sábado, 3 de setembro de 2022

CLF036.07 Encontro com um «Encanto» sem nome

A ruela terminava numa pequena praça plenamente iluminada pela lua, que muito alta, apenas projetava sombras, e Tony correu a refugiar-se atrás de um bebedouro convenientemente situado e que o protegesse bastante bem contra o fogo inimigo.

A sua posição era excelente, e decidido a dar a batalha final, carregou cuidadosamente as suas armas e esperou que os pistoleiros aparecessem.

Decorreram os minutos numa espera de extrema tensão, esforçando os olhos para perfurar as trevas e aguçando o ouvido à escuta dó menor som que lhe advertisse a chegada do inimigo, e conforme ia passando o tempo, Tony sentia os nervos cada vez mais tensos até lhe parecer que se destroçariam. Não estariam, talvez, dando um rodeio para surpreenderem pelo outro lado?

A lua começou a cair e as sombras alargaram-se lentamente. Seria aqui o que estavam esperando os pistoleiros?

Mas continuou decorrendo o tempo sem que dessem sinais de vida, e chegou o momento em que o jovem não pôde suportar por mais tempo aquela situação.

Puxou o percutor das suas armas e erguendo-se de um salto, correu para a faixa de sombra cada vez mais ampla, e antes de chegar a ela já tinha a segurança de que estava gastando energias inutilmente, porque não lhe fizeram um disparo.

Por inexplicável que lhe parecesse, Bloody tinha abandonado a caça, embora tivesse todas as vantagens a seu favor.

Não convencido de todo, Mills rodeou a praça, pegado à parede das casas, cujas fachadas estavam já na sombra, internando-se novamente pela ruela por onde tinha vindo.

Estava deserta!

Aquilo desconcertou o rapaz, que não tinha esperado nada parecido. Onde teriam ido os pistoleiros? Porque abandonavam a luta, precisamente quando tinha ouvido Bloody ordenar o contrário?

Então veio à sua memória a recordação das palavras que ouvira o «gun-man» pronunciar ao sair da taberna.

— Disse qualquer coisa sobre ir a um lugar chamado «Las Palomas» ou «El Palomar» — exclamou para si. — E talvez tivessem pressa. Será essa a causa de que tenham desaparecido?

Não encontrando outra explicação, deu aquela como boa e decidiu ir em busca dos bandidos, pois não estava disposto de modo algum a renunciar à sua vingança.

Dirigiu-se apressadamente para a pousada onde tinha pedido albergue por aquela noite, em busca do seu cavalo, e duvidou um momento, entre deixar o seu na cavalariça e empregar o de Murray, pois o pelo claro de «Giddy» resultava impróprio para uma correria noturna; mas acabou por se decidir por ele, porque estava habituado ao poderoso e inteligente animal, que já o tinha livrado de situações difíceis em mais de uma ocasião.

— Pode indicar-me o modo de encontrar um lugar chamado «Las Palomas» ou «El Palomar»? — perguntou ao estalajadeiro, enquanto esperava que lhe trouxessem o seu corcel.

— «El Palomar»! Creio que sim! Mas pensa ir até lá a estas horas?

— Assim é.

— Pois não lho aconselho.

— Que há de mau?

— É uma pequena granja abandonada, que em mais de uma ocasião tem sido utilizada como refúgio de alguns indesejáveis. Pode ter um mau encontro.

— É isso precisamente o que espero — sorriu Tony. — Vou de caça.

O homem encolheu os ombros e deu de má vontade as indicações precisas para ele encontrar o lugar. Quase no mesmo instante trouxeram-lhe, «Giddy» e despedindo-se rapidamente, o rapaz montou e afastou-se a todo o galope.

À medida que se ia aproximando do lugar em questão, Mills reconheceu que não era agradável, pelo menos de noite.

Via-se obrigado a seguir um caminho profundo, rodeado de mato e pequenos bosques que lhe davam um aspeto sombrio.

Certamente, o sítio era ideal para uma emboscada. Que levaria Bloody até ali? Nada bom, certamente.

Calculando que se aproximava do lugar que procurava, o jovem desmontou e avançou com precaução, até encontrar uma cancela que se abria à direita, de troncos carcomidos e partidos, da qual partia um estreito caminho meio coberto pelo mato e que conduzia a um edifício baixo que se erguia umas quatrocentas jardas mais adiante.

Devia ser aquilo «El Palomar».

— Estranho nome para um ninho de abutres — resmungou.

