segunda-feira, 30 de setembro de 2019

KNS004.06 A manada tresmalhada em louca correria e... Carol

A semana decorreu normalmente. Os dois guarda-costas de Carol tinham-se afastado, mas seguiam-nos a curta distância. Carol não tinha voltado a falar com Shelby, que também não a tinha procurado.
Naquela manhã, Shelby cavalgando junto de Donovan, disse-lhe apontando os dois estranhos californianos, que se avistavam ao longe:
— Não parecem ter pressa.
— Não, fazem-me lembrar os abutres, que espreitam a sua presa.
King, sem deixar de observar as longínquas silhuetas dos cavaleiros, resmungou:
— Se eu me pudesse livrar deles!
À noite, King afastou-se um pouco dos vaqueiros, como se quisesse estar só para refletir. Fumava pensativo, um cigarro, deixando-se embalar pela tranquilidade da pradaria. Os seus olhos acostumados à escuridão, avistavam não muito longe o ponto ígneo da fogueira dos californianos.
— O homem duro está preocupado! — ouviu-se na escuridão a voz trocista de Carol.
Shelby não respondeu, continuando a fumar.


— Sete dias sem me falar. Que génio! Para que lhe serve isso?
Ela apareceu-lhe à sua frente, vestida com uma blusa de seda branca que acariciava os seus contornos.
— Não me mace. Não o faça mais do que o necessário. Creio que já é bastante ter de suportar a sua companhia.
— Sempre tão galante!
— Não tenho outro remédio. E não me agrada fazê-lo. Sei que é filha de Stanley, um dos melhores amigos do meu pai é meu.
O rosto dela entristeceu. Agarrou a cabeça e as mãos, no regaço.
— Diz-me sempre coisas que me fazem ferir. Gosta de se sentir duro e mau, não é verdade?
— Não me é possível tratá-la doutra forma.
— Porquê? Sou-lhe assim tão desagradável? Ou tão má?
— Nem uma coisa nem outra. Talvez fosse adorável, se não tivesse mau génio e não fosse tão caprichosa. Pelo menos sabe dizer alguns galanteios...
Shelby fitou-a. Ela tinha os lábios semicerrados, carnudos e sensuais, como se ansiassem a pressão, abrasadora de outros lábios sobre os seus, e o seu busto arfava. Deitou o cigarro ao chão e pisou-o com raiva. A presença dela transtornava-o, muito mais do que estava disposto a confessar a si mesmo. Era um mal--estar perturbador que o tornava irritável e cruel.
— Deixe-se de graças e vá dormir! As miúdas impressionam-me pouco!
Ela sorriu amplamente, mostrando os belos dentes, entreabrindo-os como se estivessem dispostos a morder. Ele estreitou-a nos seus braços. Aproximou a sua boca dos lábios dela. Os olhos da rapariga fecharam-se. Afastou-a de si, sem deixar de a apertar.
— Vá-se embora! Já basta! Ouviu-me?
Ela recuou cambaleando, mas outra vez imperiosa.
— Bruto! — insultou-o —. Você não passa dum bruto selvagem! Odeio-o com. toda a minha alma!
— Sim? — sentia-se outra vez seguro de si; forte na luta, no combate, na violência; fraco no amor —. Porque não vai com os seus homens? Está a vê-los? Seguem-nos como abutres. Que ordens lhes deu? Vá com eles e não voltem a aparecer! Põem-me nervoso!
Sempre a recuar, ante a explosão de fúria do rapaz, ela recuperou a calma, rindo:
— Por isso lhes disse que nos seguissem! Sabia que o faria perder a cabeça!
Sempre a rir, desapareceu. Furioso, deveras irritado, Shelby agarrou na sua manta, e estendeu-se. Naquela noite, tardou em dormir. E não pensava em violências. Pensava naquele corpo feminino, apenas esboçado, mas já de mulher. Pensava naqueles lábios rubros e como seria doce, senti-los entre os seus. Pensava em Carol. E não para a odiar.
Ao amanhecer, enquanto a maior parte dos vaqueiros desfilavam ante a marmita fumegante de Mart, começaram a acontecer várias coisas. A primeira, foi um tiro que quebrou a limpeza da manhã e a seguir o barulho dum galope furioso, ao mesmo tempo que a voz de Medina anunciava:
— Atenção, bandidos!
— Às armas! — bradou King, empunhando os seus «Colts».
