. De boa o livrámos! 

— De boa me livraram? Vocês é que lançaram aqueles homens contra mim!... 

— Nada disso, Se eles eram seus amigos... 

— Já lhe disse que não eram amigos meus. Que nada tinha a ver com eles. 

O homem olhou em volta, tentando descobrir Kraft entre os que estavam caídos por terra. Parker compreendeu a intenção de Lodge e disse-lhe: 

— Não procure Kraft por aí. Conseguiu fugir com Sanders. Contraria-o, não é verdade? 

— Depois do que pretenderam fazer comigo, não me parece caso de lhes desejar uma longa vida. 

— Compreendo perfeitamente e bastante me custou ter de permitir que eles se escapassem. 

— Tenho a certeza de que fugiu gritando como uma mulher quando viu que as coisas corriam mal para ele. 

— Deixemos isso e vamos a sua casa, Lodge. Informaram-me de que você procurava fugir de San Martin para evitar de pagar as suas dívidas. 

— Quem lhe disse que eu procurava escapar-me? Sou capaz de arrancar a língua a quem disse uma mentira dessas. 

— Não se ponha assim, porque há mais de uma pessoa que tem vontade de lhe partir os ossos e existem sobrados motivos para isso. Você é um patife, Lodge, e se evitei que o linchassem é porque não queria que os outros se saíssem com a deles... Está disposto a pagar? 

— É impossível. Não tenho dinheiro para todos. 

— Você tem dinheiro de sobra. Não voltemos a começar o jogo de ontem à noite, porque lhe arrancaremos a pele às tiras, se tanto for necessário. Mas você há-de pagar... 

Entraram todos em casa de Lodge. 

— E Rogers? Por onde é que ele anda? 

— Esse velhaco também me vendeu. Desapareceu ontem à noite de casa e, quando lhe quis deitar a mão... Gente mal-agradecida. 

— Você está a colher aquilo que semeou, Sailor Lodge... 

Tinham chegado ao gabinete do negociante. Hoocke apontou para uma volumosa maleta de cabedal. 

— Fugia com isso e, quando nos viu chegar, tratou de o esconder aqui. 

— Quer dizer que se trata de dinheiro... 

Lodge empalidecera, embora o seu rosto mostrasse uma expressão de resignação. E repetiu mais uma vez: 

— Não há que chegue para todos. E se ficam com ele todo, isso significa a minha ruína. 

— Pensou alguma vez que arruinava vários homens que vivem do seu trabalho e têm família a sustentar? 

Lodge teve de baixar a cabeça. Parker ordenou-lhe:

 — Principie a fazer os pagamentos. 

— Já lhe disse que não chegará para todos. Terei de descontar aí uns vinte e cinco por cento a cada um, que pagarei mais tarde. 

— Não insista mais no assunto. É inútil. Você vai pagar até ao último dólar. Pode começar já. Se não chegar o dinheiro, venda a sua casa, faça o que entender, peça, inclusivamente, a McCarthy. Mas isto vai ficar solucionado imediatamente. 

Lodge teve que se resignar e, puxando do caderno onde tinha a lista de credores, foi pagando a um e um. Quando terminou ficaram sobre a mesa algumas centenas de dólares.

— Vê como havia bastante? -- comentou Parker, ironicamente. — E ainda sobra... 

Um dos agricultores propôs: 

— Ele devia pagar-lhe o seu cavalo. No fim de contas, ficou sem ele para lhe salvar a pele. 

— De tipos como Lodge não quero nada — replicou o jovem. — Bem... sempre quero alguma coisa. 

Lodge, que já estava tranquilo, mostrou-se alarmado. 

— Que sucede agora? Não foi bastante o que paguei? Não paguei a todos? Pretendem tirar-me o sangue? 

— Podes guardar o teu asqueroso sangue, Lodge. Interessa-me saber uma coisa que tu vais dizer-me. 

— Não tenho nada a dizer... 

— Não fales precipitadamente porque te arrependerás. 

Alguns dos agricultores dispunham-se a ir embora, mas detiveram-se ao compreenderem que se tratava de qualquer coisa importante. 

— Que pretende, Parker? — perguntou Lodge com voz trémula. — Pretendo que me digas os motivos que tinham esses tipos para tentarem linchar-te. 

— A eles é que lhes deve fazer a pergunta. Acusaram-me de que queria fugir sem lhes pagar e eles apegaram-se a essa ideia para procurarem acabar comigo. 

— Não sejas estúpido, Lodge. Estás a procurar encobrir alguém, depois de te ter tentado matar. Porquê? 

— Eu não pretendo... 

— Esses tipos queriam evitar que falasses... Porquê, Lodge? 

