domingo, 1 de setembro de 2019

ARZ014.15 Continuam as tentativas para convencer o ajudante de xerife

Nancy entrou com a bandeja e, ao vê-la, Cliff ergueu-se na cama.
— É o seu almoço — murmurou a rapariga.
Enquanto ela lha colocava sobre os joelhos, o jovem examinou o conteúdo com avidez.
— É muito pouco — protestou.
— O médico diz que deve habituar-se pouco a pouco. Seria prejudicial dar-lhe muita comida de repente.
Cliff começou a comer, valendo-se quase exclusivamente da mão esquerda. Nancy sentou-se numa cadeira e contemplou-o em silêncio. Depois, ao fim duns momentos, rompeu o mutismo para dizer:
— Já pensou o que vai responder a Wickes?
Ele levantou a cabeça.
— Responder-lhe sobre quê?
— Refiro-me à proposta que lhe fez, de ficar em Tonopah como ajudante do xerife. Cliff franziu as sobrancelhas.
— Quem lho disse?
— Ele próprio. Explicou-me a conversa que tiveram no outro dia e pediu-me para tentar convencê-lo a aceitar.
O jovem fez um trejeito de desagrado.
—Pelo visto, Wickes supõe que você tem muita influência sobre mim.


Nancy corou.
—O xerife não supõe nada disso. Simplesmente, deseja que você aceite a proposta e, para o convencer, recorre a todos os meios. Ele sabe que durante estes dias passámos juntos muitos perigos, e é natural que imagine ter nascido entre nós uma certa amizade. É tudo.
Dirigiu ao jovem um olhar de censura, e acrescentou com acento doloroso:
— Porque é você tão desconfiado, Cliff? Julga sempre que procedemos de má fé.
Ele ficou calado durante uns instantes e murmurou por fim:
— Desculpe, não quis magoá-la. Esqueça o que lhe disse.
Nancy retirou a bandeja, colocando-a sobre a mesa de cabeceira.
—Bem, ainda não respondeu à minha pergunta.
— Não posso fazê-lo porque antes tenho de responder a mim próprio.
— Então ainda não sabe o que vai fazer?
Ele assentiu.
— Tal como diz. Não sei ainda o que vou fazer.
Nancy mexeu-se na cadeira, contrariada.
— Não foi suficiente para si estar duas vezes às portas da morte? Não compreende que se tenta partir, Hudson o apanhará antes de percorrer alguns quilómetros? Esse homem odeia-o, Cliff, e a partir de agora concentrará todos os seus esforços para o matar. Ou supõe que esquecerá a tareia que lhe deu? Não seja ingénuo. Todos os seus homens andam neste momento a percorrer a pradaria à sua procura. Tonopah é o único refúgio relativamente seguro que tem.
Cliff encolheu os ombros.
— Talvez tenha razão, mas eu não posso ficar aqui. É preciso que tente escapar-me para o Sul.
Ela parecia admirada.
— Porquê?
O jovem voltou para a rapariga os seus olhos duros.
— Já esqueceu quem eu sou? Pois eu não e vou lembrar-lho. Sou Cliff Sheridan, um dos membros mais ativos da quadrilha de Lloyd Hudson. Faz ideia do contente que vai ficar Wickes quando o descobrir? Vai dar-me um prémio ou uma medalha, com certeza.
Nancy pestanejou.
— Não tem maneira de descobrir. Quando o perigo tenha passado, então poderá seguir para o Sul.
— Não tenha ilusões. Além disso, o perigo é muito maior do que supõe. A Hudson e à sua gente não se apaga facilmente da circulação e, duma ou doutra forma, o xerife acabaria por saber que o seu flamante ajudante é nada mais nada menos que Cliff Sheridan.
A rapariga, impaciente, apertava as mãos.
— São tudo simples suposições, Cliff. Só Bobby e eu conhecemos a sua verdadeira identidade, e ambos saberemos guardar segredo. Bobby adora-o e deixar-se-ia matar antes de o trair; quanto a mim, parece-me já lhe ter provado que sei guardar um segredo.
Cliff escutava-a pensativo. De repente, perguntou:
— Nancy, porque tem tanto interesse em que eu fique em Tonopah?
A rapariga ficou uns instantes desconcertada.
