segunda-feira, 26 de setembro de 2022

CLF050.08 Duelo na cidade e cavalo a servir de escudo


Cecil acompanhou os dois agricultores a casa de Hoocke, que foi informado da forma como as coisas se haviam passado, desde a chegada do jovem a San Martin. 

— Julga que vai viver muito tempo, jovem? —perguntou o granjeiro, assombrado e assustado ao mesmo tempo. 

— Penso morrer de morte natural. Hoocke, que era um homem de mais de cinquenta anos, com duas filhas já mulheres que o ajudavam, manifestou-se com um amargo humorismo: 

— Se enchem uma pessoa de chumbo, o natural é que morra... 

— Isso sucede aos que se enfrentam comigo —respondeu Parker no mesmo tom. — A mim é muito difícil que me acertem com uma carga de chumbo. 

— Porquê? O chumbo não tem preferências. Vai para onde o dirigem. 

— Já sei. Mas quando um homem dá a cara sem medo, faz com que os seus inimigos não se sintam seguros; e, nesse caso, o chumbo vai por onde pode, compreende? 

Hamilton resumiu: 

— É questão de ter sangue na guelra, Hoocke. E Parker demonstrou que o tem mais do que ninguém. Gostava que tivesses visto Lodge mais manso do que um cordeiro, da mesma forma que Rogers, sempre insolente. 

Hoocke encolheu os ombros, mostrando-se pensativo ao mesmo tempo. 

— Tenho que os acreditar — concordou. — Amanhã, apenas rompa o dia, vou ver Lodge. Farei com que pague o que me deve. 

— Sugiro que não vá sozinho. Há outros que estão no mesmo caso. Unam-se e farão uma força... E vão armados. 

— Sim. Assim faremos. Obrigado pela sua intervenção. E pode dizer ao senhor Wind que o verei amanhã. Se tudo correr bem, manter-se-á a combinação que fizemos. 

— Não tenha a menor dúvida de que tudo há-de correr bem. 

Os três homens despediram-se de Hoocke e Parker acompanhou Grass e Hamilton, que viviam relativamente próximo um do outro. Depois empreendeu o caminho de regresso a San Martin. 

Quando chegou à povoação estranhou um pouco observar que, tanto a cantina do acampamento como as duas que existiam no povoado, se encontravam fechadas e que reinava no local o mais profundo silêncio. 

— É um pouco estranho tudo isto. Segundo Grass e Hamilton me disseram, a estas horas os homens de Kraft e outros aventureiros costumam estar em plena diversão. Isto tanto pode significar, que estão dispostos a arrepiar caminho e que se foram embora ou pensam nisso, ou que estão a preparar algo em grande, definitivo, para se imporem, É mais provável que seja esta última hipótese... 

Cecil reparou que havia luz em casa dos Whitney e dirigiu-se para lá. 

— Devem estar em cuidado, com receio que alguma coisa me tenha sucedido. Quanto a Pat, vai alegrar-se de saber que tudo está a decorrer favorável aos seus negócios. 


*


Parker, que dormia numa dependência cuja janela dava para a rua, foi despertado por um ruído de vozes de mistura com o som causado pelas patas dos cavalos. Saltou da cama, vestindo as calças e calçando rapidamente as botas para acorrer à janela. Espreitou por detrás dos vidros e sorriu-se satisfeito ao reconhecer Hoocke que, com Hamilton e Grass, capitaneava o grupo de homens que acabara de entrar em San Martin. 

— Isto está a pôr-se bom. Vão proporcionar a Lodge um despertar pouco agradável... 

Dispôs-se a vestir-se rapidamente ao mesmo empo que comentava: 

— Uma coisa assim não a perco eu... 

O jovem pensava também na reação de Kraft e dos seus sequazes. 

Em poucos minutos estava pronto a sair para n rua e encontrou o reverendo Whitney, que se levantara também ao ouvir o forte rumor causado pela presença de tantos homens. 

— Que se vai passar, meu filho? Isto pode desencadear no nosso San Martin uma vaga de violência. Vou para lá. 

— Acho que é preferível ficar em casa. Tentaremos que, no caso de haver violência, o seja no mais baixo grau possível e bem encaminhada, para que caia sobre os maus e se salve toda a gente boa que nos rodeia. 

— Tenho de confiar em si. 

— É o mais sensato. 

Oona levantara-se também, disposta a sair. Mas Parker proibiu-a. 

— Tem de evitar que Pat se mova. Ontem à noite tinha febre e, se se levantar, pode acontecer uma fatalidade. 

Cecil selou rapidamente o cavalo e; depois de despedir dos Whitney, encaminhou-se para o centro da povoação. Chegava até ele um rumor crescente de gritos, maldições e vozes destemperadas e o ruído dos cascos dos cavalos movendo-se de um lado para o outro. 

— Parece que o sarilho já principiou. 

Encaminhou-se até ao local onde Lodge residia e chegou a tempo de ver que Kraft e vários dos seus sequazes se tinham misturado entre os agricultores e se preparavam para enforcar numa árvore o comerciante. 

