sábado, 24 de setembro de 2022

CLF050.05 E a decisão é… FICAR


Ned Parson respirou com uma expressão de alívio quando viu que os bandidos, chefiados por Kraft, se afastavam. Dirigiu-se depois a Parker. 

— Fizeste mal em deixar estes tipos com vida, rapaz. Hão-de pregar-nos a partida. 

— Calculo isso, Ned. Mas não sou um assassino e eles não tentaram puxar pelas armas. 

— Já sei, mas... 

— Se estás tão arrependido, porque não disparaste tu? Eles estavam ao alcance dos teus «Colt» e não dos meus... 

-- Bem. Acabarás por ter razão. Não discutamos este ponto. Eu continuo com a minha. Vou-me embora.

 

Amy, que, entretanto, saíra do lugar onde se entrincheirara, falou para o pai: 

-- Já estamos outra vez com essas, pai? Há um instante parecias decidido a comer meio mundo e, de súbito... 

— Quando o vi lutar a ele, senti-me como nos meus melhores tempos. Mas depressa se volta à realidade e estou a perceber que não sou nada nem ninguém... 

— Meu pai. Parker disse uma coisa que está certa. Terás de deixar, completamente, de jogar e de beber... 

O jovem disse, alegre e zombeteiro: 

— Que confiança é essa, «miss» Parson? Eu sou o senhor Parker... 

A rapariga corou, enquanto o pai se ria estrepitosamente. 

— Essa tem graça, pequena! Não negues que o mereceste. Bem, Cecil. Parece-me que estou a ouvir o teu pai. Estiveste muito bem. 

— Queres acabar de te rir, pai? Já sei que o mereço. Mas ele pode estar tranquilo, porque nem sequer lhe dirigirei a palavra. E agora sou eu que digo que nos devemos ir embora de San Martin, quanto antes. 

— Não pretendo imiscuir-me na vossa vida. Mas se se afastam, dificilmente os poderei ajudar. Se eles desatam a correr atrás de ambos e os matam, se calhar nem saberei disso. 

— Nem é preciso. Percebeu? — exclamou Amy, irritada. 

— Não disse que não me dirigiria a palavra? 

— Vá passear... 

— Parker tem razão, Amy. 

— Põe-te do seu lado, se quiseres. E veremos quem te aguenta as impertinências se eu me for embora. 

— Serias capaz de abandonar o teu pai? 

— Se te pões contra mim, porque não? Começo a estar saturada de tudo isto. Posso ganhar a minha vida como professora em qualquer lado e, pelo menos, viverei com tranquilidade. 

— A rapariga tem razão, Ned — interveio Cecil. -- E como me parece que a minha presença aqui é que trouxe a discórdia, vou-me embora. 

— Tens onde te hospedar? 

— Não tive tempo de pensar nisso. Mas confio que os Whitney me podem proporcionar um bom alojamento. 

— Aqui há sempre lugar para ti. 

— Deixa-o ir embora, pai. Nós não somos da sua classe. Ele fica melhor com os Whitney... 

Cecil dirigiu-se a Amy, em tom trocista: 

— Quer pôr-se de acordo consigo própria, «miss» Parson? 

— Sei muito bem o que digo e o que penso. 

— Não posso acreditar. Primeiro manda-me passear, parecendo que a minha presença a aborrece e agora dá a impressão que se importa que eu me vá embora... 

— Que é que imaginou? Não me importo que se vá embora. Até estou a desejá-lo, o que não é bem a mesma coisa. O que não me agrada é que se vá por nos considerar gente de pouca categoria para si. 

— Está visto. Resolveu implicar comigo. Mas isto vai terminar rapidamente. Quer casar comigo, «miss» Parson? 

— Não. Respondeu sem hesitar, assinalando bem a negativa, para que não restassem dúvidas. 

— Ainda bem. Agora é você quem me despreza. Portanto, estamos quites e posso ir-me embora tranquilamente. 

O pai de Amy voltou a rir-se, fazendo com que a jovem se irritasse. 

— Pode saber-se porque é que te ris agora? 

— É mesmo igual ao pai. Em determinada altura principiou uma brincadeira assim com uma rapariga e, passado algum tempo, essa rapariga transformou-se em mãe de Cecil. 

— Bem. Mas não julgue que a história pode repetir-se. Não me casaria de nenhuma maneira com esse monstro. Porque o teu ídolo Cecil Parker não passa de um monstro, entendes? Esqueces-te da forma como te tratou esta tarde na cantina, diante de toda a gente? 

