CapIII. O Expresso de South Texas
Precisava de dinheiro para viver. Também precisava de comida e de água, como acertadamente dissera Davis. Mas esta última parte podia esperar. Havia de arranjar--se o melhor possível.
Não era a última vez que apertava o cinto até aos últimos furos e o seu estômago conhecia os rigores do jejum prolongado. Depois, com dinheiro às mãos cheias desforrar-se-ia.
Havia de deleitar-se com excelentes manjares, vinhos generosos e aromáticos charutos havanos. Gostava de viver à grande e um sexto sentido enigmático assegurava-lhe que concretizaria essa aspiração galopando sem descanso até ao cotovelo do Cherokee, junto à divisória de Liano County. Por isso, picando de esporas, exigiu o máximo esforço do soberbo baio que cavalgava?
Os cascos ferrados fizeram saltar espuma ao atravessar o Brady Creck, meio seco naquela época do ano. Sempre avançando para o sul, vadeou igualmente o Saba River três horas mais tarde.
Atravessou o deserto, dando pequenos descansos à montada. Dormiu ao relento, matou uma cobra a tiro e assou-a na fogueira para alimentar-se com a sua gordurenta e fétida carne. Bebeu em charcos infectos. Mas não variou de plano. Cada dificuldade que experimentava era mais um acicate a impeli-lo.
Ao amanhecer do terceiro dia de marcha frenética, branco de pó e completamente revestido de sujidade, atingiu a curva do Cherokee. Era aquela a sua meta, o sítio ideal para o que pretendia.
Ali, deitado à sombra projetada pelos penhascos, passou toda a manhã e urna boa parte da tarde, recompondo as forças. Recuperou, além disso, a jovialidade.
Sabia que o *expresso do South Texas entraria na curva com precaução. Já acontecera várias vezes o comboio saltar dos carris, em virtude do inseguro e maltratado traçado da linha. O acidente produzia excessivos transtornos à Companhia para que esta não insistisse na conveniência de se manter uma marcha lenta. Assim, o comboio sempre atenuava a velocidade naquele ponto e não voltava a correr verdadeiramente senão quando encontrava a reta de aço que se estendia sem interrupção até para além da planície de Pototoc. Joe Bliss conhecia a linha e as suas particularidades, porque anos atrás o tinham levado preso do Lide River para o Eldorado.
Agora tudo se reduzia a esperar, a acalmar a impaciência. O resto eram favas contadas para um tipo como ele, experiente em assaltos à mão armada.
Os desengonçados comboios de passageiros que se dirigiam para o Oeste do Texas atrelavam sempre vagões--correio. Neles dormitavam um ou dois guardas, naturalmente. Mas valia a pena tentar o assalto porque os vagões continham valores, dinheiro de contado e sonante, procedente de vales postais, à parte os sacos de correspondência.
Precisava de dinheiro para viver. Também precisava de comida e de água, como acertadamente dissera Davis. Mas esta última parte podia esperar. Havia de arranjar--se o melhor possível.
Não era a última vez que apertava o cinto até aos últimos furos e o seu estômago conhecia os rigores do jejum prolongado. Depois, com dinheiro às mãos cheias desforrar-se-ia.
Havia de deleitar-se com excelentes manjares, vinhos generosos e aromáticos charutos havanos. Gostava de viver à grande e um sexto sentido enigmático assegurava-lhe que concretizaria essa aspiração galopando sem descanso até ao cotovelo do Cherokee, junto à divisória de Liano County. Por isso, picando de esporas, exigiu o máximo esforço do soberbo baio que cavalgava?
Os cascos ferrados fizeram saltar espuma ao atravessar o Brady Creck, meio seco naquela época do ano. Sempre avançando para o sul, vadeou igualmente o Saba River três horas mais tarde.
Atravessou o deserto, dando pequenos descansos à montada. Dormiu ao relento, matou uma cobra a tiro e assou-a na fogueira para alimentar-se com a sua gordurenta e fétida carne. Bebeu em charcos infectos. Mas não variou de plano. Cada dificuldade que experimentava era mais um acicate a impeli-lo.