Os homens prepararam-se todos para se defender. Estavam a ser atacados por uma dúzia de salteadores que cavalgavam os seus «póneis» selvagens. Não vinham com intenções pacíficas, nem pareciam dispostos a exigir um tributo, mas deviam vir para assaltar a manada. Donovan, arrastando-se até ao lugar donde Shelby disparava, disse:
— Começam as primeiras dificuldades! Estes são enviados especiais!
Shelby compreendeu. Sim, eram enviados daquele que em Abilene mandava envenenar as manadas. Era claro que procuravam eliminá-los.
Com a fúria que lhe proporcionava o desespero, King centuplicou a rapidez dos seus disparos, escolhendo com cuidado os seus alvos. Os seus homens entrincheirados, procuravam repelir o ataque. Não havia dúvida que eram experimentados e conheciam os meios de se defender, fosse qual fosse o ataque.
Escolheu um cavaleiro que cavalgava ao estilo índio e premiu o gatilho. O alvo era difícil, dada a posição do pistoleiro, quase oculto pelo corpo da sua montada, mas foi atingido em cheio e saltou como que comprimido por uma mola.
O que o seguia teve de saltar para o não pisar e isso perdeu-o. Um novo tiro de King atirou-o por terra, sendo pisado pela sua própria montada. O bando atacava em círculo à maneira dos apaches. Era uma carga científica, repetida dezenas de vezes, em ocasiões anteriores. Mas os defensores conheciam o terreno que pisavam e tiravam os maiores benefícios da sua posição.
Medina, deitado junto da guitarra, disparava a carabina com precisão. A cada corpo que caía, soltava uma gargalhada e dando com o cotovelo no instrumento, dizia-lhe:
— Estás a «topar»?
Mart, entrincheirado entre as panelas e caçarolas, apontava meticulosamente e quando acertava, traçava um risco com um pedaço de carvão, num saco de batatas que tinha ao pé de si.
Também Donovan disparava com rapidez, embora sem grande êxito.
Entretanto, o gado estava inquieto com o tiroteio e farejava o ar com nervosismo.
— Cuidado com os estampidos! — avisou Shelby, enquanto substituía uma carabina pelos «Colts».
Os salteadores iam cedendo pouco a pouco, ante a desesperada defesa e vendo que não reduziam os valentes defensores concentraram o seu ataque na enorme manada, procurando provocar o pânico.
O gado já estava inquieto e as primeiras reses puseram-se em marcha e, matreiramente, os pistoleiros começaram a guiá-las para o terreno ocupado pelos «cowboys», disparando sobre elas. Foi Shelby quem se apercebeu do enorme perigo que os ameaçava.
— Retirem-se! Afastem-se todos! Estão a fazer com que a manada venha sobre nós!
Precipitadamente, cada qual procurou pôr-se a salvo. Correndo de um lado para o outro, tratando ao mesmo tempo de repelir o fogo que os «pistoleiros» faziam, os vaqueiros perderam num momento as suas excelentes posições e a serenidade de que tinham feito gala até aquele momento. A manada pôs-se em marcha. Atrás das reses que vinham à cabeça, galopavam as restantes.
— Depressa! Salve-se quem puder!
Foi Medina, o mais novo dos vaqueiros, quem agarrando na guitarra com a mão esquerda, gritou:
— Os cavalos estão travados!
Como um relâmpago, sem pensar duas vezes, precipitou-se para o local onde os nobres equídeos estavam. A manada vinha já muito próxima e os restantes vaqueiros tremiam, presenciando o gesto suicida de Medina.
— É um valente este rapaz! — disse Mart — Sem os cavalos estávamos perdidos, mas ele...
Shelby atirou-se para a frente para o ajudar.
— Cuidado, chefe. É uma loucura!
Brady imitou-o, mas King, sem parar de correr, ordenou-lhe:
— Para trás, Brady!
Chegou perto de Medina e ajudou-o na sua tarefa. A manada estava a menos de quarenta metros. Uma distância irrisória.
— Para cima, Medina! Monta num deles!
O rapaz, sem largar a guitarra, montou o cavalo e picou as esporas. King imitou-o e encorajando a sua montada, exigiu dela a maior velocidade. O barulho das reses pisando a pradaria, era impressionante. Os dois cavaleiros tentavam fugir, correndo em diagonal, para evitarem serem destroçados. Medina estava quase salvo; mas King ainda faltava um pouco.
Brady, do lugar onde estava, apontou a carabina e começou a disparar sobre as reses mais próximas do patrão e embora lhes acertasse, apenas o aliviava momentaneamente.
