Fred não conseguiu avistar-se com Madalena, nem nesse dia, nem no dia seguinte. A rapariga, como se tivesse pressentido o que Fred queria dizer-lhe, escapulia-se com a maior destreza.
Mas decorridos três dias, já não tinha desejo nenhum de lhe falar. Sentia-se com vontade de montar a cavalo e afastar-se dali para muito longe, para onde encontrasse os ares menos carregados. Mas se tivesse de empreender a fuga, tinha necessariamente de enjeitar o amor de Vicky. Tinha a certeza absoluta de que ela o amava e até de que se sentia muito feliz; mas entendia que lhe cabia o dever de a desenganar.
Pensou e repensou dolorosamente, sobre o assunto, estudando a maneira menos desagradável de consolar a rapariga. Procurou achar a solução no silêncio da montanha e no azul transparente do céu. Passeou durante horas seguidas, a cerca de um quilómetro de distância da cabana, cogitando no mesmo, continuamente.
Naquela tarde afastara-se um pouco mais, mas isso não lhe importava. Parecia-lhe que a distância o aliviava das suas torturas.
Estava agora num lugar semeado de pequenos rochedos onde crescia uma espécie de solvi azul, bastante alta e muito aromática. O sol caminhava já para o ocaso, quase a esconder-se por detrás de um monte distante, inundando de rosada luz o vale onde pastavam os cavalos do picadeiro, tão afastados que semelhavam minúsculos pontos escuros a sobressair do extenso e verde panorama.
Sentou-se num dos rochedos para concentrar os seus pensamentos.
Subitamente viu duas sombras furtivas que se deslocavam a cerca de cinquenta metros de distância do local onde se encontrava. Eram dois homens. Um alto e delgado e o outro, delgado também, mas de menor estatura. Foi grande o seu espanto ao vê-los ali, tanto mais que avançavam inclinados como se perseguissem alguém procurando não ser visto, ou, talvez, para espionarem fosse o que fosse.
Fred levantou-se, disposto a averiguar o que eles pretendiam. Avançou ainda alguns passos, mas, naquele preciso momento, o mais alto dos dois voltou-se inesperadamente.
Fred ficou a descoberto e imobilizou-se por completo. Estava convencido que não pretendiam fazer-lhe mal, pois quase ia jurar que não era a ele que procuravam Apercebeu-se, porém, de que o outro punha à cara a carabina «Colt» que segurava nas mãos e atirou-se, de um salto, para detrás de um rochedo.
Ouviu o ruído de uma detonação, ao mesmo tempo que uma bala de chumbo passava junto das suas orelhas. Caiu de bruços, sustendo-se e apoiando-se nas mãos. Deu uma reviravolta e ficou acachapado atrás da eminência rochosa, completamente imóvel, assombrado pela atitude daquele tipo.
Interrogou-se acerca do motivo que ali os conduzira e qual a intenção que os guiava, mas não conseguiu encontrar qualquer resposta.
Permaneceu imóvel. Não trazia armas consigo; prescindira delas durante aqueles tranquilos passeios, mas arrependia-se agora da sua estúpida boa-fé.
— Acertaste-lhe, Dicken — disse uma voz.
Aproximavam-se vagarosamente. Fred tinha ouvido o ruído produzido pelas duas armas, ao serem engatilhadas. Uma era a carabina «Colt» que acabava de ser disparada; a outra era um revólver de calibre «45».
Pressentiu que seria impiedosamente crivado de balas no momento em que fosse descoberto, mas não estava nas suas mãos fazer fosse o que fosse para o impedir. Procurava, febrilmente, uma solução para o caso até que a voz do chamado Dicken lha proporcionou:
— Naturalmente, consegui atingi-lo — respondeu.
Podia fingir que se encontrava ferido e, se o vissem, já não disparariam contra ele. Desafivelou o cinturão e com o fuzilhão da fivela fez uma funda escoriação na palma da mão esquerda. Deixou correr o sangue e quando este começou a empoçar, aproximou a mão do furo da camisa que lhe fora feito em Lamar, alguns dias antes.
Conseguido o efeito desejado, continuou a embeber o tecido da camisa no sangue que lhe escorria da mão. Não estava completamente convencido da eficácia da sua ideia, quando surgiu diante dele o homem da carabina.
