domingo, 25 de agosto de 2019

ARZ014.08 Encontros inesperados na cavalariça

Cliff examinou o cavalo. Era um animal de boa estampa, ágil e resistente, próprio para fazer longas jornadas através do deserto e para grande velocidade em caso necessário.
O jovem acariciou-lhe um dos costados, obtendo como resposta um relincho de satisfação. Demorara vários dias para o conseguir, mas por fim foi mais fácil do que imaginara.
Um dos fugitivos de Clarenceville, a quem um ferimento na bacia impossibilitara de montar para o resto da vida, vendera-lho barato, pelos últimos dólares que restavam ao jovem.
— De modo que está disposto a partir?
Era o xerife quem fizera a pergunta. Encostado ao umbral da sua casa, contemplava o jovem, que fazia os últimos preparativos para empreender a viagem.
— É melhor que me vá embora — respondeu Cliff, apertando a cilha. — Em Tonopah é difícil encontrar emprego, e eu preciso dele para viver.
— Não serei eu quem o retenha, mas sinto-o sinceramente.
O jovem dirigiu-se a ele e estendeu-lhe a mão.
— Obrigado por tudo, xerife. Foi muito generoso comigo.
Deram um forte aperto de mãos.
— Que tenha boa sorte, Werfel. E procure não tropeçar com Hudson.
— Se alguma vez lhe acontecer passar por aqui, não deixe de vir cumprimentar-me.
— Assim farei, esteja certo.