— Não sei do que está a falar. Já paguei e acho que é altura de me deixarem em paz. 

— Pagaste aos teus credores comerciais, digamos assim. Mas a mim não me pagaste e estás em divida para comigo. Recorda-te do assassinato do meu pai. 

— Já disse muitas que nada tenha a ver com esse assunto. 

— E eu acredito-te. Mas alguém tem que ver e tu sabes de quem se trata. 

— Não sei nada. 

— Não te empenhes em encobrir um tipo que te vendeu. É preferível que fales... 

— Já disse que não sei nada. Não sei nada... 

— Vou ajudar-te e assim evitaremos que tenha de furar-te as tripas. Ontem à noite, depois de me ler ido embora, tu foste encontrar-te com alguém... 

— Não é verdade. 

Parker estendeu o braço esquerdo e agarrou Lodge pelo pescoço. 

— Não me obrigues a tratar-te mal. Deitaste em cara a esse alguém que te tinha atraiçoado e que, por sua culpa, te havias visto acusado do assassinato de meu pai, da tentativa contra Pat Wind e contra Hoocke... 

— Não fui eu. 

— É precisamente o que te estou a dizer. Foi outro que o fez porque, assim, se manteria o terror em San Martin e as pessoas não se atreveriam a revoltar-se. De tal estado de terror tiravas proveito tu e essa tal pessoa. Mas, com a sua forma de agir, fez recair as culpas sobre ti no caso de se descobrir. 

Lodge olhou para Parker com uma expressão que refletia medo e admiração, ao mesmo tempo. O jovem prosseguiu: 

— Vá. Diz lá quem é esse tipo. Di-lo diante de todos. 

Lodge negou com a cabeça obstinadamente, enquanto dizia: 

— Não sei nada... Não sei nada... 

-- Tanto medo lhe tens, estúpido? Preferes que te esmague? De uma forma ou de outra, ele não tem solução. Mas quero que sejas tu, seu cúmplice, que o aponte. Falas? 

Ante a obstinação de que Lodge dava mostra Parker sacudiu-o vigorosamente, fazendo recear a malvado comerciante pela integridade da sua espinha vertebral. 

— Falarás de uma vez, maldito imundo? 

— Está bem. Falarei. Mas será a minha ruína total e tu, terás a culpa... 

— Vamos, fala. 

— Sim. É esse maldito usurário do McCarthy. Ele não quis confessar ontem à noite, mas empalideceu e ameaçou-me quando eu o acusei. Foi por isso que enviou toda essa gente para me fazerem calar para sempre. 

— E apesar de tudo isso, nada querias contar? 

— Não compreendes que ele tem todo o meu dinheiro? Ele guarda o meu dinheiro e como sabe que não o posso perseguir legalmente, abusa de mim. Foi ele quem me meteu em todos estes sujos assuntos. Eu principiei a trabalhar decentemente. Eles que o digam. 

Apontou para os agricultores, dando-os como testemunhas das suas palavras. Um deles afirmou: 

— É verdade. Ao princípio portava-se bem. Pagava por preço baixo, mas não nos fazia velha-carias. 

Mais alguns agricultores confirmaram a afirmação e Lodge prosseguiu: 

— Foi ele que me sugeriu que não pagasse aos agricultores ou atrasasse os pagamentos e que lhes tirasse tudo o que pudesse. Assim, punha-os nas suas mãos e, com o tempo, passariam a trabalhar por nossa conta, uma vez que nós nos apoderaríamos de todas as suas propriedades... 

— Que patife! Não sei como o não esmago com os pés... 

Ante a ameaçadora atitude de Parker, Lodge gritou: 

— A ideia foi dele. 

— Mas tu escudaste-o, facínora. 

Virando-se para os agricultores, Parker propôs: 

— Vamos à procura desse bandido? 

— Vamos a ele. Temos de fazer uma limpeza geral quanto antes — exclamou Hamilton. 

Grass perguntou, apontando para Lodge: 

— E que fazemos com este? 

— Será melhor para ele que se una a nós. 

— Eu não quero saber nada de tudo isso. Já paguei, estou quite com todos e quero ir-me embora. 

— Virás connosco. Monta a cavalo e cala-te, se não queres apanhar uma sova. 

Parker abriu a marcha, seguindo-se os restantes. Grass encarregou-se de Lodge, dizendo: 

— Vamos, amigo. E pensa que, ao menor sinal de traição, te esmago como a uma barata. 

O homenzarrão brandiu o seu enorme punho direito sobre a cabeça de Lodge que, instintivamente, se agachou. 

— Bem — disse Grass, satisfeito. — Parece que me compreendeste. 


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