domingo, 18 de agosto de 2019

ARZ014.01 Um homem sepultado na fria realidade da morte

Cliff Sheridan, agachado no mato, mantinha-se imóvel, tentando perscrutar as trevas da noite.
A mão direita empunhava um revólver. Com o ouvido atento, esforçava--se por ouvir qualquer ruído suspeito, mas até ele só chegava o ténue silvo do vento nos arbustos.
Todavia, ele bem sabia que ali, nalgum sítio da escuridão que o envolvia, estavam os homens que queriam matá-lo. O seu próprio cavalo jazia com uma bala na cabeça, uns metros mais além. Mas haviam decorrido já várias horas desde que o animal fora alvejado por uma bala certeira.
Cliff sabia muito bem que Lloyd Hudson e os seus não desistiriam do seu empenho de dar-lhe caça. Tivera a ousadia de voltar-se contra eles, e não era gente que perdoasse uma rebeldia. Conhecia-os demasiado bem para que lhe pudesse restar a mínima dúvida. Decidiram acabar com ele, e renunciariam primeiro à própria vida que ao cumprimento duma vingança.
Nalgum sítio da pradaria, ao abrigo da escuridão, na sua frente, à sua esquerda ou à direita, ou quem sabe se nas suas costas, espreitando-o como tigres, estavam Lloyd Hudson, Tim Lawrence, Rock Merril e todos os componentes da quadrilha. Cliff imaginava os seus rostos crispados pelo ódio, pelo desejo homicida.
A detonação duma arma rasgou o silêncio, e Cliff viu a roseta dum fogacho. Rapidamente, ergueu o revólver e fez fogo contra o ponto donde partira o tiro. A resposta foi um grito de agonia. O tiro dera no alvo. O jovem desejou que o ferido fosse Lloyd, por se tratar do mais perigoso de todos.


