quinta-feira, 22 de agosto de 2019

ARZ014.05 Proposta para um atirador

Cliff regressava naquela noite a casa do xerife Wickes quando, de súbito, soou um tiro nas suas costas, ao mesmo tempo que uma bala passava a zumbir junto da sua cabeça.
Instintivamente, o jovem colou-se a uma das paredes e deitou a mão do seu revólver, tentando perscrutar as trevas com o olhar. Aquela inesperada agressão fizera-o reagir automaticamente, pondo em ação os seus reflexos, o seu instinto de defesa.
Uma nova detonação rasgou o silêncio e desta vez o projétil veio esborrachar-se contra a parede a poucos centímetros do corpo de Cliff. Este encolheu-se, correndo apressado ao longo da parede para proteger-se das balas.
Foi então quando, numa esquina distante, viu a silhueta dum homem que se escondia. Cliff não podia calcular quem fosse aquele desconhecido agressor. Por um momento, pensou que se tratasse dalgum dos sequazes de Lloyd, que, vendo-o vivo, decidisse completar a obra do seu chefe. Mas em seguida afastou a ideia. Que podia fazer em Tonopah um membro da quadrilha? Ainda que a hipótese não fosse realmente descabelada. Se ninguém os conhecia naquela cidade, por que não podiam introduzir-se ali, até mesmo o próprio Hudson, para preparar um dos seus famosos golpes?