Mas não tinha ido até ali para se espraiar em relações sobre o inadequado de certos nomes e levou «Giddy» até uns arbustos que cresciam densamente à beira do caminho, deixando-o bem oculto.

Depois, dirigiu-se diretamente para o edifício, mas fora do caminho e aproveitando os menores acidentes de terreno para dissimular a sua presença.

Na casa não se via luz alguma, mas encontrava-se ainda a uma centena de jardas quando ouviu o inquieto escarvar de uns cavalos e quase no mesmo instante um grito feminino.

Aquilo surpreendeu Tony, que não esperava nada parecido, mas reagindo apressou o seu avanço para acorrer em auxílio da mulher que o pedia aos gritos.

— Maldita! Cala-te de uma vez, se não queres que te torça o gasganete! — gritou colericamente um homem.

— Deixa-a gritar se isso lhe agrada — replicou a voz inconfundível de Bloody. — Para o que lhe vai servir!

— Podem ouvi-la — objetou o que primeiro falara.

— Ora! Ninguém anda por estas bandas a estas horas.

— Está bem. Isso é contigo. Mas não vamos ficar aqui toda a noite!

— Não, maldita seja! — grunhiu o pistoleiro com uma súbita irritação que se voltou contra a sua cativa. — Vamos, monta ou terei de te obrigar à força.

Tony deteve-se ao ouvir que, após alguma agitação, uns cavalos se punham em marcha batendo a dura terra com os cascos, e quase imediatamente viu avançar na sua direção uns vultos negros que se afastavam da casa.

Quando os cavaleiros estavam mais próximos, pôde verificar que um deles vestia de claro e, certo de que os homens iam de escuro, pois tivera ocasião de o apreciar no encontro anterior, compreendeu que tinha localizado a prisioneira, que era precisamente do que tinha estado à espera para intervir.

— Alto! — gritou, saltando a meio do caminho com os revólveres na mão.

Mas não tinha contado com a desconhecida, que ao ouvir a sua voz deu um grito ao tempo de cravar as esporas, saindo disparada de entre o grupo dos seus raptores e deitando-se materialmente em cima de Mills, que teve de saltar vivamente para um lado para não ser atropelado, dando tempo a que os surpreendidos foragidos se refizessem.

A noite iluminou-se com o fugaz relampejar dos disparos.

Perdida de modo tão estúpido a vantagem que lhe dava o ter tomado a iniciativa, Tony teve de se lançar ao solo entre o mato, para furtar a sua silhueta aos inimigos, ao mesmo tempo que com um rápido disparo desmontava um tipo que lhe caía em cima, perdendo mais uns preciosos instantes disparando também contra o assustado animal que esteve quase a espezinhá-lo.

Já então os outros dois cavaleiros se afastavam a todo o galope em perseguição da mulher, que lhes tinha tomado boa vantagem.

A lua já tinha caído muito, mas ainda havia luz suficiente e Mills aproveitou-a enviando uma rápida rajada contra o mais atrasado dos cavaleiros, que caiu no solo juntamente com a sua montada. Seria Bloody?

Não sabia se os seus tiros tinham alcançado o cavalo ou o cavaleiro, mas como também ignorava se algum dos caídos era Bloody, ou pelo contrário se afastava a todo o galope do seu cavalo, não tinha tempo a perder, e erguendo-se de um salto correu em rápido ziguezague para a massa confusa que formavam no caminho homem e o animal derrubados.

Tinha coberto apenas a terceira parte da distância a percorrer, quando brilhou um clarão seguido imediatamente pelo estrondo da detonação.

Afortunadamente para o arrojado jovem, o seu inimigo já devia estar ferido, ou pelo menos aturdido pela queda, já que a bala se perde inofensiva zumbindo muito desviada.

Anthony não se deteve, pelo contrário apressou a sua corrida, em linha recta agora, e, enquanto avançava, esvaziou a carga completa dos seus revólveres num rápido tiroteio.

O homem estava morto quando chegou junto, dele, e um rápido olhar convenceu-o de que não era quem ele procurava.

Carregou febrilmente os seus revólveres enquanto voltava sobre os seus passos, mas o segundo foragido morto tão-pouco era Bloody.

Tony não pôde conter uma imprecação de raiva e desalento. No entanto, este durou muito pouco e quase no mesmo instante assobiou e, imediatamente, distinguiu a mancha clara do animal que se aproximava rapidamente pelo caminho.

— Para onde diabo se dirigirá a mulher? — perguntou, para si, enquanto se encaminhava ao encontro do corcel.