Ao amanhecer do terceiro dia de marcha frenética, branco de pó e completamente revestido de sujidade, atingiu a curva do Cherokee. Era aquela a sua meta, o sítio ideal para o que pretendia.
Ali, deitado à sombra projetada pelos penhascos, passou toda a manhã e urna boa parte da tarde, recompondo as forças. Recuperou, além disso, a jovialidade.
Sabia que o *expresso do South Texas entraria na curva com precaução. Já acontecera várias vezes o comboio saltar dos carris, em virtude do inseguro e maltratado traçado da linha. O acidente produzia excessivos transtornos à Companhia para que esta não insistisse na conveniência de se manter uma marcha lenta. Assim, o comboio sempre atenuava a velocidade naquele ponto e não voltava a correr verdadeiramente senão quando encontrava a reta de aço que se estendia sem interrupção até para além da planície de Pototoc. Joe Bliss conhecia a linha e as suas particularidades, porque anos atrás o tinham levado preso do Lide River para o Eldorado.
Agora tudo se reduzia a esperar, a acalmar a impaciência. O resto eram favas contadas para um tipo como ele, experiente em assaltos à mão armada.
Os desengonçados comboios de passageiros que se dirigiam para o Oeste do Texas atrelavam sempre vagões--correio. Neles dormitavam um ou dois guardas, naturalmente. Mas valia a pena tentar o assalto porque os vagões continham valores, dinheiro de contado e sonante, procedente de vales postais, à parte os sacos de correspondência.
Com um bom revólver como o. seu, as notas passariam para as algibeiras de um inesperado e anónimo destinatário. Depois... ala, a gastá-lo nas cidades próximas, do estilo de Bluffton, Llano e Kingsland!
Perto das seis da tarde, vindo do deserto infinito, chegou o apito arrastado do comboio.
Ainda estava longe, claro. A oito ou dez milhas. Os ruídos agudos propagam-se com grande nitidez nos espaços abertos. Dispunha de tempo de sobra.
Selou o cavalo, deitou uma olhadela ao cilindro do «Colt» — substituindo dois cartuchos por outros tantos novos e escorropichou a bolsa do tabaco para fumar o último cigarro. Acabara-se o resto. Ao terminar o cigarro, saltou para o dorso do baio e desceu pelo caminho até à beira do cotovelo, perto da linha férrea.
O comboio aproximava-se. Passaria por ali uns quinze minutos mais tarde.
O arfar da máquina, os jatos de fumo que saiam da chaminé e o trepidar das rodas metálicas sobre carris de aço, acabaram fazendo parte do seu ser.
Enterrou o chapéu e puxou para cima do nariz o velho lenço do pescoço. Um salteador mascarado sempre assusta os assaltados. Efeito psicológico, bem o sabia. Era uma das ordens favoritas de Collerson, seu chefe, agora com o xerife à perna. Pobre chefe!
Não imaginava a fortuna gratuita que o aguardava no furgão do comboio. Ele iria regalar-se com uma vida de príncipe, enquanto a Collerson lhe punham uma gravata de cânhamo no gasnete. Deixou de pensar. A presa estava à vista!
A locomotiva, expelindo jorros de vapor passou pela curva. Joe puxou as rédeas contendo o assustado animal. Os vagões sucediam-se em frente dos seus olhos.
Compridos, poeirentos, com a inscrição «Texas & Pacific» meio sumida nas faces laterais... Um vagão vermelho encerrava a fila!
Viu a porta de correr aberta até meio das calhas. Natural. O calor tórrido forçava os ocupantes a procurar um pouco de ventilação. Além disso, quem iria suspeitar que em pleno deserto texano havia perigo de assalto? Ninguém. E menos do que ninguém os sonolentos guardas.
Deu de esporas ao cavalo. O baio arrancou de um salto, e as suas patas moveram-se velozes junto às travessas da via. Sempre ladeando a linha, o cavaleiro aproximou-se, pouco a pouco, do furgão postal.