Ficou imobilizado, de olhos semiabertos, de cara voltada para cima e com a mão esquerda ensanguentada um pouco mais abaixo do furo da camisa, agarrando mesma com o punho. Conteve a respiração e esperou. As fontes latejavam-lhe com violência e deixou-se avassalar por um terror mortal.
— Apanhei-o, Robin. Estás a ver? Tenho, ou não tenho boa pontaria?
— Bom, eu também a tenho. O tipo, aliás, estava ao alcance de tiro.
— Quem será o tipo?
— Sei lá bem...
— Parece que não trará nada de valor com ele.
— Isso é que se chama ter pouca sorte! Pelo menos poderia apanhar um revólver...
— Quem poderá ser?...
— Que importa isso! É apenas um cadáver. — Dicken soltou uma gargalhada. —É muito curioso tudo isto. Um homem pode ser muito grande neste mundo, mas em morrendo, não passa de um cadáver como os outros.
— Talvez seja daquela cabana que vimos há pouco.
— O que quer dizer que, se possuir alguma coisa de valor, é lá que se deve encontrar.
— É admitir que sim.
— Mas parece estar abandonada.
— Como pensas bem, meu rapaz! O melhor é irmos lá, mas sem dizer nada a «Simão». No fim de contas já nos desempenhámos da nossa missão.
Robin guardou o revólver no coldre e o outro passou a carabina para a mão esquerda. Voltaram as costas e abandonaram o corpo. Fred ergueu-se, cautelosamente, procurando não fazer o mínimo ruído.
Foi-lhes no encalço durante alguns instantes e, tomando impulso, atirou-se contra o da carabina. Dicken não pôde suportar o ataque e rolou pelo chão.
Fred puxou pela coronha da arma e, com uma rapidez incrível, descarregou-lhe uma pancada na cabeça. Arremeteu, seguidamente, contra Robin, mas como não calculou bem a distância, permitiu que o outro se esquivasse com um ligeiro movimento.
Este, por sua vez, empunhou o seu pesado revólver. Fred não teve outro recurso do que esquivar-se ao tiro, atirando-se ao solo. Engatilhou a arma e disparou. Foram dois tiros e ambos eles mortais.
Na testa de Robin apareceram dois pontos negros. Cambaleou e estendeu as mãos, como se de repente tivesse ficado mergulhado em trevas e quisesse avançar tenteando em meio da escuridão. Deixou pender os braços e deixou-se cair de joelhos, acabando por tombar para trás sem exalar um gemido.
Quando embateu com a cabeça no terreno, os dois orifícios começaram a sangrar lentamente, escorrendo sangue cada um pelo seu lado, e deixando bem marcados dois sulcos escarlates.
Alvejou Dicken disposto a disparar ao menor movimento, mas o homem permanecia imóvel. Do alto da sua cabeça manava um líquido espesso, pardacento, com manchas avermelhadas. Tinha os olhos abertos esgazeados. Por entre os lábios divisava-se um pedaço de língua arroxeada e mordida. Fred pressentiu que estava morto. Não era possível ter regulado a força da pancada.
— Lamento muito, amigo. As tuas intenções não eram melhores do que as minhas.
Olhou à sua volta, convencido de que não podia existir ali mais nenhum inimigo e então, depois de pensar um instante, pegou no mais alto dos dois e carregou com ele às costas. Arrojou-o por um barranco abaixo, de cerca de uns três metros de profundidade, situado entre rochedos e matagais. Procedeu da mesma forma com o outro e atirou com as armas para junto dos dois cadáveres.
— Por mais que faça não consigo descobrir quais as vossas intenções ao dirigirem-se para este local, mas fossem elas quais fossem, sinto-me muito satisfeito por tê-las frustrado.
A caminho já da cabana, apercebeu-se de que não tinha sentido o mínimo incómodo e, à exceção da debilidade causada por tão longa inação, tudo tinha corrido com a maior normalidade. Esta sua descoberta veio confirmar que se encontrava apto para montar a cavalo. Nada o prendia já àquele lugar. Apesar de tudo, a ideia de ter de partir horrorizava-o de certo modo.
Faltaria pouco mais de meio quilómetro, quando viu que Vicky se dirigia para ele. Quando estavam a coisa de cinco metros, a jovem lançou um grito e atirou-se-lhe ao pescoço, beijando-o com desespero.
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