Ensinou-o a cavalgar, a lutar, a usar o laço, a esfolar e esquartejar
reses, a utilizar todos os meios de que dispõe um bom «cow-boy» para exercer o
seu ofício. O rapaz tudo isto aprendeu com rapidez. Mas Bem-Tim nunca estava
satisfeito e os repelões nos cabelos crespos de Drew sucediam-se com
frequência. O rapaz cerrava dentes e insistia mil vezes nas suas tentativas até
conseguir que o «professor» resmungasse:
- Não está mal.
A esta condescendência, Drew respondia com algum palavrão,
também murmurando em surdina.
E o revólver? Bem-Tim era um «gun-man» dos pés à cabeça.
Quando se tratava de disparar com rapidez, o revólver parecia saltar para a sua
mão num impulso próprio e a bala seguia direitinha ao alvo escolhido, acertando
com uma precisão milagrosa.
Quantas horas gastaram o homem e o rapaz, sozinhos em
qualquer sítio afastado do rancho, disparando sem cessar contra os objectos
mais inverosímeis?... Era um inferno para o pequeno Drew. As exighÊncias de
Bem-Tim, naqueles exercícios, chegavam a extremos inconcebíveis. A maneira de
se colocar… de arquear os braços para deitar a mão ao «Colt»… de abrir os dedos
como raios de uma roda… e de empunhar a coronha, erguer o revólver e disparar
sem intervalos… Tantos e tantos detalhes meticulosamente estudados e praticados
milhares de vezes, sem desculpa para o mais pequeno erro.
Colocados lado a lado, o homem e o rapaz podiam parecer a
qualquer observador ocasional dois bonecos movidos pela mesma corda: a mesma
posição, os mesmos gestos e o mesmo cérebro que mandava em duas mãos distintas…
O rapaz era exímio em acertar no alvo sem fazer pontarias demoradas. As balas
do seu revólver alojavam-se exatamente ao lado dos projéteis disparados pelo
«professor». Muitas vezes acertavam nestes, precisamente no ponto requerido,
mas sempre ligeiramente atrasados. A escassa margem de tempo que separava os
tyiros foi-se encurtando, pouco a pouco, até converter-se na fração de segundo.
E Bem-Tim continuava a brindar o discípulo com safanões e sarcasmos. E o
discípulo continuava a cerrar os dentes aplicando-se aos exercícios com
extraordinária obstinação.
E um dia… os estampidos dos revólveres soaram ao mesmo
tempo. O aluno igualava-se ao mestre. Bem-Tim não encontrava algo de humilhante
para dizer a Drew. Apenas lhe dirigiu um rápido olhar querendo, talvez,
surpreender na face do pupilo uma expressão de orgulho. Mas Drew permanecia
sério, sem mostrar os seus sentimentos. E chegou a altura em que o disparo do
rapaz se adiantou ao de Bem-Tim. Uma diferença de quase nada, um brevíssimo
instante… Ambos deram conta do milagre ocorrido. Bem-Tim, em vez de olhar de
soslaio o seu aluno, fê-lo abertamente. E viu-o pálido, trémulo, terrivelmente
assustado pela própria façanha, quase envergonhado e pesaroso por tê-la
cometido. Bem-Tim desatou a rir e aproximando-se do rapaz abraçou-o virilmente
contra o peito enquanto lhe dava uma tremenda palmada que o deixou sem fôlego
durante algum tempo. Então, no coração do rapazinho, alguma coisa se derreteu:
algo muito terno e doce que o inundava de prazer.
- Bem. Já está! – disse Bem-Tim.
- Jul… Julga isso?- gaguejou Drew.
O rosto do «professor» revestiu-se de uma expressão de
gravidade.
- Sim. Está feita a coisa em que eu me empenhei. Atrás do
teu revólver és um homem invulnerável, um pequeno deus atrás das nuvens
protetoras. Tornei-te dono do raio! Podes fulminar homens com a tua mão. Podes
fulminá-los segura e infalivelmente. Mas não o faças! Nunca o faças a não ser
em defesa da tua própria vida. Ouves-me bem? Se não fizeres isso, se algum dia
abusares do poder que te dei, um poder demasiado grande… dava cabo de ti!
Drew estava pálido e assustado.
- Sim… Sim – murmurou.
- Juras? Juras que não puxas do revólver a não ser em último
caso e lamentando ter de o fazer?
- Sim. Sim. Juro!
- Bem, meu rapaz. Assim não terei de me arrepender de ter
feito isto por ti. Se bem que… não sei! Estou quase, quase a começar a ficar
arrependido!...
(Coleção Búfalo, nº 47)
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