Agachado, deslocou-se rapidamente para a direita, no preciso instante em que uma chuva de balas cortava o mato onde estivera uns momentos antes escondido. Continuou estendido no chão, com todos os sentidos alerta, disposto a esperar uma oportunidade. Sabia que estava cercado por aqueles homens, que era impossível sair do cerco e, não, obstante, continuava lutando.
Cliff Sheridan era um homem muito jovem, acabara de completar vinte e oito anos, e apesar da sua juventude, estava convencido de ter chegado ao fim da vida, uma -vida curta, efémera, mas rica em aventuras, em violências e sobretudo, em amarguras e desenganos.
Alto, inteligente e pletórico de faculdades, dir-se-ia que havia de triunfar em tudo quanto se propusesse. Mas a sorte quis que tudo fosse muito diferente, e as circunstâncias saciaram-se nele ferindo-o cruelmente e deixando-o, quando não chegara ainda aos trinta anos, sem ilusões e descrente dos seus semelhantes. Não acreditava em nada, nem confiava em ninguém. Para ele, todo o ser humano era um inimigo, porque aqueles em quem confiou, ou morreram ou receberam o mesmo tratamento que ele, quando não lhe demonstraram ser ídolos de barro ou, como o próprio Lloyd Hudson, que eram homens falsos e cruéis, aves de rapina, sanguinários, que tudo sacrificavam ao seu próprio benefício.
Um novo fogacho brilhou na escuridão da noite. O jovem, rapidamente, apontou o revólver e puxou o gatilho. Mas não se ouviu nenhuma detonação; só o estalido do percutor, ao bater num cartucho vazio.
Cliff despejou rapidamente o tambor, procurando novas balas na cartucheira. Todavia, os seus dedos não encontravam nenhuma. Apalpou o cinto com ambas as mãos, verificando que não lhe restava nenhum cartucho. A tremenda, a terrível verdade aparecia-lhe em toda a sua extensão. Depois de várias horas de tiroteio, durante as quais a sua infalível pontaria deu a morte a vários inimigos, esgotara todas as suas munições. Estava indefeso, à mercê dos homens que queriam matá-lo. Agora já não podia continuar a defender-se, mas ficar quieto à espera de que os outros se aproximassem e o crivassem de balas.
Sentou-se no chão e guardou ó inútil revólver no coldre. Não tinha fuga possível, mas isso não lhe produzia tristeza alguma. Em última análise, talvez fosse melhor morrer. Ninguém o choraria, ninguém sentiria a sua falta.
Pensou com amargura que uma vida como a sua não valia a pena ser conservada. Eram tantos os erros que cometera, tantas as faltas imperdoáveis, que o seu desaparecimento seria um benefício para a humanidade. Além disso, estava cansado de tudo: de si mesmo, de Lloyd Hudson, do ambiente que o rodeava, do seu passado... Não valia a pena continuar a lutar por coisas sem valor.
Quase se alegrou de ter esgotado as balas. Enquanto lhe restassem munições, continuaria a combatei por instinto e, na realidade, era uma estupidez fazê-lo. Cercado por todos aqueles homens que se moviam silenciosamente na escuridão, tarde ou cedo teria de cair. Embora antes derrubasse muitos deles, como já fizera, chegaria um momento em que, entre todos, o caçariam como uni coe-lho. Era preferível que o fim chegasse depressa.
Com os dedos estranhamente firmes, começou a enrolar um cigarro. A sua própria serenidade o surpreendia. Muitas vezes enfrentara a morte, mas sempre se batera ferozmente para se defender. Agora, porém, esperava-a em atitude passiva, tranquilo, confiado, quase como se se tratasse duma libertação.
Protegendo-se com o chapéu para que a chama não se apagasse, acendeu um fósforo, que chegou à extremidade no cigarro. Depois, mantendo-se de boca para baixo, aspirou o fumo com satisfação. Provavelmente seria aquele o seu último cigarro e era preciso saboreá-lo bem.
Perguntou a si próprio que estariam a fazer naquele momento os homens de Hudson. Evidentemente que estariam a apertar o cerco à sua volta, um cerco de ferro e fogo, que era impossível romper, sobretudo quando não se possui armas para combater.
As recordações acudiram em tropel à sua mente. Eram tantos os erros cometidos, tantas as coisas que tinha de arrepender-se! E o pior de tudo era que se deixasse guiar por um rancor que, embora estivesse justificado, não era motivo para o cegar ao ponto de converter-se num proscrito, num criminoso. Invadia-o uma profunda amargura naquele momento, ao recordar o estéril, o negativo da sua passagem pela vida. Mas tudo ia acabar em breve. Cliff Sheridan ia deixar de constituir um perigo para a sociedade.
Um trejeito doloroso crispou os seus lábios ao pensar na sua família, no seu pai e na sua mãe, que tantas esperanças depositaram nele. Mas eles já não existiam, nem o seu irmão Bruce; a morte deste, pelo menos, fora digna, heroica, consequência dum alto e nobre ideal. Que diferente dele, que iria cair assassinado pelos seus camaradas de façanhas! Sentiu nojo de si mesmo, um profundo e enorme desprezo.
De repente, aos seus ouvidos chegou um leve rumor dum corpo a mover-se atrás de si. Compreendeu que chegara o momento supremo, o instante decisivo. Com todos os músculos tensos, pôs-se lentamente em pé, ao mesmo tempo que dizia em voz alta:
— Podes disparar tranquilo. Estou desarmado.
Ao mesmo tempo, levantou as mãos abertas, provando que era verdade o que dizia. Quase em seguida, surgiu na sua frente a silhueta dum homem, que empunhava um revólver.
Cliff reconheceu-o imediatamente. Era Lloyd Hudson em pessoa. Quase podia ver-lhe os seus cabelos ruivos e encrespados, o seu rosto duro e sulcado por uma cicatriz que lhe atravessava toda a face, os seus olhos frios e cruéis e corpo de gigante. Supôs que um sorriso de júbilo lhe descerrava os lábios.
— Foste um traidor, Cliff —sussurrou com uma voz onde vibrava a ira. — É assim que eu castigo os traidores.
O seu revólver vomitou uma rubra chamarada. Cliff Sheridan sentiu uma pancada terrível no peito e cambaleou sobre as pernas vacilantes, ao mesmo tempo que lhe zumbiam os ouvidos e se lhe toldava a vista.
Uma nova bala produziu-lhe uma espécie de choque elétrico, e foi então que tudo se apagou para ele. Sentiu que à sua volta o mundo se esfumava, enquanto ele submergia num poço sem fundo, num terrível abismo de trevas. O último som que ouviu foi unia gargalhada de Lloyd; depois sentiu-se envolto em nada, sepultado na fria e espantosa realidade da morte.

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