— Isso já passou, querida, e concordámos em que tinha razão para proceder de tal modo. Foi por isso que tu correste a dar-lhe os nomes dos criminosos que haviam terminado com a vida do pai dele. 

— Vês como estás contra mim? — perguntou Amy. 

Parson levou as mãos à cabeça e o seu rosto refletiu uma cómica expressão de angústia. 

— Se realmente guardasse rancor a Parker pelo que se passou esta tarde, vingar-me-ia dele, pedindo-te que o aceitasses como marido... 

— Queres dizer que sou insuportável?... 

— Só de vez em quando, mas durante esses períodos... Minha mãe!... 

Tocou a vez de Cecil se rir perdidamente, tão perdidamente que até teve de se sentar, escandalizando Amy, que se revoltou contra ele: 

— Basta! Não faça troça, ou acabarei por fazer um disparate. E ficaria muito satisfeita se não voltasse a vê-lo... 

Quando conseguiu dominar o riso, disse o jovem: 

— Isso é o que diz agora. Mas tenho a certeza que sentirá a minha falta. 

— Naturalmente, não poderei viver sem a sua presença... 

— Console-se e pense que a mim me aconteceria o mesmo, se realmente não voltasse a vê-la. Fazemos as pazes? 

Cecil estendeu a mão direita a Amy, que olhou para ele com expressão receosa, temendo que estivesse a troçar. 

— Pode apertá-la com toda a tranquilidade. Creio que já lhe demonstrei que sou um homem leal. Vamos lá, ponha de parte toda a espécie de receios... 

— Está bem. Mas gostava que fosse um pouco mais sério. Não se deve aproveitar das coisas de meu pai para zombar de mim. 

— Não zombei, pode ter a certeza. E mantenho a minha proposta de casamento. 

— Não encare estas coisas tão levianamente —replicou Amy, dominando-se e mantendo o tom de voz normal. — Tenho realmente de estar-lhe agradecida pelo seu comportamento. Como conseguiu saber que meu pai corria perigo? 

— Foi alguma coisa com que contei quando me convenci que ele nada tinha a ver com o assassinato do meu. 

— Como pudeste pensar de mim tal coisa, Cecil? — inquiriu Parson, em tom magoado. 

— Não queria melindrar-te, Parson. Mas tens de reconhecer que, nos últimos tempos não te portaste muito bem com o meu pai. 

Embora lhe custasse, Parson admitiu: 

— É verdade. Mas daí até que... 

A presença de Amy conteve Cecil, que se limitou a dizer: 

— Eu sei que se passaram coisas entre ambos, mas ignorava até que ponto essas coisas tinham chegado. Não é bom uma pessoa desviar-se da linha recta, Ned. 

— Tens razão. 

— Foste visto perto donde meu pai caiu... Em suma, é melhor esquecer tudo isso... — disse Cecil, generosamente. 

Amy insistiu: 

— Mas falemos do outro assunto. Porque sabia você que vinham matar meu pai? 

— Eles, ao saberem que eu me encontrava aqui, haviam de procurar por todos os meios fechar-lhe a boca para que não me pudesse dizer quem tinham sido os assassinos. 

— Agora compreendo... Quer dizer, fez o meu pai servir de isco... 

— Exatamente. 

— Você não passa de um monstro! E pensava seriamente que eu podia casar-me com um homem do seu jaez? 

— Não tinha outra saída, jovem. A teimosia de seu pai obrigou-me a proceder dessa forma. 

— E se o matassem? 

— Não se podia dar essa hipótese. Se não a tivesse encontrado, eu teria estado à espreita desde o anoitecer. E teria agido tão depressa visse chegar os bandidos. 

Amy deitou a Cecil um olhar de aborrecimento. 

— Fica mal eu dizer uma coisa destas — prosseguiu o jovem — mas creio que andei muito acertadamente. 

— Você... é um monstro! 

O jovem levantou-se, dispondo-se a ir-se embora. E perguntou: 

— Que resolvem, por fim. Vão ou ficam? 

Antes que o pai pudesse responder, Amy manifestou-se: 

— Ficamos. Não estou na disposição de passar a vida de um lado para o outro. Creio que acabei por tomar carinho a este lugar, afinal de contas, ganhamos o necessário para viver. 

Ned encolheu os ombros. 