— Já lho disse quando Bobby e eu fomos à sua procura — balbuciou. — Você sabe como lutar contra Hudson. O xerife, sozinho, nada pode fazer; mas se você o ajudar, é possível que exista salvação para todos. Não sabe como toda a gente fala de si. Consideram-no quase um herói invencível.
— Deveras? Suponho dever-lhe isso a si, em grande parte.
Ela hesitou uns instantes.
— Não tanto como a Bobby... Mas a verdade é que não fizemos mais que contar o que vimos. Cliff ficou uns momentos pensativo e depois olhou para a rapariga.
— Portanto o que pretendem é que eu me encarregue de organizar a defesa da cidade de Tonopah.
— Sim. Já que as autoridades não se preocupam connosco, não temos outro remédio senão valermo-nos dos próprios meios. Tarde ou cedo, Hudson acabará por assaltar a cidade. E devemos estar preparados a fazer-lhe frente.
O jovem mostrava-se inquieto.
— Mas porque hei-de ser eu precisamente quem suporte a responsabilidade? Que fizeram de mim todos esses homens e mulheres? Não estou em dívida com ninguém...
Hesitou um momento e acrescentou:
— … exceto a si.
Nancy ficou calada uns momentos, olhando-o fixamente.
— Lá vem outra vez o seu ódio pelos seus semelhantes.
Ele apertou os dentes com força.
— Não é ódio. É desprezo, é a profunda convicção de não merecerem que me sacrifique por eles. Foram muitos os anos que passei perseguido por todos, como cães de fila. E porque me perseguiam como se eu fosse um animal venenoso? Só porque lutara pelos meus ideais, porque lutara desinteressadamente por uma causa que julgava justa. Podem agora exigir-me um sacrifício, agora que todos veem a pele em perigo?
Nancy mordeu o lábio inferior.
— O perigo é coletivo, Cliff. Você, embora não queira, vê-se ligado à nossa sorte.
O jovem deu uma risada sarcástica.
— Não creia, Nancy. Eu não estou ligado à sorte de ninguém. Você imagina que Hudson me teria encurralado se fosse sozinho? Pois está enganada. Eu podia iludi-los, escapar ao seu cerco e fugir livremente para o Texas ou Novo México. Mas estavam ali você e o Bobby e tive de voltar a Tonopah para os pôr a salvo. Quando me restabeleça deste ferimento, conheço cem truques para tentar fugir novamente com todas as probabilidades de êxito.
Nancy empalidecera e permanecia encolhida, quase sem poder falar. Por fim murmurou:
— Então, Bobby e eu, em lugar de sermos uma ajuda, fomos para si um fatal tropeço. Por nossa culpa é que não pôde realizar o seu intento.
Cliff voltou para ela os seus olhos ardentes.
— Evidentemente.
A rapariga ficou rígida, sem saber que fazer, profundamente magoada com as palavras do jovem. Deu uns passos indecisos no aposento, parando por fim em frente de Cliff.
— Sinto-o deveras. Julguei que, impedindo-o de partir, só o ajudava, mas, pelo contrário, causei-lhe um gravo prejuízo. Não receie, que aprendi bem a lição. Nunca mais voltarei a meter-me na sua vida.
Deu meia volta e saiu apressadamente do quarto. Cliff ficou durante algum tempo com os olhos cravados no tecto. Sem saber exatamente porquê, sentia ter falado à rapariga com aquela dureza. Já o fizera com outras mulheres, e nunca experimentara aquela sensação de culpabilidade. Passou a mão pela fronte, pensando que desde há algum tempo lhe aconteciam coisas muito estranhas. Interrompeu-o a entrada de Wickes.
— Que aconteceu à Nancy? Saiu quase a correr e nem sequer me respondeu quando lhe perguntei o quo tinha.
Cliff fechou os olhos.
— Tinha pressa de regressar à escola. Havia já bastante tempo que estava ausente e não estava tranquila com os pequenos. Quer fazer-me um favor, xerife? Feche-me a janela. Gostaria de dormir um bocado.
Quando Wickes saiu do quarto, Cliff continuou acordado na penumbra. Tinha muitas coisas em que pensar.

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