Um momento depois ganhava a sela de um ágil salto, e dando a volta ao baio, encaminhou-se a todo o galope para Moapa.

— Talvez ela viva nalgum rancho das imediações, mas também é provável que se dirija diretamente à povoação em busca de auxílio — refletiu o jovem. — Em qualquer caso não me ocorre nada melhor e pelo menos é uma probabilidade que não posso desprezar.

Enquanto cavalgava velozmente pela sombria depressão em que transcorria o caminho, Mills não deixou de pensar com certa prevenção no que ocorreria se o inimigo tivesse decidido esperá-lo por ali.

E foi precisamente nesse momento que um cavaleiro se lhe atravessou no caminho, intercetando-lhe o passo!

Com mão férrea conteve o galope de «Giddy», fazendo-o levantar as mãos, ao mesmo tempo que com a esquerda empunhava velozmente o revólver.

No entanto, senhor dos seus nervos, imediatamente compreendeu que era um falso alarme. Efetivamente, o cavaleiro que se aproximava, vestido de claro, só podia corresponder à mulher a quem a sua intervenção salvara das garras de Bloody.

Pelo visto, tinha conservado a serenidade suficiente para fintar o bandido, ocultando-se ao lado do caminho.

— Cuidado, não dispare! — tinha gritado ela um momento antes, e a sua voz era bastante agradável.

Tony guardou o revólver e dirigiu o seu formoso baio para o outro cavalo de pelo escuro.

— Não sei se cometo uma tolice vindo até junto de si — disse ela, aproximando-se, — mas não podia ir-me embora sem lhe agradecer.

— Nada tem a recear de mim, se é isso o que a preocupa, mas também não me deve nenhum agradecimento — respondeu o jovem secamente, maldizendo para si, o pouco oportuno encontro que o impedia de continuar atrás do assassino do seu irmão, pois agora não a podia deixar abandonada em pleno descampado. — Vim seguindo esse mal... esse pistoleiro que se me escapou, só a casualidade fez com que você fosse beneficiada com isso.

O seu tom desabrido aborreceu a rapariga, pois sem dúvida era uma jovem, já que aquela voz de ricos e harmoniosos matizes não podia pertencer a uma mulher já feita, e não conseguia reter o seu génio.

— O que não impede que eu seja sua deve dora. Mas vejo que sou importuna e peço-lhe que me perdoe. Pode continuar a sua caça e dizendo aquilo puxou as rédeas do seu corcel, afastando-o a um lado do caminho.

Tony sentiu que as orelhas lhe ardiam perante a merecida reprimenda e tirando o chapéu fez uma galante reverência de desagravo, sorrindo amistosamente.

Estavam suficientemente perto um do outro para que, embora à pálida luz do luar, pudessem apreciar certos detalhes, e, após olhar o roste graciosamente emoldurado pelos cabelos curtos que se erguia perante ele, Anthony esqueceu o seu mau humor e incluso que o canalha a quem perseguia se lhe tinha escapado de entre as mãos, precisamente quando já o julgava bem seguro.

— Paz — pediu, levantando o braço à maneira índia.

Mas ela estava ressentida.

— Não perca tempo. Esse homem passou por aqui há escassamente seis ou sete minutos e se se dá pressa, talvez ainda o possa alcançar.

— Que homem? — perguntou o rapaz, sempre sorridente.

— Esse «pistoleiro». Bloody, é o seu nome. Não é a ele a quem necessita dar caça por sobre toda a consideração.

— Existe alguém chamado Bloody?

Ela olhou-o diretamente pela primeira vez, depois das primeiras palavras e acabou sorrindo também, contagiada pela simpatia do rapaz.

— Isso é outra coisa — riu Tony, alegremente. — Perdoado?

— Devo-lhe demasiado, para que me possa aborrecer consigo.

— Então, posso afirmar-lhe que o dissimulava muito bem.

Ela riu debilmente.

— Bem, façamos as pazes.

— Feitas. E agora, acompanhá-la-ei onde quiser, porque não é prudente permanecer aqui durante muito tempo.

No mesmo instante desapareceu o brilho nacarado do seu sorriso.

— Agradeço o seu oferecimento, mas creia que não o poderá manter.

O rapaz olhou-a surpreendido. Ao princípio mostrei-me um pouco descore tês, reconheço-o, mas...

A rapariga interrompeu-o, agitando negativamente a cabeça.

— Não é por isso — disse.

— Então?

— Tenho de ir para Las Vegas.

Mills deu um salto na sela.

— Mas... isso está muito longe!