Podia ler-se claramente o rótulo inconfundível nas traseiras: «U. S. Mail» (1). A locomotiva, passada a curva do Cherokee, apitou agudamente e abriu a pressão do regulador. Corria. Mas já nada poderia evitar que Joe alcançasse o vagão-correio.
Emparelhou o baio com a carruagem. Empinou-se sobre os estribos. A terra pedregosa deslizava sob os seus pés como um rio sólido, e o fragor do comboio abafava o barulho ritmado dos cascos.
Agarrou o fecho de ferro. Içou-se. O cavalo, sem cavaleiro, começou a ficar para trás e acabou por parar ao lado dos carris brilhantes. Mais tarde voltaria atrás para o buscar. Joe Bliss, impetuosamente, irrompeu no vagão!
Perto das seis da tarde, vindo do deserto infinito, chegou o apito arrastado do comboio.
Ainda estava longe, claro. A oito ou dez milhas. Os ruídos agudos propagam-se com grande nitidez nos espaços abertos. Dispunha de tempo de sobra.
Selou o cavalo, deitou uma olhadela ao cilindro do «Colt» — substituindo dois cartuchos por outros tantos novos e escorropichou a bolsa do tabaco para fumar o último cigarro. Acabara-se o resto. Ao terminar o cigarro, saltou para o dorso do baio e desceu pelo caminho até à beira do cotovelo, perto da linha férrea.
O comboio aproximava-se. Passaria por ali uns quinze minutos mais tarde.
O arfar da máquina, os jatos de fumo que saiam da chaminé e o trepidar das rodas metálicas sobre carris de aço, acabaram fazendo parte do seu ser.
Enterrou o chapéu e puxou para cima do nariz o velho lenço do pescoço. Um salteador mascarado sempre assusta os assaltados. Efeito psicológico, bem o sabia. Era uma das ordens favoritas de Collerson, seu chefe, agora com o xerife à perna. Pobre chefe!
Não imaginava a fortuna gratuita que o aguardava no furgão do comboio. Ele iria regalar-se com uma vida de príncipe, enquanto a Collerson lhe punham uma gravata de cânhamo no gasnete. Deixou de pensar. A presa estava à vista!
A locomotiva, expelindo jorros de vapor passou pela curva. Joe puxou as rédeas contendo o assustado animal. Os vagões sucediam-se em frente dos seus olhos.
Compridos, poeirentos, com a inscrição «Texas & Pacific» meio sumida nas faces laterais... Um vagão vermelho encerrava a fila!
Viu a porta de correr aberta até meio das calhas. Natural. O calor tórrido forçava os ocupantes a procurar um pouco de ventilação. Além disso, quem iria suspeitar que em pleno deserto texano havia perigo de assalto? Ninguém. E menos do que ninguém os sonolentos guardas.
Deu de esporas ao cavalo. O baio arrancou de um salto, e as suas patas moveram-se velozes junto às travessas da via. Sempre ladeando a linha, o cavaleiro aproximou-se, pouco a pouco, do furgão postal.
Podia ler-se claramente o rótulo inconfundível nas traseiras: «U. S. Mail» (1). A locomotiva, passada a curva do Cherokee, apitou agudamente e abriu a pressão do regulador. Corria. Mas já nada poderia evitar que Joe alcançasse o vagão-correio.
Emparelhou o baio com a carruagem. Empinou-se sobre os estribos. A terra pedregosa deslizava sob os seus pés como um rio sólido, e o fragor do comboio abafava o barulho ritmado dos cascos.
Agarrou o fecho de ferro. Içou-se. O cavalo, sem cavaleiro, começou a ficar para trás e acabou por parar ao lado dos carris brilhantes. Mais tarde voltaria atrás para o buscar. Joe Bliss, impetuosamente, irrompeu no vagão!
(1) Correio dos Estados Unidos.
— Mãos no ar! Nada de paródias se desejam conservar a vida, amigos!
