Fred enlaçou-a, carinhosamente, surpreendido por aquele impulso apaixonado. Mas mais surpreendido ficou ainda pelas lágrimas que lhe brotavam dos olhos e pela intensa tremura dos lábios.
— Acalma-te, Vicky. Que se passa?
— Estás ferido...
— Ah! Vamos... vamos... Não estou ferido.
A jovem olhou para a mancha da camisa e Fred mostrou-lhe a palma da mão.
— Foi apenas uma ligeira escoriação.
Vicky pareceu ficar convencida, mas insistiu:
— Ouvi dois tiros.
— Eram caçadores furtivos.
— Envolveram-se em luta?
— Não. Informei-os -de que esta parte do monte pertencia a «mister» Stiles e eles foram-se embora.
— E esse ferimento?
— Foi devido a ter-me agarrado a um galho quebrado. Cravou-se-me aqui uma farpa, mas não é coisa de importância.
Vicky pegou-lhe na mão e beijou-a repetidas vezes.
— Apanhei um susto! — exclamou com mimo.
— Minha flor!...
Acariciou-lhe as faces e uniram as mãos ternamente.
— A Anita está de muito mau humor — disse a jovem com ar alegre.
— De que se queixa ela?
— Eu suponho que será reumatismo... Tem reumatismo — repetiu a jovem soltando uma alegre gargalhada que a Fred soou como uma música celestial.
Mas, ao mesmo tempo que sentia aquela tão doce sensação, recordou-se da tempestade que pairava sobre a sua cabeça. Deteve-se e confidenciou: — Temos de falar de qualquer coisa muito importante, Vicky.
A jovem mostrou-se assustada em face daquela grave expressão, mas procurou reagir e perguntou:
— Que coisa será essa tão importante para ti e para mim?
— Tenho de me retirar.
O rosto da jovem transformou-se por completo. O seu rosto adquiriu a cor da cera, cerraram-se-lhe os olhos e os seus lábios trocaram o alegre sorriso por um trejeito de tristeza. Não disse palavra; permaneceu imóvel durante longos minutos. Depois, apertou a mão ao homem e começou a caminhar.
Fred quis insistir, mas não ousou aprofundar a chaga que acabava de lhe abrir no peito. Seguiu mansamente atrás da rapariga, tentando encontrar uma saída, um remédio para mitigar o mal que acabara de provocar.
Encaminharam-se para um recanto rochoso. Os enormes penedos formavam um círculo de uns seis metros de diâmetro, em cujo centro cresciam dois grandes álamos, como se mãos delicadas ali os tivessem propositadamente colocado.
O solo estava atapetado de sálvia de flores azuis, que atingiam a altura dos seus joelhos.
O sol extinguira-se já para lá das altas montanhas, em torno das quais, como um pano de fundo, aparecia um céu avermelhado, enquanto as redondezas mergulhavam nas sombras da noite.
Sobre a esguia rama de uma frondosa árvore, uma palradora pega fazia ouvir um estranho canto, espécie de rapsódia de vozes de outros pássaros que imitava desconcertadamente, conseguindo, no entanto, executar uma agradável melodia.
O tapete da sálvia agitou-se à passagem de uma lebre que surgiu inesperadamente no topo de um rochedo, para desaparecer no mesmo instante.
— Vicky, quero que compreendas.
Ela encarou-o e sorriu-se com tristeza. O homem quis prosseguir a conversa, mas a jovem apoiou-lhe um dedo sobre os lábios.
— Cala-te, Fred.
O proscrito conseguiu dominar-se e prosseguiu:
— Tens de escutar-me.
Ela acenou negativamente.
— Não é necessário, Fred. Já sei o que vais dizer-me; sei-o desde o primeiro dia que confessei a mim própria que estava apaixonada por ti. Não alimentei ilusões... acredita... e agora, ainda que isso me seja muito doloroso, compreendo.
— Tenho de partir.
— Eu sei.
— Mas quero que me compreendas. Vou-me embora porque, se assim não fizer, estou em risco de comprometer teu pai, não falando já no abuso da sua hospitalidade. Parto porque era possível que te visses obrigada a assistir à minha morte e isso ainda seria mais doloroso.
— Sei tudo isso, Fred...
O homem ficou desarmado.
— Então?...
— Sabia tudo isso... e conformei-me... Mas hás-de perdoar, Fred, aquilo que vou dizer-te. Não quero perder-te sem antes conhecer o teu amor. É-me indiferente o que possa vir a sofrer depois.
— Vicky...
— Amo-te, Fred. Amo-te mais do que à minha própria vida.
O proscrito curvou a cabeça. Compreendia perfeitamente a rapariga porque ele sentia também a mesma coisa. Naquele momento não lhe importava o futuro, não lhe importava nada... nem sequer a Morte. Apenas podia compreender a doçura daquele amor.
E quando ela lhe ofereceu os lábios, beijou-a com todo o fogo da sua paixão.
— Sofri mais agora, ao ouvir as detonações, do que poderei vir a sofrer depois da tua partida.
— Pois estás completamente equivocada — sorriu ele para a encorajar. — E talvez te equivoques depois, sofrendo inutilmente.
A jovem não respondeu. Olhava-o com ternura e ele sentiu-se na obrigação de formular uma promessa.
— Um dia regressarei. Não imagino quando será, mas este estado de coisas não pode eternizar-se. O tempo apaga e cicatriza. O tempo nos ajudará. Um dia regressarei, Vicky.
Ela concordou em silêncio.
— Mas acautela-te — disse a rapariga.
— Saberei defender-me, não o duvides.
— Foste já ferido por diversas vezes.
— Com o meu pensamento em ti, isso não voltará a acontecer.
O sorriso de Vicky era triste, mas era deslumbrante. Sentaram-se na relva, encostados ao tronco de uma das árvores. Estavam completamente ocultos, inclusivamente da própria lua, encoberta por detrás dos altos rochedos.
Vicky obrigou o mancebo a abaixar-se, a deitar-se sobre o tapete de relva; ela permaneceu sentada, comprazendo-se em acariciar-lhe os cabelos, as faces, o pescoço... Desabotoou-lhe a camisa com a extremidade dos dedos e tocou-lhe no ferimento.
— Ainda te dói?
Contemplou-a. O seu rosto transfigurou-se, as suas faces incendiaram-se vivamente e os olhos semicerraram-se-lhe.
— Não.
Fred apercebeu-se de que o corpo da jovem estremecia. Se tivesse tentado impedi-lo, não o teria conseguido. Qualquer coisa no seu íntimo o impelia para o abismo que, por mais horrível que viesse a ser no futuro, naquele momento se apresentava estranhamente belo, fascinante.
— Vicky...
A jovem nada mais disse. O amor selara os seus lábios. Instantes depois, a lua surgia por cima dos altos rochedos. A sua luz prateada arrancou centelhas coloridas da plumagem da pega solitária e inundou de luz difusa as sálvias azuis. E as ondulações produzidas pela brisa suave no matizado tapete de relva davam a sensação das suaves ondas do mar.
Durante aqueles minutos maravilhosos, o amor foi superior a todos os inimigos, fez recuar o tempo, deteve-o, venceu o medo, o futuro, o pensamento e a razão.
Seguidamente a paz veio ocupar o lugar do amor, apoderando-se de tudo, aprisionando todos os inimigos; vencidos. Uma paz sublime, profunda, como um letargo maravilhoso...
Depois... a razão fez ouvir a sua voz, ergueu-se imperativa e dominadora.
Era, porém, já tarde. Demasiado tarde...
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