domingo, 25 de setembro de 2022

CLF050.07 Paga o que deves, bandido!


Sailor Lodge possuía uma das raras casas a que se podia dar esse nome em San Martin. Abriu a porta da casa um homem, que tinha mais aspeto de truão do que de criado e a quem Parker ordenou: 

— Diz a Sailor Lodge que estão aqui Parker, Grass e Hamilton... 

— Não sei se os poderá receber... 

— Com certeza que nos pode receber. Transmite-lhe o que eu, Cecil Parker, te mando dizer. Compreendes? 

Pela expressão do servo, percebeu o jovem que o seu nome já chegara à casa do negociante. O homenzinho de cara de bobo hesitou, não sabendo se devia ou não mandar entrar os visitantes. Mas, ao olhar para Parker mais uma vez, convenceu-se de que era mais prudente a primeira alternativa e disse: 

— Entrem. Tenham a bondade de aguardar um instante. 

Logo que o criado se afastou, Hamilton comentou em tom irónico: 

— Que diabo! Nunca este patife do Rogers se portou tão delicadamente como desta vez! Até parece outro!... 

Não permaneceram muito tempo sozinhos. Mal tinham decorrido dois minutos, quando Rogers voltou para lhes dizer: 

— Façam o favor de entrar. 

Lodge, um homem que andava pelos quarenta anos, de boa estatura, magro e de rosto sério, aguardava-os de pé, no seu escritório. Tentava mostrar-se sereno, mas percebia-se que estava dominado pela inquietação. Correspondeu de forma breve à saudação dos visitantes e disse a seguir, dirigindo-se especialmente aos dois agricultores: 

— Os senhores dirão o que pretendem. 

Hamilton manifestou-se de uma forma brusca: 

— Viemos aqui para receber o que o senhor nos deve. 

— Não disponho de numerário. Sabem muito bem que vendi em más condições os produtos da última colheita. Há muita concorrência nos mercados... 

— Não nos interessa os seus negócios, Lodge. Você é que os faz e, quando ganha muito, não nos vem pagar mais por isso. Se perdeu, é de sua conta. Pague o que nos deve. 

— Lamento, mas não posso. E, além disso, não tenho tempo a perder. 

Hamilton, com as costas quentes pela presença dos seus companheiros, voltou à carga: 

— Nós é que não podemos perder tempo. Pague. 

— Já disse que não tenho dinheiro. 

— Você negoceia com os nossos produtos e, entre outras coisas, possui uma bela casa. Nós vivemos em péssimas cabanas. Venda, se for necessário, mas pague o que nos deve. 

— Já disse que... 

— Escute, Lodge. Terminou a comédia. Não sairei daqui sem receber. Necessito de dinheiro e, como mo deve, vou recebê-lo. 

Lodge pareceu meditar por instantes e disse por fim: 

— Posso arranjar uma quarta parte... 

— Não, tem de pagar o débito na totalidade. 

— Não tenho dinheiro, já disse. Terei de gritar isso aos quatro ventos? 

— Não são necessários gritos, Lodge. Não julgue que me vai obrigar a cair nas garras desse maldito usurário que é MacCarthy. Caia você nas mãos dele, mas pague o que nos deve. 

O negociante moveu a cabeça em sinal de recusa. Antes de poder falar, Grass adiantou-se: 

— Eu também estou aqui com as mesmas ideias e não me vou embora sem receber. Tanto me faz que diga que não tem dinheiro. Eu quero receber. 

— Se quiser, receberá a quarta parte, do mesmo modo que Hamilton — replicou Lodge. 

— Tenho de receber na totalidade. 

— Já disse que não me é possível. 

— Trate de arranjar-se como puder. 

— Não posso, nem quero. 

Antes que alguém o pudesse evitar, Grass adiantou a mão esquerda, pegou em Lodge pela gola do casaco e levantou o punho direito, ameaçando descarregá-lo na cabeça do negociante. 

— Ou paga, ou esmago-o como a uma batata. E não falemos mais no caso. 

Perante a decidida atitude de Grass, Parker voltou-se ligeiramente, mantendo-se vigilante em relação à porta. Ao perceber que alguém se movia entre as sombras, na outra dependência, deitou a mão ao «Colt» e ordenou: 

— Entre já quem está aí. 

Viu que alguém se movia com ideia de se raspar e adiantou-se até quase alcançar o vulto: 

— Quieto! — tornou a ordenar. 

Tratava-se de Rogers, que se encaminhava para a porta da rua. 

— Foi o teu amo que te disse para espiares? 

— Isso não interessa. 

— Cuidado com as palavras, para não ter de demonstrar-te o contrário. Entra imediatamente para aqui. 