Foi este o seu cartão de visita.
Efetivamente, dois guardas cabeceavam, amodorrados, no banco do depósito postal. Ambos, sobressaltados, levantaram a cabeça e arregalaram os olhos.
O mais jovem dos dois estendeu a mão, sem grande entusiasmo, para pegar no rifle de repetição que pendia de um suporte.
— Quieto! — acrescentou Bliss. — Ou se prefere... apanhe-o! Há uma bala com o seu nome dentro deste brinquedo.
O outro recolheu a mão. O olhar frio, homicida, que brilhava por cima do lenço não era nada tranquilizador. O outro guarda, velho e pançudo, suspirou com desalento
— O dinheiro — disse Joe. — Todo. Sem fazer loucuras.
— Não..., não há dinheiro, não é verdade, Tommy?
— Não..., não há, «mister» Klein. Só títulos do Estado e cartas.
— Sério?
O assaltante avançou para o velho, que parecia ser o encarregado. Com a mão esquerda, de revés, descarregou-lhe uma seca bofetada em pleno rosto. O homem, com a cabeça projetada para trás, cambaleou e acabou por ficar sentado novamente no banco. O sangue manchou-lhe o queixo, escorrendo do lábio cortado. Gemeu.
O firme revólver de folhas rosadas apontou para Tommy, sofreando o seu gesto ofensivo. Hesitou entre meter-lhe uma bala no coração ou perdoar-lhe a tentativa de ataque. Tommy era um jovem magro, de cara pálida e nunca lhe tinham agradado as caras assim. Sabia como transformar a sua resistência que supunham heroica em branda manteiga. Tinha assaltado o comboio para roubar. Havia de roubá-lo ainda que ficasse um cadáver corno prova.
— Atira-te do comboio, Tommy — decidiu. — Vamos! De cabeça!
— Em andamento?
— Sim. Em andamento!
— Eh!... Espere — murmurou o velho Klein. — Não o obrigue... é uma barbaridade...
— Dizia alguma coisa, avô?
— Eu dou-lho... mas não chega a mil dólares.
— Chega para um humilde cidadão como eu. Livraste-te de morrer, Tommy. Porque tencionas atirar ao alvo quando voasses pelos ares. Vai para aquele canto. Braços ao alto!
Tommy obedeceu. O pavor automatizava-o. Klein , limpando com um lenço a boca manchada de sangue, dirigiu-se para a mesa cujas pernas estavam aparafusadas ao chão da carruagem.
Atrás, repleta de cartas, havia uma estante com várias dezenas de cacifos rotulados. Começou a extrair, tremulamente, notas de pequeno valor, cintadas em maços, para satisfazer pagamentos postais.
— Bem — riu Bliss. — Você é inteligente, avô.
— E você é... é um ladrão.
— Roubo o Estado. Ele tem mais dinheiro do que qualquer pessoa deste país.
— Hão-de enforcá-lo.
— Se me agarrarem. E não vai ser fácil. É tudo?
— Sim.
— Procure com cuidado. Talvez haja ainda alguma nota pegada ao fundo da gaveta.
— Não. Verifique se não acredita.
Klein disse:
— Acredito. Tem cara de boa pessoa, avô..., ainda que o vermelho do sangue não o favoreça. Lembra-me uma criatura que conheci em Houston. Uma velha gaiteira e tonta — moveu o cano do revólver indicando o seu propósito. — Meta os maços naquele saco. Quanto mais depressa o fizer mais depressa me vou embora. Não querem ver-se livres de mim?
— Hão-de caçá-lo. Nenhum ladrão de comboios escapou com...
— Cale o focinho.
Klein absteve-se de replicar. Distante, diluído pela velocidade da marcha, um apito quebrou a placidez da planície. A poderosa centopeia mecânica — o cavalo de ferro dos índios devorava milhas através de terras áridas e solitárias.
O dinheiro das remessas passou para o saco. O encarregado engoliu em seco. Uma gota de sangue tombou na lona do saco, deixando ali a sua marca chamativa.
