segunda-feira, 2 de setembro de 2019

ARZ014.16 Uma lição de solidariedade

Cliff, sentado na alpendrada, aquecia-se ao sol. Havia já uns dias que, com autorização do doutor Graham, se levantava. O ferimento estava quase cicatrizado e o corpo recobrava as forças rapidamente.
— Você é um caso excecional — dissera-lhe o médico. Nunca vi na minha vida um homem com tanta vitalidade. Creio que se estivéssemos no Leste os especialistas dedicavam-se a estudá-lo com interesse.
E era verdade. O jovem cada dia se encontrava fisicamente melhor, embora o seu espírito, pelo contrário, sentisse uma estranha inquietação, que nem ele mesmo podia definir. Nancy não voltara a visitá-lo e isso desgostava-o. Sabia que a rapariga tinha razão, visto ele ter sido demasiado brusco com ela. Eram demasiadas as coisas que se debatiam no seu íntimo para poder responder a todos com a devida delicadeza.
Na véspera, quando estava sentado junto da chaminé, Wiekes aproximara-se para lhe dizer:
— Bem, Werfel, já pensou a resposta para a proposta que lhe fiz?
Ele desviou o olhar.
—Ainda não.
O xerife pôs-lhe a mão no ombro num gesto afetuoso.


— Não queria coagi-lo, rapaz, mas gostaria de saber uma coisa: Que é o que o prende, ou faz hesitar? Sei muito bem que não é por medo de Hudson. Já provou de sobra que não receia nada nem ninguém.
Cliff respondeu, cauteloso:
— São razões muito particulares, muito íntimas. De qualquer maneira, ainda não resolvi nada; mas posso acrescentar que o mais provável é não aceitar. Tenho de partir de Tonopah.
Wickes fez um gesto de desalento.
— Será uma pena. Tendo-o a meu lado, creio que tudo iria bem. Receio por essa gente, Werfel. Se Hudson ataca a cidade, é mais que certo que não ficará urna pessoa com vida. Falta-lhes a moral combativa para lhe fazerem frente com probabilidades de êxito.
O jovem baixou a cabeça.
— Lamento muito.
Agora, enquanto tomava o sol à entrada da casa, viu na rua Bobby que se aproximava. O pequeno, com um amplo sorriso no seu rosto vivo e sardento cumprimentou:
— Olá, Cliff. Como estás?
— Muito bem, Bobby. Como é que saíste da escola?
— Queria saber se estavas melhor e vim ver-te.
O jovem inclinou-se para a frente.
— E Nancy sabe que vieste?
— Foi ela que me deu licença.
Cliff assentiu pensativo, não deixando de olhar para o pequeno. Depois, pondo-lhe a mão no ombro, murmurou:
— Ouve, Bobby, eu vou partir de Tonopah, mas não quero deixá-los aqui a vocês. Gostaria que tu e Nancy viessem comigo. Que te parece?
Os olhos do pequenito iluminaram-se.
— Ir contigo? Ser sempre teu companheiro?
— Qualquer coisa parecida com isso.
— Seria estupendo, Cliff. Claro que quero. Quando partimos?
—Não vás tão depressa. Antes disso preciso saber se Nancy está de acordo. Qual é a tua opinião?
Bobby olhou para ele, desconcertado.
—Não sei, Cliff. Ela to dirá.
O jovem pôs-se de pé.
— Está bem; vamos falar com ela.
O pequeno pareceu hesitar.
— Não te fará mal ires até à escola?
— Não, se tu me ajudares.
Puseram-se a caminho, lentamente, apoiando-se o jovem no ombro de Bobby. Muitas pessoas que cruzaram com eles cumprimentaram Cliff amavelmente, olhando-o como se se tratasse dum herói.
—Não te dói a ferida? — perguntou Bobby.
Ele abanou a cabeça e nos lábios desenhou-se-lhe um sorriso. O contacto com o ar, o sol e o exercício físico, embora fosse simplesmente o andar, pareciam reavivar as Suas forças, fazendo circular o seu sangue com novas energias. Quando chegaram à escola, Nancy, vendo-os entrar, não pôde ocultar um gesto de sobressalto.
— Enlouqueceu, Cliff? Ainda não está em condições de andar na rua. Se o doutor Graham sabe...
— Ora, encontro-me perfeitamente — interrompeu-a ele. — Este passeio vai fazer-me muito bem.
Dos olhos dela não desaparecia a sombra do receio.