Lodge tentava resistir e defender-se por palavras, mas um dos bandidos acertara-lhe com uma forte pancada na cabeça, deixando-o quase sem sentidos. Os agricultores estavam um pouco excitados e não se atreviam a opor-se aos bandidos, cuja atitude os surpreendera. No instante em que Parker chegava, Kraft gritava: 

— Este velhaco enganou-nos a todos. A nós, fazendo-nos crer que vocês o enganavam no negócio; a vocês, porque não vos pagava. Empurrava--nos uns para os outros. Temos de acabar com ele. 

Parker situou-se convenientemente, de forma a dominar todo o cenário onde se desenrolavam os acontecimentos. A sua presença passara despercebida até ao momento em que, vendo que a vida de Lodge corria perigo, gritou: 

— Alto! Deixe esse homem, Kraft! 

Toda a gente se moveu surpreendida e voltou-se para o recém-chegado, que ainda não puxara da arma, mas que parecia na disposição de o fazer. Os agricultores aproveitaram a entrada em cena do jovem para se separarem da gente de Kraft, deixando este e os seus no centro, juntamente com Sailor Lodge, a quem já haviam enrolado a corda ao pescoço. Kraft, furioso por causa da intervenção de Parker, que não esperava se verificasse com tanta rapidez, dirigiu-se a este em tom ameaçador: 

— Escute, forasteiro. Deixe-nos tranquilos e não meta onde não é chamado. Somos nós quem temos de solucionar os nossos próprios assuntos. 

Cecil imitou a forma de falar de Kraft ao dizer: 

— Escute, Kraft. Deixe que a gente honrada solucione tranquilamente os seus assuntos e não se meta onde não é chamado. 

O jovem apontou para os agricultores que se haviam colocado por completo à parte dos bandidos. 

— Isto é assunto de todos. Nós trabalhamos e vivemos em San Martin. Lodge enganou-nos a todos. 

Um dos patifes exclamou, mostrando-se excitado.

-- Acabemos de uma vez. E, quem se opuser, sofrerá a mesma sorte. As palavras são demais nesta ocasião... 

Parker atalhou friamente: 

— Tente mover um só dedo contra esse homem e meto-lhe na barriga tanto chumbo que você nem poderá gritar por socorro. 

— Você já nos está a aborrecer demasiado com mania de armar em mau — disse outro dos malandrins.

Lodge, entretanto, ia recobrando forças. Ao abrir os olhos e verificar que o queriam enforcar, gritou: 

— Livrem-me destes assassinos. Foram encarregues de me matar...

Um homem empurrou-o, enquanto outro se dispôs a puxar da corda que pendia do ramo mais grosso da árvore onde pretendiam linchar o negociante. Os restantes bandidos puxaram rapidamente das armas, ameaçando Parker. 

O jovem percebeu que eles precisavam de acabar fosse de que maneira fosse, sem lhes importar o risco e decidiu jogar tudo por tudo. Mostrando grande presença de espírito, obrigou o cavalo a encabritar-se para o proteger com o corpo e principiou a disparar quase ao mesmo tempo que os inimigos. 

Voou o chumbo em todas as direções e os primeiros a tombar foram aqueles que se propunham liquidar Lodge, que caiu no sol meio aturdido. 

A montada de Parker relinchou com estrépito, ao mesmo tempo que estremecia sob os impactos das balas. Cecil, sem deixar de disparar com ambas as armas, dominava o animal, num esforço considerável. 

Nos primeiros instantes, os agricultores, correram para se livrarem da trajetória dos projéteis, procurando refúgio atrás das árvores ou na soleira das portas. Das suas improvisadas trincheiras fizeram fogo, ajudados por Parker, que se sentia impotente já para conservar o domínio do cavalo. 

Numerosos facínoras tinham sido varridos pelos tiros disparados por Parker e a entrada em ação dos agricultores obrigou Kraft e a três dos seus homens a optar pela fuga, enquanto outros três caíam, no meio de horríveis imprecações, para não se levantarem mais. 

Cecil, ao reparar que o cavalo já não se podia aguentar mais, saltou agilmente e o animal deixou-se cair literalmente crivado de balas e sangrando abundantemente dos ferimentos recebidos. 

— Pobre «First». Foi a ti que te tocou defenderes a minha pele. Mas asseguro-te que nenhum desses tipos escapará com vida. 

O jovem esgotara a carga dos seus «Colt» e apressou-se a carregá-los de novo. Tomou então o cavalo de um dos malfeitores e lançou-se em perseguição dos fugitivos. 

Nos lavradores registara-se uma reação favorável ao ver a relativa facilidade com que os inimigos haviam sido esmagados. E montaram todos, dispondo-se a seguir Parker para o auxiliar. O jovem dirigiu-se aos seus amigos: 

— Fiquem alguns junto de Lodge. Que não possa escapar-nos. 