— Volte-se de costas — ordenou Joe, depois de apoderar-se do saco com uma mão que parecia a garra de uma ave de rapina.
— Que quer fazer?
— Tomo as minhas precauções — riu o bandido. — Conheço há bastante tempo os caminhos de ferro. Pensam que é fácil enganar-me, não? Estão desejando que eu salte para puxar o sinal de alarme e parar o comboio. Então iriam todos em minha perseguição. O cavalo ficou muito longe e perderei um tempo considerável para ir buscá-lo. Não, avô, não — ergueu o revólver. — Espero que a sua cabeça seja suficientemente dura.
Descarregou uma pancada brutal com o longo cano. Klein caiu como um fardo, sem ruído. Rolou para debaixo da mesa e um dos braços movendo-se ao impulso do vaivém do comboio, pareceu improvisar uma estranha despedida para" o homem que acabava de agredi-lo.
Tommy, fechando os olhos horrorizado e crispando os punhos a fim de dominar a tremura, também se voltou de costas. Não foi preciso Bliss mandá-lo. Alegrou-o não ver a sua cara pálida e contraída.
Bateu com mais força que ao velho. Tommy, sem sentidos, dobrou os joelhos e ficou estendido a meio do vagão.
— Adeus, pombinhos — disse Joe.
Meteu o revólver no coldre. O comboio corria, rápido, pelo plaino. Via o desfilar contínuo dos terrenos, as matas poeirentas de artemísia e as pedras meio enterradas no solo abrasado. No horizonte luminoso explodia a grandeza do quente sol da tarde.
Não se deteve a dar tratos ao pensamento. Agora era rico e precisava de liberdade para gozar a sua riqueza. Aqueles mil dólares seriam sem dúvida o início de uma fortuna. Decididamente o revólver dava-lhe sorte.
Pendente dos varões, sentindo contra o rosto o choque do vento quente, Joe deixou-se escorregar lentamente, tentando amortecer a queda. Ao desprender a mão do varão de metal, caiu violentamente.
O choque fê-lo rebolar. Deu várias voltas sobre si próprio. Mau grado seu, gritou de dor. Permaneceu encolhido, ofegante, com a cara vermelha de poeira, e todo o corpo magoado pela desastrada queda.
O estrépito do comboio afastava-se ao longo da linha. O furgão postal ia tornando-se cada vez mais pequeno. Um apito longo. Progressivamente voltou o silêncio à planície. Suava. O calor do sol esmagava-o. Tentou levantar-se e não pôde. Não pôde!
Uma perna, a esquerda, pesava-lhe como se estivesse lastrada por vários quintais de chumbo. Praguejou. Esforçou-se. Chorou de raiva, de despeito. Ao acalmar-se, quase ao anoitecer, teve de admitir a penosa verdade.
Uma desgraça irreparável e desesperante. Maldita sorte! Tinha quebrado o osso da. perna por cima do joelho.
Joe sentia-se desamparado.
Com dinheiro, com revólver e com cavalo a duas ou três milhas de distância... 'Soube que estava condenado a morrer de inanição no deserto!
Foi este o seu cartão de visita.
Efetivamente, dois guardas cabeceavam, amodorrados, no banco do depósito postal. Ambos, sobressaltados, levantaram a cabeça e arregalaram os olhos.
O mais jovem dos dois estendeu a mão, sem grande entusiasmo, para pegar no rifle de repetição que pendia de um suporte.
— Quieto! — acrescentou Bliss. — Ou se prefere... apanhe-o! Há uma bala com o seu nome dentro deste brinquedo.
O outro recolheu a mão. O olhar frio, homicida, que brilhava por cima do lenço não era nada tranquilizador. O outro guarda, velho e pançudo, suspirou com desalento
— O dinheiro — disse Joe. — Todo. Sem fazer loucuras.
— Não..., não há dinheiro, não é verdade, Tommy?
— Não..., não há, «mister» Klein. Só títulos do Estado e cartas.
