quinta-feira, 5 de setembro de 2019

ARZ014.19 Sacrifício por amor

O precipitado regresso de Cliff e do seu grupo de cavaleiros causou um verdadeiro alarme em Tonopah.
— Hudson dirige-se para aqui com toda a sua quadrilha. Os homens com quem tropeçámos eram os exploradores — explicou o jovem a Wickes. — Tenho a certeza de não me enganar.
O xerife esfregou o queixo, pensativo.
— Quanto tempo acha que podem demorar a chegar aqui?
— Uma hora, pouco mais ou menos. É preciso organizar a defesa sem perda de tempo.
Wickes fitou-o nos olhos.
— Tem a certeza de que não se trata de um falso alarme?
Cliff sustentou o olhar.
— Escute, xerife, não me pergunte porquê, mas sei que quando Hudson envia à frente um grupo tão numeroso é porque ele vem atrás com o resto da sua gente. E o facto de a quadrilha inteira se pôr em ação é porque se propõe assaltar uma cidade. Que outra povoação, além de Tonopah, há aqui em muito quilómetros em redor? Nenhuma.
O xerife abanou a cabeça num gesto afirmativo.
—De acordo, Werfel. Vamos começar imediatamente os preparativos. Toda a cidade de Tonopah se pôs em ação, presa duma febril atividade.


 Obedecendo às ordens de Cliff e Wickers, as mulheres e as crianças fecharam-se nas casas, trancando as portas e janelas. O mesmo fizeram os alunos da escola. Na rua unicamente ficaram os homens em condições de combater.
Cliff comandava um grupo numeroso; fez levantar na rua principal uma série de barricadas compostas por carroças voltadas, móveis, barris e toda a espécie de utensílios, a fim de dificultar a entrada na cidade. Todos, instintivamente, vinham junto dele receber instruções, e o próprio xerife acabou por aceitar naturalmente a autoridade do jovem, cujas determinações punha em prática sem discussão.
Os defensores foram distribuídos por grupos, a cada um dos quais foi distribuído um local para defender. Uns deviam postar-se nas barricadas da rua, outros nas esquinas, terraços e janelas dos edifícios mais próximos.
Quando terminaram os preparativos e cada homem ocupou o seu posto de defesa, Cliff entrou na repartição do xerife à procura duma caixa de munições. Não pôde ocultar um gesto de surpresa ao encontrar ali Nancy que, naquele mesmo instante, se apoderava duma das espingardas do armeiro.
— Que faz você aqui?
A rapariga voltou-se para ele, apertando a arma contra o peito, ao mesmo tempo que no seu rosto, terrivelmente pálido, os olhos brilhavam de receio.
— Não quero expor-me a que as crianças e eu sejamos prisioneiros de Hudson. Defender-me-ei.
Cliff aproximou-se dela.
— Seria melhor ajudar o doutor Graham a tratar dos feridos. Vai havê-los.
Ela humedeceu os lábios secos.
— Não poderei...
Passou a mão trémula pela fronte e repetiu:
— Não poderei estar tranquila sabendo o que acontece na rua. A cada momento imaginarei que você vai entrar com uma bala no corpo...
Cobriu o rosto com as mãos e ficou calada. Cliff pôs-lhe a mão no ombro, notando que a rapariga tremia.
— Nancy, é preciso ter confiança. Não esqueça que estou habituado a lutar e que não me exporei sem necessidade.
Ela descobriu o rosto, no qual se lia um profundo desespero.
— Que não vai expor-se? Cliff, você mesmo disse-me uma vez que quase lamentava que Hudson o não tivesse matado quando o encontrámos na pradaria; e se depois do ocorrido nas montanhas conserva a vida é quase um milagre. É a sua temeridade, o seu desprezo pela vida, que me mete medo.
Ele abanou a cabeça, pensativa.
—Não, Nancy, eu não penso agora como quando me encontraram; eu sinto agora um verdadeiro desejo de viver e não lamento já que Hudson me não matasse. E sabe quem é a causa desta mudança?
Ela fitava-o sem dizer nada.
— Você, Nancy — murmurou o jovem.
As lágrimas assomaram aos olhos da jovem, que balbuciou com um acento quase desfalecido:
— Cliff...
Nem ele próprio soube nunca como aquilo aconteceu. De repente, encontrou-se apertando nos braços a esbelta figura de Nancy e beijando-a apaixonadamente nos lábios. Ela abandonou-se primeiro, mas dois, como se obedecesse a uma súbita reação, deitou-lhe os braços ao pescoço e devolveu-lhe o beijo com ardor. As suas bocas permaneceram longos momentos unidas, e quando se separaram, a rapariga reclinou a cabeça no largo peito
—Nancy! Nancy! É uma loucura o que estamos a fazer...
Ela ergueu para ele o seu rosto radiante.
—Porquê? Eu amo-te, Cliff, amo-te desde o primeiro dia, desde o momento em que te encontrei moribundo na pradaria. Agora sei porque não revelei a ninguém a identidade. Apaixonara-me por ti. Será que tu não me amas?
O jovem juntou a sua face à da rapariga.
— Claro que te amo. Só por ti fiquei em Tonopah, porque não podia partir sabendo que tu ficavas em perigo. Mas eu não posso oferecer-te nada, sou um criminoso que terei sempre de fugir. A minha vida será sempre uma fuga contínua.
Nancy apertou-o mais contra si.
— Sabendo que me amas, nada me interessa, Cliff. Seguir-te-ei para aonde quer que vás, e a tua vida será a minha. A única coisa que conta para mim é estar a teu lado.
Ele acariciou-lhe os cabelos com ternura.
—Pobre Nancy. É um sacrifício demasiado duro o que queres impor-te. Esquece-me, será o melhor para ti. Se sairmos desta com vida, partirei para muito longe.
Ela segurou-o com um gesto frenético.
— Não, Cliff, não deixarei que te separes de mim. Eu amo-te e preciso de ti para viver. Se tu partires, eu irei contigo; se tu morres, quero que morramos juntos. Contigo para sempre, Cliff.
Ele tomou-lhe o rosto entre as mãos e fitou-a tristemente nos olhos.
—Pobre Nancy, melhor seria que nunca me conhecesses. Eu...
Uma salva de tiros interrompeu-o bruscamente. Soltou a rapariga e, deitando a correr, ordenou:
— Vai para a escola e não. saias dali!
Nancy viu-o sair e a sua mão trémula aferrou-se à espingarda. Sabia o que aqueles contínuos estampidos significavam. Hudson e a sua quadrilha acabavam de chegar.

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