Em muitos outros sítios o fizeram, e até ele próprio fora quem examinara o terreno, duma ou outra povoação, fazendo-se passar por vaqueiro. Mas agora o seu cérebro parecia ter perdido a faculdade de pensar. Era apenas o instinto que o guiava, ditando-lhe, talvez por hábito bélico, o procedimento naquelas circunstâncias.
Com a suavidade dum felino, deu uma volta mantendo-se colado à parede oposta e procurando ocultar-se nas zonas sombrias. Ao chegar a curta distância da esquina donde partira a agressão, abriu o tambor do seu revólver e tirou as duas balas dos primeiros compartimentos. Então, apertou o gatilho por duas vezes.
No silêncio da noite, ouviram-se claramente os estalidos do percutor a bater em falso. Imediatamente, da esquina surgiu a silhueta dum homem que, erguendo a arma, apontou ao jovem, disposto a fazer fogo. Mas Cliff foi mais rápido. O seu revólver vomitou uma chamarada vermelha, ecoando na rua a detonação. O seu truque dera resultado, pois o agressor acreditou que o jovem não tinha munições.
O homem deu uns passos vacilantes, levando ambas as mãos ao peito. Depois, com a lassidão dum boneco de trapo, rolou por terra, ficando imóvel. Cliff foi até junto dele e voltou-o de cara para cima. Só então conseguiu reconhecê-lo. Tratava-se de Douglas, o gigante com quem brigara por causa de Bobby.
Atraídos pelos tiros, surgiram vários homens empunhando os seus revólveres. Mas o primeiro a fazê-lo foi Wickes que, de pistola em punho, se aproximou do local. Com as sobrancelhas franzidas, contemplou o corpo imóvel de Douglas e, depois, Cliff.
Sem pronunciar uma palavra ajoelhou-se junto do homem estendido no chão, pondo o ouvido sobre o coração. Ergueu-se lentamente, dizendo para os seus ajudantes, que também acorreram atraídos pelos tiros:
— Levem-no daqui. Já nada podemos fazer por ele.
Enquanto os homens cumpriam a sua ordem, voltou--se para Cliff:
— Você, venha comigo.
Puseram-se a andar em silêncio. Só quando chegaram a casa do xerife, este se decidiu a falar. Dos seus olhos desaparecera o olhar jovial e inofensivo. Agora, Wickes era um severo representante da Lei, em cuja expressão havia toda a firmeza e decisão necessárias.
— Bem, Werfel, espero que me explique o que aconteceu.
O jovem encolheu os ombros.
— Pouco lhe posso dizer. Eu vinha para aqui, quando alguém disparou nas minhas costas. Por sorte, errou a pontaria e não me atingiu. Eu escondi-me e pude esquivar o segundo tiro. Vi o meu agressor escondido atrás duma esquina e então disparei. Ele caiu e eu aproximei-me para ver quem era, não sabendo que se tratava de Douglas.
Na fronte de Wickes formaram-se umas profundas rugas.
— Olhe, Werfell, eu não estou disposto a consentir que alguém altere a ordem em Tonopah. Não quero tiros, nem escândalos, nem brigas. Bastantes preocupações tenho com Lloyd Hudson, para que ainda vocês se entretenham a matar-se uns aos outros.
— Escute, xerife; não fui eu quem o atacou a ele, mas ele a mim. Por meu lado, não fiz mais do que defender-me.
Wickes fitou-o nos olhos.
— Que motivos podia ter esse homem para o matar?
Cliff não pôde evitar um gesto de assombro.
—O senhor sabe muito bem o que aconteceu naquele dia em que ele bateu no Bobby. Suponho que quis vingar-se da tareia que lhe dei.
O xerife ficou pensativo.
— O ter recebido uns quantos socos não me parece que pesa induzir um homem a matar um seu semelhante.
— Pelos vistos a Douglas parecia-lhe uma causa mais que suficiente. A prova é o que tentou.
Wickes esfregou o queixo.
— Não me dou por satisfeito, Werfel. Quero fazer primeiro algumas averiguações. Entretanto, considere-se detido e não saia desta casa. Proíbo-lhe terminantemente.
Cliff olhou para ele admirado.
— Que me considere detido? Só por ter agido em legítima defesa?
— Isso serei eu quem há-de decidir. De momento vá dormir e amanhã não se lembre de sair do seu quarto, entendidos?
Uma vez no seu quarto, Cliff pensou que Wickes era um homem muito mais enérgico do que parecia. Pelo visto estava disposto a governar a cidade com mão forte, sem permitir altercações que dividissem os seus habitantes.
De certo modo, o jovem reconhecia que era o único sistema de evitar que a desmoralização alastrasse ante o perigo que significava a possível aparição da quadrilha de Lloyd Hudson.
No dia seguinte, Cliff não saiu do quarto. Passou toda a manhã fumando cigarros e pensando que se o xerife resolvesse considerá-lo culpado havia de arranjar maneira de roubar um cavalo e fugir de Tonopah. Não permitiria que o liquidassem dependurado numa corda; era preferível que o matassem com um tiro.
À hora do almoço, Wickes apareceu em pessoa no quarto.
— Bom, Nick Werfel, hoje dediquei toda a manhã a fazer investigações sobre Douglas, entre os refugiados de Clarenceville. Creio que você tinha razão ao dizer que tentou vingar-se da tareia que recebeu. Todos foram unânimes em declarar que se tratava dum indivíduo rancoroso, muito capaz de matar alguém pelas costas.
Cliff olhou para ele e perguntou:
—E então?
O xerife deu-lhe uma afetuosa palmada nas costas.
— Fica livre para fazer o que quiser. Queria apenas assegurar-me de que não foi você quem provocou o conflito. Agora estou informado de que apenas se limitou a defender-se, e isso não é motivo para o prender.
Cliff pôs-se de pé.
— De qualquer maneira, acho melhor procurar outro alojamento até conseguir um cavalo para partir de Tonopah.
Wickes arqueou as sobrancelhas.
— Porquê? Por acaso não se encontra bem na minha casa?
Cliff fez com os lábios um trejeito irónico.
— Será o senhor quem não estará muito tranquilo tendo-me aqui.
— Engana-se, Wertel. Demonstrou-se que você estava inocente no que aconteceu ontem à noite e, por outro lado, é também uma vítima de Lloyd Hudson. Embora este o confundisse com outro ao disparar contra si, a verdade é que o deixou moribundo. E isso é para mim motivo mais que suficiente para o ajudar. Um inimigo de Lloyd será sempre meu amigo.
Cliff olhou-o novamente, admirado.
— Não o compreendo.
Wickes passou a mão pelos cabelos grisalhos.
— Olhe, Werfel, quando eleito xerife, prometi a mim mesmo que não descansaria até conseguir acabar com Hudson e toda a sua quadrilha. Até este momento, esse homem do diabo tem conseguido escapar-se-me das mãos e continuar a cometer as suas façanhas como a de Clarenceville.
Fez uma careta, acrescentando:
— O pior é que Hudson converteu-se para mim numa obsessão, quase numa espécie de mania. Creio que daria dez anos da minha vida em troca da sua prisão ou de poder apresentar o seu cadáver aos meus superiores. Mas como vê, até agora todas as minhas tentativas fracassaram; nem sequer sei como é esse maldito homem.
— E que tenho eu que ver com tudo isso?
— Já lhe disse que você foi uma vítima dele, direta ou indiretamente, e isso é suficiente para simpatizar consigo e oferecer-lhe a minha amizade. Além disso, tenho o pressentimento de que você é um bom rapaz.
Cliff não soube que responder.
— Eu... Bem, eu agradeço-lhe... — balbuciou.
—Mas disse uma coisa que não me agradou. Foi isso de partir de Tonopah, quando consiga um cavalo.
— Que mal há nisso?
O xerife meteu as mãos nas algibeiras das calças.
—Você vinha para esta cidade à procura de trabalho.
— Sim, mas ninguém parece estar em situação de dar-me um emprego. O senhor sabe muito bem que nos ranchos não querem aumentar o número de cabeças de gado com receio de Lloyd Hudson. A cidade ressente-se e empobrece. Não esperará que passe a vida a rachar lenha na escola, não é verdade?
Wickes fez um gesto de contrariedade.
— Não, claro que não. Realmente, não posso impedi-lo de partir se é esse o seu propósito, mas a verdade é que ontem, ao verificar que é um atirador excecional, nasceu em mim a ideia de que poderia ajudar-me a acabar com a quadrilha de Lloyd Hudson.

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