O criado obedeceu e entrou á frente de Parker para o gabinete de Lodge. O negociante empalidecera perante a ameaça de Grass. Percebeu que os dois agricultores, apoiados por Parker, estavam dispostos a tudo. Mesmo assim tentou nova manobra, fingindo aceder: 

— Está bem. Receberão agora cada um a quarta parte e amanhã podem vir receber o resto. Mas não digam uma palavra disto a ninguém. E, como condição, terão de se comprometer a vender-me a mim no futuro. 

Hamilton atalhou rapidamente: 

— Vai pagar tudo imediatamente. E venderemos a quem nos interessar mais. E se dizemos o que se passou ou não, é assunto que só a nós diz respeito. Compreendido? 

— Isto é uma espécie de assalto à mão armada... 

Antes de nenhum dos agricultores poder replicar, Parker interveio: 

— Até agora nunca ninguém ousou chamar-me assaltante nesse tom e não lhe vou tolerar essas palavras. Retire imediatamente o que disse. 

— De acordo. Retiro o que disse. Mas posso saber qual é o seu papel neste assunto? 

— Pague o que deve e sabê-lo-á logo a seguir. Mas pague até ao último centavo e sem discutir mais tempo. 

Lodge passou para o outro lado da mesa, abriu uma gaveta, puxou de um caderno e, depois de consultar, voltou a fechar a gaveta. Passou então a uma pequena saleta anexa, voltando a seguir com dinheiro que pôs nas mãos dos agricultores, dando a cada um o que lhe correspondia. Aguardou que eles contassem o dinheiro e fez-lhes depois passar o respetivo recibo. 

— Está tudo bem? — perguntou no final. 

— Tudo bem — concordou Grass. 

— Deste caso não se fala mais — disse Hamilton, por seu turno. 

— E o senhor, que é que pretende? — inquiriu Lodge, apontando para Parker. 

— Determinados bandidos que, pelos vistos, se honram em ser amigos seus, ameaçaram Hoocke, obrigando-o a devolver o dinheiro que recebera como sinal para a venda da sua colheita. 

Lodge empalideceu ligeiramente, tentou dissimular a inquietação e disse em tom que pretendeu mostrar cortante: 

— Nada tenho a ver com isso, nem conto com amigos entre os bandidos. 

— Dá-se o caso de que estes bandidos maltrataram Hoocke disseram-lhe que era a si que teria de vender os produtos da sua colheita. Em caso contrário, matá-lo-iam, tal foi a ameaça. Que me diz agora a isto? 

— Asseguro-lhe que nada tenho a ver com o assunto. 

— Quer dizer que trabalham por conta própria? Porque não é a primeira vez que você ameaça os agricultores para os obrigar a venderem a si e para não lhes pagar depois. 

— Mas o que é que você tem com tudo isso? Se alguém tem alguma coisa contra mim, que o diga diretamente. Mas a você não o tolero e, portanto, ponha-se imediatamente a andar de minha casa. 

— Espere. Ainda não terminei e tenho muito para dizer. Meu pai foi assassinado por três tipos do bando de Kraft, que é seu protegido. E mataram-no para que não lhe pudesse fazer concorrência a você, Sailor Lodge. 

— Isso não corresponde à verdade. Eu não fiz assassinar ninguém. Molestava-me a concorrência de seu pai, é certo, mas não cheguei a esse ponto. 

— Se não foi você, então, quem o mandou assassinar? 

O rosto de Lodge mostrou verdadeira preocupação. Passeou durante alguns instantes de um lado para o outro da sala e deteve-se para dizer: 

— Ainda que não acredite, asseguro-lhe que nada tenho a ver com a morte de seu pai. 

— Também há pouco assegurava que não possuía dinheiro e acabou por pagar a dívida a estes dois homens. 

— Isso é diferente. 

— Quem mente uma vez, mente um cento, sempre que o considere útil ou necessário para atingir os seus fins. E você já demonstrou cabalmente que é um mentiroso e um farsante. 

— Basta. Não tem o direito de me insultar. Não pode provar que tomei parte no assassinato do seu pai. 

— Se pudesse ter a certeza disso, garanto que já lhe teria feito voar a cabeça com dois tiros... 

Ambos se haviam excitado com a conversa, mas a vigorosa personalidade de Cecil cedo se impôs, dando a impressão de que podia em qualquer momento triturar o negociante. Depois de uma breve pausa, Lodge falou em tom quase normal: 

— Apesar de tudo o que possa julgar, ou saiba de mim, asseguro-lhe que nada tive a ver com esse assunto. E também não partiram de mim as ameaças a Hoocke. 

— Se estivesse no meu lugar acreditava nisso? A quem beneficia essa história mais do que a você, quer dizer-me? 

— Seja como for, o que lhe disse é verdade — replicou Lodge, sem querer acusar nem comprometer-se. 

— Com as suas sujas manobras contra os agricultores, extorquindo-lhes o dinheiro e roubando-os, chegou a tal situação que, mesmo que fale verdade, ninguém o acreditará. 