— Já sabes. Ficamos. E tu, que decides? Aceitas um sítio na nossa cabana? Há espaço de sobra e não causarás incómodo. 

— Não. É possível que construa a minha própria cabana e que me resolva a transformar-me também em pesquisador de ouro. 

— Tão mal andas de dólares? 

— Não. Mas alguma coisa se tem de fazer na vida. 

— Não aguentarás isto, Cecil. É mortalmente aborrecido e insípido... 

— Eu farei com que se torne divertido. Tens razão de queixa do dia de hoje? 

— Não. Tenho de reconhecer que foi uma tarde movimentada. Mas escuta, Cecil. Existe um lugar em Nevada, não muito longe daqui, onde encontraríamos ouro, muito ouro. Estaríamos ali sem concorrência, enriqueceríamos depressa e... 

— O ouro não me preocupa grandemente, Ned. Não me cega a cobiça. Há coisas que me interessam mais... 

— Mas tu já cumpriste com o que aqui te trouxe. Teu pai está vingado. 

— De acordo. Mas vi que, tanto o acampamento como a povoação, estão dominados por uns quantos bandidos. E, uma vez que iniciei a luta contra eles, não a posso abandonar. Seria uma cobardia... 

— Não tens remédio. És igual a teu pai. Deixámos de nos entender por isso. Pode saber-se o que te importa a respeito dos outros, quando tens uma magnífica ocasião de enriquecer? 

— Acho que na vida há algo que vale mais do que o dinheiro. É a nossa própria estima. E se eu abandonasse agora nas mãos de assassinos estas pessoas que aqui vivem e trabalham, sentir-me-ia envergonhado para sempre. 

— Mas, há muitos locais onde estas coisas acontecem. Não farias mais nada na vida e não terminarias com todos os que estão fora da lei... 

— Está bem. Mas os outros não os conheço, enquanto aqui, já entrei em contacto com os habitantes. Hoje, essa besta do Simpson tentou raptar «miss» Whitney. Amanhã pode ser a tua filha a vítima de outro desses bandidos. Julgas que se pode permitir semelhante estado de coisas?... 

— Não. Sei que tens razão. Mas digo-te a ti o mesmo que dizia a teu pai. Somos impotentes para resolver esse problema. 

— Não nos poremos de acordo, Ned. E, podes crer, que o lamento. 

— No local em que te falei, em Nevada, teremos tranquilidade. Compreendes o que isto significa? A ti corresponde-te uma parte do ouro que ali existe, visto que o encontrámos juntos, teu pai e eu. 

— Se tens assim interesse, iremos quando aqui terminarmos o assunto. 

— Não tens emenda. Pois eu irei, entendes? 

— Faz como quiseres. Não pretendo obrigar-te a ficar. Mas deves pensar que Kraft pode resolver seguir-te e vingar em ti e na tua filha a morte dos seus homens. 

— Isso também aqui o pode fazer. 

— Mas é mais difícil. Kraft já percebeu que eu não faço ameaças em vão. 

— Já sei. Mas é que ele terminará primeiro contigo e depois connosco. Não vês que se sente protegido? E que aguardará a ocasião propícia? Por que razão é que se foi embora há pouco? 

— Porque teve medo. 

— É verdade. Trata-se de um cobarde. E agora está a estudar a forma de atacar, de forma a não te deixar saída. Eu vou-me embora. Fá-los-ei perder a minha pista. Quero viver e que a minha filha seja feliz. Já tem direito a isso... 

— E se ele vos seguir? 

— Não nos seguirá por enquanto. E, quando o tentar, que será quando te eliminar, já terei apagado qualquer vestígio. 

— Ele seguir-te-á até onde fores, da mesma forma que te seguiu até aqui. Não compreendes? — disse Cecil. 

— Eles não me seguiram. Aqui é o seu quartel-general, há muito tempo... 

Parker manifestou a sua estranheza. 

— Não compreendo. Porque é que foram tão longe para matar o meu pai? 

— Não sei. Teu pai tinha aqui negócios. Negociava com alguns agricultores... 

— E que fazias tu em Dodge quando o mataram? 

— O teu pai tinha direito a uma terça parte da mina que eu explorava e fui lá para comprar a sua parte. 

— E chegaste a fazer a transação? 

— Não. Cedeu-me a sua parte sem me levar nada. Como era o padrinho de Amy, disse-me que era um presente para ela. 