Meteu-se pelo beco por onde os fugitivos tinham desaparecido, mas teve de refrear rapidamente a cavalgadura, fazendo-a levantar as mãos. Voltou a ouvir-se o assobio das balas, desta vez disparadas por dois dos bandidos que tinham ficado postados na rua, enquanto Kraft e os restantes prosseguiam na fuga. Parker saltou para evitar ser apanhado pelo cavalo na sua aparatosa queda e atirou-se ao chão, servindo-se do corpo do animal como escudo. 

Os dois malfeitores que tinham disparado, viram-se a descoberto e trataram de saltar para as suas montadas, ao mesmo tempo que chamavam aos gritos pelos companheiros que se afastavam. 

— Kraft! Sanders! Venham cá... 

Conseguira o jovem Parker salvar a carabina antes da queda do cavalo e, bem encoberto, fez fogo à vontade contra um dos bandidos. Estremeceu o homem ao sentir a bala incrustar-se-lhe na carne. Mas largou o cavalo e voltou-se disposto a fazer frente ao inimigo. 

O jovem voltou a disparar e atingiu-o com outro tiro, derrubando-o, sem vida. O segundo bandido, ao constatar a morte do companheiro, abandonou o cavalo e correu a entrincheirar-se no vão de uma porta. Fez netão fogo com os dois «Colt», tentando atingir Parker, sem dar ocasião a este para espreitar por cima do pescoço do animal. 

O jovem, imobilizado devido à ação do bandido, voltou-se para os agricultores que tinham resolvido segui-lo: 

— Cuidado! Atrás! 

O bandido sentiu-se ufano ao ver que, sozinho, era capaz de fazer frente a todos os seus inimigos. Riu estrepitosamente e gritou: 

— Para trás, poltrões! É bom que se vão habituado ao que está para vir. 

Ao mesmo tempo que pronunciava estas palavras não deixava de disparar e as balas passavam perigosamente junto de Parker. O homem voltou a gritar, dirigindo-se para o jovem: 

— Eh! Valentão! Onde está essa coragem? Diz onde queres que te acerte com a próxima bala, que eu faço-te a vontade... 

Teve de interromper os disparos para carregar as armas, instante que Parker aproveitou para espreitar e fazer fogo com a carabina. 

O bandido teve de retroceder, escudando-se bem no vão da porta, salvando-se assim da terrível portaria de Parker. Este, resolvido a terminar com o assunto, abandonou o seu esconderijo e correu para se situar em posição favorável. 

O jovem, com um «Colt» em cada mão, abandonou a sua posição e avançou numa atitude reptadora para o inimigo, atacando a peito descoberto. Recuou, assustado, o bandido e apontou um dos «Colt». No mesmo preciso instante, as duas armas de Cecil vomitaram fogo e o malfeitor sentiu uma queimadura na mão, ao mesmo tempo que o «Colt» lhe era arrebatado antes de conseguir disparar. Tentou fazer fogo com o outro revólver, mas uma bala furou-lhe um pulso, fazendo-o soltar a arma. E, acto contínuo, antes de ter tempo para saltar para o seu cavalo e pôr-se a salvo, três tiros mais atingiram-no junto do estômago, fazendo-o sentir a angústia da morte. Girou então lentamente para se voltar para a direção por onde Kraft e o companheiro tinham desaparecido. Mas, não os vendo, gritou desesperadamente: 

— Não. Não quero morrer! Kraft! Sanders! Traidores!... 

Mal terminou a última palavra, levou ambas as mãos às feridas e caiu de bruços lentamente, dando meia-volta quando caiu no chão. 

Cecil, ao constatar que tinha a rua livre de inimigos, voltou para trás, reunindo-se aos agricultores. Um deles ofereceu-lhe o cavalo de um dos bandidos: 

— Vamos, amigo. Ainda os podemos alcançar. Temos de pendurar esses patifes. 

— Também assim penso. Não lhes devemos dar tempo para se organizarem. 

Montou no cavalo e lançou-o a galope, seguido pelos agricultores. Ao chegar junto do local onde vira desaparecer Kraft, deteve-se um tanto desorientado. 

— Foram por aqui. Eu vi bem... 

— Pois vamos ver o que se passa. Esses dois que ficaram para trás estupidamente, fizeram-nos perder um tempo precioso. 

Continuaram a cavalgar até que saíram da povoação sem encontrar traça dos três fugitivos. Deram uma volta pelos arredores de San Martin e dirigiram-se para acampamento mineiro, mas também ali não os viram. Foi inútil perguntar por eles aos homens que estavam a trabalhar. Cecil, um pouco despeitado, murmurou: 

— Ninguém sabe nada nem viu nada. A cobardia das pessoas é o melhor auxiliar dos bandidos. 

Dirigiu-se depois aos que o acompanhavam: 

— Vamos. Há que aproveitar a ocasião para Lodge pagai o que lhes deve... 

Um dos agricultores manifestou a concordância de todos: 

— Sim, vamos. Quando lá chegámos, o velhaco preparava-se para fugir de San Martin. 


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