Cliff instalou-se na sela e depois dum gesto de despedida, deu uma palmada no pescoço do cavalo, que meteu a trote, afastando-se da casa do xerife. Por um segundo, pensou em passar pela escola para despedir-se de Nancy e de Bobby, mas depois refletiu que era melhor não o fazer. Ao fim e ao cabo, era sempre desagradável prolongar as despedidas. Não lhe interessava que a rapariga e o pequeno conservassem dele uma má recordação ou pelo menos diligenciava crer que não lhe interessava. Visto que nunca mais voltaria a vê-los, era preferível partir sem dizer nada, continuar em silêncio o caminho difícil e solitário que a vida lhe traçara.
Abandonou Tonopah sem que alguém o notasse, seguindo a caminho do sul. O cavalo avançava com passo largo e resistente, dando a impressão de que a fadiga não o venceria facilmente.
À sua frente, Cliff tornava a ver a paisagem deserta e longa que tão familiar lhe era. De novo se encontrava na pradaria, no dorso da sua montada.
A meio da tarde, chegou a uma encruzilhada onde se erguia o edifício de adobes duma cantina. Apeou-se deixando o cavalo à solta. Depois, entrou no estabelecimento. Este não era muito grande e, naquele momento, além do proprietário, não havia mais de quatro ou cinco clientes.
Cliff aproximou-se do balcão, esperando que o proprietário viesse atendê-lo.
—Que quer amigo?
— Algumas provisões.
— Primeiro deixe-me ver o seu dinheiro.
— Não tenho, mas estou disposto a prestar qualquer serviço para as pagar.
O outro coçou o queixo, pensativo.
— Vamos ver... A cavalariça precisa duma limpeza de alto abaixo. Se se encarregar de a fazer, pagarei em géneros. Interessa-lhe?
— Contrato feito.
Na retaguarda do edifício da cantina, ficava a cavalariça. Só guardava naquele momento quatro cavalos, que Cliff supôs serem dos homens que vira a conversar com o dono da casa.
Equipado com tudo o necessário, começou a limpeza. Era uma tarefa dura e esgotante que requeria grande força e resistência à fadiga.
Havia mais de uma hora que estava entregue ao seu trabalho, com a roupa já encharcada em suor, quando ouviu uns passos que se aproximavam. Supôs tratar-se de novos viajantes que iam guardar os seus cavalos na cavalariça, e nem sequer se incomodou a levantar a cabeça.
— Cliff...
O jovem voltou-se rapidamente. Os recém-chegados eram Nancy e Bobhy. Durante uns momentos, contemplou-os cheio de assombro. Depois, na sua fronte apareceram umas rugas.
— Que fazem aqui? Para que vieram?
A rapariga fitava-o com um estranho brilho nos olhos, pálida, com as feições alteradas.
— Wickes disse-nos que partira de Tonopah.
Cliff aproximou-se deles, cravando os olhos no pequenito.
— Não te disse que não podia trazer-te comigo?
Bobby ergueu os olhos para ele.
— Mas não foste despedir-te de mim nem de «miss» Nancy. Eu queria... eu queria dizer-te adeus.
O jovem fez um trejeito, voltando-se depois para a rapariga.
— Como soube que me encontrava aqui?
— Você disse-me uma vez que quando partisse, o faria a caminho do Texas, e para isso seria preciso encaminhar-se para o sul. Ao passar pela cantina, parei e perguntei por si.
O dono disse-me que se encontrava na cavalariça.
—E porque me seguiu com Bobby? — perguntou Cliff, asperamente.
Nancy desviou o olhar para o chão.
— Você deve ter a amizade em muito pouca conta. Sabe que eu e Bobby somos seus amigos, que lhe ganhámos amizade e, todavia, parte sem nada nos dizer, sem se incomodar ao menos em passar pela escola para se despedir de nós.
Fez uma pausa, para acrescentar, num impulso:
— Quando o xerife nos disse que você já tinha partido, nem Bobby nem eu hesitámos em montar a cavalo e virmos à sua procura. Embora pense agora que a você lhe não interessa o que os outros possam sentir.
Cliff ficou um momento indeciso.
— Ainda não respondeu à minha pergunta — murmurou por fim. — Quero saber por que me seguiram. Nancy fez um gesto de desgosto.
— Pretendíamos convencê-lo a não partir de Tonopah.
O jovem passou a mão pelo cabelo.
— Fizeram mal. Eu nada tenho de fazer ali.
A rapariga mexeu-se com impaciência.
— Não compreende que precisamos de si? Você é o homem de que precisamos, só você pode libertar-nos de Hudson. Conhece-o e sabe como lutar contra ele. O próprio xerife disse que era o único que o podia igualar com o revólver na mão.
Hesitou uns instantes, continuando:
— Além disso... Bobby e eu sentiríamos muito a sua falta...
Cliff olhava-a em silêncio. O pequenito pegou-lhe numa das mãos e levantou a cabecita loura e revolta.
— Não te vás embora. Fica connosco.
Cliff acariciou-lhe os sabelos.
— Ouve-o? — murmurou Nancy. — Para isto viemos, a pedir-lhe que fique.
O jovem contorcia-se inquieto, não sabendo que responder. O ruído de patas de cavalos veio, quebrar a tensão do momento.
Entrou um homem na cavalariça, trazendo a sua montada à rédea. Todo o corpo de Cliff se pôs tenso e vibrante, como se fosse de aço, ao mesmo tempo que os seus olhos se cravaram no rosto do recém-chegado. Este parara bruscamente, olhando para o jovem com uma expressão de infinito assombro no rosto, como se contemplasse um fantasma.
Por um momento ambos permaneceram imóveis, até que o outro sussurrou, sem poder ocultar a sua surpresa:
Cliff... Cliff Sheridan...
O jovem, com o rosto convertido numa máscara de granito, respondeu:
— Sim, Rock Merrill, sou eu.
O outro parecia não poder sair do sou assombro.
—Mas tu... tu estavas mortos. Eu mesmo te vi cair.
— Sim, e tu mesmo foste dos que dispararam contra mim. Mas aquelas balas não foram suficientes para se verem livres de mim.
Nancy, que assistia a toda a cena sem intervir, viu assustada como ambos os homens mantinham a mão perto da coronha dos revólveres. Instintivamente, pegou na mão de Bobby e apertou-a com força. Depois notou que no olhar de Rock Merrill havia uma chama de medo e que ele se encolhia como um animal encurralado.
—Não, Cliff, eu não queria liquidar-te. Foi coisa de Hudson, garanto-te. Foi ele quem deu a ordem. Mas eu não queria...
Os lábios do jovem estavam apertados, num trejeito de desprezo.
— Cobarde; és um cobarde. Tu e todos vocês tinham tanto vontade de me matarem, como o próprio Hudson. Eu era um estorvo para os vossos manejos e o que aconteceu em Clarenceville foi uma magnífica desculpa para me liquidarem. Mas agora estamos frente a frente, sós, de homem para homem; prova de que és capaz, a menos que prefiras que eu te esmague como a uma serpente venenosa.
O medo dos olhos de Rock transformara-se num terror selvagem, inumano. Sentindo-se perdido, sem fuga possível, não pôde dominar os nervos e cometeu a loucura de tirar o revólver do coldre, disposto a matar o jovem.
Nem Nancy nem Bobby poderiam esquecer a cena que se seguiu. Cliff, com uma rapidez incrível deitou a mão ao seu próprio «Colt» e apertou o gatilho antes que o outro tivesse tempo sequer de fazer pontaria.
Da arma do jovem saiu uma vermelha chamarada e a detonação soou na cavalariça como se fosse um tiro de canhão. Com os olhos desorbitados, a rapariga e a criança viram uma violenta sacudidela percorrer todo o corpo de Rock, cujo revólver lhe escorregou das mãos. Depois, dobrando-se sobre si mesmo, com os membros relaxados, caiu pesadamente, ficando morto no meio da cavalariça.
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