— E vais abandonar a exploração da mina? 

— Não. Vou deixá-la entregue a alguém que a venda. 

— Se decides ir-te embora, compro-a eu. Não é que o ouro me interesse. Mas não quero que estranhos explorem o que pertenceu a meu pai. 

— Se ficas com ela, apenas receberei o equivalente a duas terças partes... 

Amy, que permanecera silenciosa escutando a conversa dos dois homens, resolveu intervir, fazendo-o em tom simuladamente humilde: 

— Embora isso seja assunto de homens, se me permitem... creio que a opinião de uma mulher pode também ter interesse. 

— Fala — disse o pai. 

— Acho que deviam pensar que as mulheres, regra geral, sofrem as consequências das decisões dos homens e que, portanto... 

— Bem. Fala de uma vez e deixa-te de rodeios. 

— Queria dizer que, na minha opinião, devíamos ficar aqui, não vender nada e lutar, se fosse preciso. Não quero continuar andando de um lado para o outro e, para mais, a fugir. 

— Pensaste bem nisso, Amy? 

— Ouvi tudo o que disseste. Também escutei as palavras do senhor Parker. Mas acho que devemos ficar. Não fujo. Depois, mais tarde, visto que Nevada não é longe, iremos para lá nas devidas condições. Mas sem abandonar isto. 

Amy falara em tom enérgico, que não admitia réplica. O pai compreendeu que ela estava firmemente decidida a ficar e teve de aceder. 

— Está bem. Ficaremos e morra quem tiver de morrer. 

Parker dirigiu-se ao pai de Amy. 

— Há pouco disseste que Kraft e a gente que o acompanha estão bem protegidos. Quem os protege? 

— Aqui há dois tipos influentes. Um é Lloyd McCarthy. Tem uma pequena casa bancária. Para mim é mais um usurário do que outra coisa. 

— E o outro? 

— É um tal Sailor Lodge. Trata-se de um comerciante que compra aos agricultores daqui a sua produção e a leva para o Leste. Teu pai também trabalhava em coisas desse género, creio eu. 

— Certo. Sabes que isto está a tornar-se muito interessante, Ned? 

— Porquê? 

— Pat Wind, o noivo de Oona Whitney, também se dedica a este género de comércio. 

— Há um mês, com efeito, ouvi falar de um jovem que andava por aqui e pode bem ser esse... 

— Vou falar com ele. 

— Conhece-lo? 

— Somos antigos amigos e, além disso, não há muito tempo que o livrei de um sério dissabor. 

— Por que razão dizes que isto está a tornar-se interessante? 

— Depois de falar com Pat e com o reverendo Whitney, talvez te possa responder. Está então resolvido que ficam cá? 

— Em absoluto — replicou Amy. 

— Então ver-nos-emos amanhã. Não creio que essa gente se atreva a atacar-nos. Mas, em todo o caso, convém que tenham tudo bem fechado e as armas carregadas. 

— Porque não ficas connosco, Cecil? 

— Deixa-o pai — apressou-se a intervir Amy. — Já lhe ofereceste um lugar na nossa cabana e ele não aceitou. Para que insistir? Pela minha parte prefiro que se aloje em qualquer outro lado. As pessoas como essa Oona Whitney, por exemplo, já me olham de uma forma um pouco esquisita porque vivo no acampamento, sozinha entre tantos homens e porque me visto assim... 

— Quando souber que você tem o diploma de professora é possível que desmaie — disse Cecil de brincadeira. 

— Proíbo-o de dizer alguma coisa a essa jovem presumida. 

— Está bem, minha amiga. Não se meta com ela. É possível que venham a dar-se bem se nós dois acabarmos por casar. Ela é noiva do meu amigo Wind. Não o esqueça. 

— Casar-me consigo? Vá-se embora antes que me faça perder a paciência. 

Parker simulou comicamente que estava assustado e correu para fora da cabana, gritando em jeito de despedida: 

— Não, por favor. Asseguro-lhe que sou um bom rapaz e que não quis ofendê-la. 

Ned Parson voltou a rir-se e Amy disse-lhe, irritada: 

— Não acho graça nenhuma a esse senhor, por muitos amigos que o pai dele e tu tenham sido. 

— Está bem, Amy. Mas creio que no fundo, o admiras. 

— Admirá-lo-ia no fundo, mas havia de ser no fundo de um lago ou de um rio bem profundo. 


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