— Vê? — sorriu debilmente a jovem.

— Oh! Não creia que isso... O rapaz ia oferecer-se veementemente para acompanhar, mas então assaltou-o a recordação do que o tinha levado até ali, interrompendo-se confuso.

— Por favor, não se incomode. Eu compreendo que é demasiado — procurou tranquilizá-lo ao notar a sua atrapalhação.

Para voltar a Las Vegas e regressar, necessitava perder pelo menos dois dias e esse tempo podia resultar decisivo para o amigo que o aguardava, consumido pela impaciência, no Canhão' Perdido. Não; não podia mostrar-se galante.

— É certo — murmurou surdamente. — Não posso manter o meu oferecimento porque um dever inadiável me leva a outra parte, mas pelo, menos acompanhá-la-ei até Moapa ou até qualquer outro ponto próximo onde tenha alguma, pessoa conhecida.

Ela abanou lentamente a cabeça.

— Não conheço ninguém — disse.

Tony estava cada vez mais desconcertado.

— Quer dizer que... está completamente só?

— Sim.

— Será que esses bandidos a trouxeram até aqui desde Las Vegas?

— Não. Vim pela minha própria vontade, embora enganada.

O rapaz julgou compreender e apertou os dentes, sentindo uma amargura inexplicável.

— Era algum desses? — perguntou com voz rouca.

Ela olhou-o surpreendida.

— Que quer dizer? — perguntou.

Anthony encontrou dificuldade para se explicar.

— Pois... como você disse... Bem, perguntava-lhe se algum desses homens era o seu noivo...

— O meu noivo? — a jovem olhou-o, abrindo muito os olhos. — Porque lhe ocorre essa tolice?

— Diabo!... Quem a enganou, então?

Ela compreendeu, finalmente, e soltou uma alegre gargalhada.

— Não! — riu, agitando o seu lindo rosto, com o cabelo revolteando airosamente ao redor. — Crê que fugi com algum bandido bem posto?

Tony riu também, sentindo um imenso alívio que não conseguia compreender.

— Pois... isso julguei compreender.

Morreu o riso nos lábios da rapariga, cujo rosto entristeceu.

— O engano foi de outra natureza — disse em voz baixa.

Mills sentia-se extraordinariamente satisfeito ao compreender que os seus receios eram tolamente infundados, e naqueles momentos de euforia parecia-lhe que seria facílimo encontrar solução para qualquer classe de problema.

Por isso não deu maior importância à angústia da linda desconhecida, certo de que ele conseguiria resolver-lhe o seu conflito.

— Pois se não conhece ninguém em Moape, nem tem onde ir, fica desde este instante sob a minha proteção. E não proteste, porque seria inútil.

Ela sorriu perante a veemência do rapaz.

— Vamos para a povoação — continuou ele, — procuraremos alojamento para si, e certamente que amanhã haverá maneira de arranjar todo este enredo. Agora já é muito tarde e devemos ir descansar.

— Você é muito bondoso — murmurou ela, emocionada.

— A caminho — replicou Tony, como resposta, procurando ocultar a sua perturbação.

Moapa não estava longe e em toda a povoação não havia mais que um hotel, pelo que não perderam tempo a escolher.

Ao entrarem no vestíbulo bem iluminado, ambos os jovens se olharam avidamente, e embora ela tivesse voltado a cara quase imediatamente, com as faces vivamente ruborizadas, Anthony convenceu-se de que em toda a sua vida não tinha visto uma rapariga mais bonita.

De olhos enormes, rasgados e intensamente azuis, com arqueadas pestanas, compridas e espessas, finas sobrancelhas perfeitamente desenhadas, nariz pequeno e graciosamente arrebitado, fronte alta e um queixo tão expressivo como firme; tudo isto emoldurado pela sedosa cabeleira curta, a que a luz dava brilhos de cobre, faziam um rosto adorável que, além do mais, descansava sobre um maravilhoso pedestal de linhas revolucionárias.

«Que monumento!», teria exclamado o rapaz, se não estivesse demasiadamente deslumbrado, para pensar como um ser normal.

Só quando saiu do hotel, depois de ter deixado convenientemente instalada a espampanante preciosidade, se lembrou de que nem sequer sabia como ela se chamava.

— Não importa — pensou. — Chamar-lhe-ei «Encanto», toda a minha vida. Mais ágil e feliz do que recordava ter estado em toda a sua vida, dirigiu-se para a pousada, onde já tinha pago alojamento para ele e para os seus cavalos.

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