— Oxalá não se engane. Uma recaída poderia ser-lhe fatal.
Voltou-se para o pequeno, dirigindo-lhe um olhar de censura.
— Porque o deixaste vir? Devias impedi-10-Bobby desculpou-se.
— Eu tentei, mas não fez caso. Estava empenhado em falar consigo.
A rapariga olhou para Cliff.
—Estava empenhado em falar comigo? De quê?
Cliff colocou-se em frente dela.
—Ouça. Já falei com Bobby e ele está de acordo. Você sabe que eu vou partir de Tonopah, mas não posso fazê-lo deixando-os aos dois aqui. Existe o perigo de que Hudson desencadeie um ataque e... bom, não quero que lhes aconteça algum mal. O que eu pretendo, é que você e o pequenito venham comigo.
Nancy escutara-o em silêncio, fitando-o com insistência. Esperou que ele acabasse de falar e, depois, com surpreendente serenidade, murmurou:
— Leve o Bobby se quiser, mas eu não o acompanharei.
Cliff arqueou uma das sobrancelhas.
— Não me acompanha? Porquê?
Nancy apertou os lábios, unindo as mãos no regaço.
— Olhe, Cliff, eu sou urna mulher que, como todas as do meu sexo, costumam assustar-se quando ouvem a detonação dum revólver. Tenho medo das brigas e a simples vista do sangue põe-me doente.
Aproximou-se da janela, olhou para o pátio onde brincavam os pequenitos e depois voltou-se novamente para o jovem.
— Mas apesar de tudo, sou incapaz de fugir do perigo, abandonando os meus companheiros e as crianças que foram confiadas aos meus cuidados. Se eles ficam, eu ficarei também.
Cliff aproximou-se da rapariga.
— Mesmo expondo-se a cair nas mãos de Hudson?
Nancy suportou o seu olhar.
— Mesmo expondo-me a isso.
O jovem deitou o chapéu para a nuca num gesto de impaciência.
— Escute-me, Nancy; tire da cabeça essas estúpidas ideias humanitárias. Ficando aqui não consegue evitar que Hudson liquide todos os habitantes de Tonopah. Se tem uma oportunidade de salvar-se porque não há-de aproveitar? Que consegue com o seu sacrifício.? Nada, absolutamente nada. Além disso, não há ninguém que mereça o seu sacrifício. A rapariga fitou-o penalizada.
— Nisso reside a diferença que existe entre mim e você. Para si, os seus semelhantes não são dignos de nada que se faça por eles; para mim, ao contrário., todos os seres humanos devem unir-se e auxiliar-se mutuamente. Creio que nesta solidariedade é que reside o verdadeiro valor do espírito.
Cliff meteu os polegares na cartucheira.
— É urna forma como qualquer outra de chamar-me cobarde.
A rapariga aproximou-se dele pondo-lhe a mão no braço.
— Não, Cliff, eu sei que você não é um cobarde. Pelo contrário, demonstrou-me que possui uma coragem quase suicida. Mas acontece que você não crê na nobreza dos homens e eu sim. Esta é a diferença.
Ele continuava diante da rapariga com os punhos apertados.
— Então, não quer vir?
— Não poderia, Cliff. Como hei-de deixar todas estas crianças, e toda esta gente aterrada ante um futuro incerto? Seria como um soldado que desertasse ante o inimigo. Quero correr a mesma sorte dos meus alunos e dos meus companheiros. Se me salvar, será porque todos se salvaram.
Cliff permaneceu indeciso. Nancy sorriu docemente, ao tempo que acrescentava:
— Mesmo assim, obrigada por ter pensado em tirar--me daqui.
O jovem dirigiu-se para a porta, mas antes de sair voltou-se ainda um momento para olhar a rapariga.
— Compreende que esta cidade depressa se converterá num inferno, que isto é uma ratoeira?
— Sim, compreendo muito bem—respondeu ela com firmeza.
Quando Cliff se foi embora, Bobby olhou para Nancy com os olhos muito abertos.
— Não vamos com ele? A jovem rodeou-lhe os ombros com uni abraço.
— Tu sim, Bobby. Se ele quer levar-te, irás com ele.
O pequenito desviou o olhar.
— Se «miss» Nancy fica, eu não quero. ir. Direi ao xerife que me dê uma pistola para lutar contra Hudson.

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