Voltava a existir uma situação perigosa entre os dois homens, dando por instantes a impressão de que Lodge estava disposto a saltar sobre o jovem, que se mantinha tranquilo e senhor da situação. 

Lodge foi cedendo na sua agressividade. Os dois agricultores presenciavam a cena em silêncio, um pouco impressionados pela dureza com que Parker se conduzia. O jovem prosseguiu, implacável: 

— Há pouco mais de uma hora, talvez nem chegue a duas, tentaram assassinar a tiro outro dos seus competidores. Refiro-me a Pat Wind. 

Na cara de Lodge refletiu-se o mais vivo assombro, um assombro que não podia ser fingido. 

— Nada tenho a ver com isso, nem nada sei. 

— Pois se nada tem a ver, têm os seus amigos. Nega que é amigo de John Kraft? Negue-o, se for capaz. 

— Nego, nego. Nada tenho a ver com ele. 

— Ele e o seu bando ameaçaram mais de uma vez os agricultores por encargo seu, quando tentavam cobrar o que você lhes deve. Isto é um assunto que toda a gente conhece em San Martin... 

— As pessoas falam demasiado. 

— Demasiadas são as coincidências, todas contra si, não é assim? — inquiriu Parker em tom irónico. --- A morte de meu pai, a ameaça a Hoocke, a tentativa de assassinato de Pat Wind... Depois, foi você que, diante de mim, se recusou a pagar as dividas com o pretexto de não ter dinheiro... 

— Eu defendo o meu dinheiro. Mas não faço matar ninguém. 

— Escute, Lodge. Hoje já caíram cinco homens do bando de Kraft. Fui eu que terminei com eles. Estou na disposição de acabar com todo o bando, se se tornar necessário; mas hei-de descobrir quem ordenou o assassinato de meu pai. E quem quer que tenha sido, que se prepare... 

— Eu não fui. 

— Isso é o que havemos de ver muito em breve. Mas, entretanto, vá-se preparando para pagar todos os seus débitos aos agricultores. Depois, se quiser pode continuar com o seu negócio limpamente, isso é consigo, se houver quem lhe queira vender. 

— Você não tem nada que se meter nos meus assuntos. 

— Você abusou das suas influências e, com a sua falta de escrúpulos, conseguiu levar quase à ruína uma quantidade de homens honrados. Eu disse que isto acabou... e acabou mesmo. Saia mais uma vez do caminho honesto e não terá tempo então para se arrepender. Asseguro-lhe. 

— Já terminou? 

— Por enquanto, sim. Fica avisado, Lodge. 

— Peço-lhe para sair de minha casa. 

— Não julgue que vim instalar-me nela. Isto cheira a um covil de bandidos. De tal forma que até fede. Vamos, amigos? 

Parker dirigira-se aos dois agricultores, que concordaram com ele. Pouco depois, os três homens achavam-se na rua. Hamilton estendeu a mão a Parker, que a apertou com efusão ao mesmo tempo que dizia: 

— Portaram-se muito bem, amigos. Como viram, não há nada como ter razão. Com a razão pelo nosso lado, pode ir-se muito longe. 

Grass apertou também a mão de Parker. 

— Com certeza. Especialmente se, com a razão, possuímos a força e você é uma força de primeira ordem, amigo. Muito obrigado pela sua ajuda, que foi decisiva — concluiu Grass. 

— Eu tinha de tratar do meu caso e vocês também me ajudaram. A vossa colaboração tornou-se muito útil. 

Hamilton estava entusiasmado: 

— Mas é que você esteve magnífico. Com este dinheiro que recebi, graças ao seu auxílio, posso muito bem manter-me até à próxima colheita e ainda me sobrará. E não terei de entregar-me nas unhas desse maldito usurário McCarthy... 

— Depois do que observei, estou a pensar que esse McCarthy pode muito bem ser a mola real de tudo isto — disse Parker. 

— McCarthy é um autêntico bandido e um hipócrita. Mas Sailor Lodge é mentiroso e velhaco como ninguém — objetou Hamilton. 

— Estaremos perto deles para averiguar quem é cada um e para apanharem o respetivo castigo. Não gostava de ser injusto e fazer com que um pague pelo outro. Vão para casa? 

— Sim. Iremos ainda ver Hoocke. O homem deve estar aflito. 

— Acompanhá-los-ei, se não acham inconveniente. Já sabem, a união faz a força... 

— Conviria que você ficasse em casa de um de nós. Não deve regressar sozinho — propôs Grass. 

— Eu tenho outra opinião. É possível que eles nos estejam a espiar e será bom que julguem que eu ficarei por aí. Eu regressarei sem ser notado. Sei bem como essas coisas se fazem. 

-- Como quiser. 

— E os restantes agricultores a quem Lodge deve dinheiro têm de saber quanto antes que ele lhes pagou. 

— Sabê-lo-ão antes que amanheça. Os três homens montaram a cavalo e iniciaram a marcha para a granja de Hoocke. 


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