Era necessário um esforço maior para sair dali, antes que a manada o alcançasse e naquele momento ouviu-se um grito:
— Socorro...!
Olharam todos para o lugar donde vinham os gritos. Carol, caída no chão, junto ao seu cavalo que coxeava, talvez com uma perna partida, fazia esforços para se levantar e fugir a uma morte certa.
Uma impressionante exclamação de assombro e dor saiu da garganta de todos os vaqueiros, que ficaram paralisados. Só King soube reagir e puxando com violência as rédeas, dirigiu o cavalo na direção de Carol.
Donovan disse:
— Não conseguirão escapar...
Mart exclamou:
— Malditos bandidos!...
Brady preparou a sua «Winchester», dizendo:
— Se não escaparem... eu acabarei com os seus sofrimentos, antes que a manada os alcance.
— Não faças isso! — disse Medina.
Brady voltou-se para o rapaz:
— Sabes o que é morrer pisado por três mil vacas?
Entretanto, King tinha-se aproximado de Carol, que corria quanto podia e gritava:
— Quieta, Carol! Eu vou buscá-la!
Agarrou-a, sem diminuir o andamento e com o braço poderoso içou-a até ao selim, onde a colocou como um fardo. Depois, a fuga.
Aquela carreira infernal, com a carga suplementar, teve algo de épico. Acariciando o pescoço brilhante do nobre animal, coberto de espuma devido ao esforço, King animava-o, enquanto a manada se aproximava cada vez mais.
Brady, com um tiro, evitou ao cavalo da rapariga, uma morte atroz. Só um milagre os poderia salvar. Um milagre baseado em décimos de segundo e na absoluta perícia do cavaleiro, aliada à resistência do cavalo. Poucos metros faltavam para se salvarem, mas também o espaço entre eles e a manada, era curtíssimo. Se os alcançassem...
Estavam quase salvos quando um dos touros, de olhos avermelhados, carregou impetuosamente, destacando-se da manada. O choque foi brutal.
O cavalo, banhado em sangue, caiu soltando um relincho de agonia e King saltou pelos ares, sem, contudo, largar o corpo de Carol. Caíram brutalmente os dois e rebolaram pelo chão. Brady acabou com o sofrimento do pobre animal, com um tiro na cabeça. A manada passou.
Os milhares de cabeças de gado, mugindo loucamente, afastaram-se, enchendo a pradaria e pondo no céu, a sombra parda da poeirada. Os bandidos tinham desaparecido, levando consigo os feridos e deixando cinco cadáveres no prado verdejante.
Shelby, deitado de bruços, tinha perdido os sentidos e deitava sangue pela boca e pelo nariz, devido à violência da queda. Carol milagrosamente, talvez que devido à proteção do braço do rapaz, apenas tinha sofrido uns arranhões. A rapariga inclinada sobre o corpo inanimado de King, soluçava enquanto procurava estancar o sangue, que corria pelas faces do rapaz.
— Salvou-me a vida!... — repetia várias vezes —. E com risco da sua...
Os vaqueiros, preocupados, fitavam o patrão. Donovan começou a dar ordens:
— Vamos, todos aos seus postos! Vamos ver o que se conseguiu salvar! É preciso recuperar a manada e começar a marcha, o mais rápido possível! Alegrem essa cara, mochos! O patrão tem a pele dura!
Deixaram Carol a cuidar de Shelby. Tinham-no colocado sobre uma manta, à sombra duma árvore. A rapariga punha panos humedecidos na testa de Shelby, aguardando inquieta, que recobrasse os sentidos. Olhava-o, sob outro ponto de vista, admirando as suas feições corretas e a beleza varonil das mesmas.
Um sentimento que há dias procurava esconder, saía impetuoso do seu coração. Impulsivamente, inclinou-se e apoiou os seus lábios virginais sobre os dele, grossos e firmes. O beijo foi longo e doce. Carol sabia que jamais se poderia separar do homem que lhe tinha salvo a vida. Sonhava com um futuro cor de rosa, sentindo nos seus, os lábios inertes do rapaz, quando de repente, verificou que estes tinham recobrado vida e que uns braços fortes a estreitavam contra o peito poderoso, impulsivamente.
Os olhos azuis de Shelby, pareciam rir enquanto a beijava. Quando se separaram, ele ironizou:
— Até que enfim te tornaste humana, pequeno diabinho!
Ela chorou e ele voltou a beijá-la, acariciando-a como se faz a uma criança, procurando tranquilizá-la.

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