— Sério?
O assaltante avançou para o velho, que parecia ser o encarregado. Com a mão esquerda, de revés, descarregou-lhe uma seca bofetada em pleno rosto. O homem, com a cabeça projetada para trás, cambaleou e acabou por ficar sentado novamente no banco. O sangue manchou-lhe o queixo, escorrendo do lábio cortado. Gemeu.
O firme revólver de folhas rosadas apontou para Tommy, sofreando o seu gesto ofensivo. Hesitou entre meter-lhe uma bala no coração ou perdoar-lhe a tentativa de ataque. Tommy era um jovem magro, de cara pálida e nunca lhe tinham agradado as caras assim. Sabia como transformar a sua resistência que supunham heroica em branda manteiga. Tinha assaltado o comboio para roubar. Havia de roubá-lo ainda que ficasse um cadáver corno prova.
— Atira-te do comboio, Tommy — decidiu. — Vamos! De cabeça!
— Em andamento?
— Sim. Em andamento!
— Eh!... Espere — murmurou o velho Klein. — Não o obrigue... é uma barbaridade...
— Dizia alguma coisa, avô?
— Eu dou-lho... mas não chega a mil dólares.
— Chega para um humilde cidadão como eu. Livraste-te de morrer, Tommy. Porque tencionas atirar ao alvo quando voasses pelos ares. Vai para aquele canto. Braços ao alto!
Tommy obedeceu. O pavor automatizava-o. Klein , limpando com um lenço a boca manchada de sangue, dirigiu-se para a mesa cujas pernas estavam aparafusadas ao chão da carruagem.
Atrás, repleta de cartas, havia uma estante com várias dezenas de cacifos rotulados. Começou a extrair, tremulamente, notas de pequeno valor, cintadas em maços, para satisfazer pagamentos postais.
— Bem — riu Bliss. — Você é inteligente, avô.
— E você é... é um ladrão.
— Roubo o Estado. Ele tem mais dinheiro do que qualquer pessoa deste país.
— Hão-de enforcá-lo.
— Se me agarrarem. E não vai ser fácil. É tudo?
— Sim.
— Procure com cuidado. Talvez haja ainda alguma nota pegada ao fundo da gaveta.
— Não. Verifique se não acredita.
Klein disse:
— Acredito. Tem cara de boa pessoa, avô..., ainda que o vermelho do sangue não o favoreça. Lembra-me uma criatura que conheci em Houston. Uma velha gaiteira e tonta — moveu o cano do revólver indicando o seu propósito. — Meta os maços naquele saco. Quanto mais depressa o fizer mais depressa me vou embora. Não querem ver-se livres de mim?
— Hão-de caçá-lo. Nenhum ladrão de comboios escapou com...
— Cale o focinho.
Klein absteve-se de replicar. Distante, diluído pela velocidade da marcha, um apito quebrou a placidez da planície. A poderosa centopeia mecânica — o cavalo de ferro dos índios devorava milhas através de terras áridas e solitárias.
O dinheiro das remessas passou para o saco. O encarregado engoliu em seco. Uma gota de sangue tombou na lona do saco, deixando ali a sua marca chamativa.
— Volte-se de costas — ordenou Joe, depois de apoderar-se do saco com uma mão que parecia a garra de uma ave de rapina.
— Que quer fazer?
— Tomo as minhas precauções — riu o bandido. — Conheço há bastante tempo os caminhos de ferro. Pensam que é fácil enganar-me, não? Estão desejando que eu salte para puxar o sinal de alarme e parar o comboio. Então iriam todos em minha perseguição. O cavalo ficou muito longe e perderei um tempo considerável para ir buscá-lo. Não, avô, não — ergueu o revólver. — Espero que a sua cabeça seja suficientemente dura.
Descarregou uma pancada brutal com o longo cano. Klein caiu como um fardo, sem ruído. Rolou para debaixo da mesa e um dos braços movendo-se ao impulso do vaivém do comboio, pareceu improvisar uma estranha despedida para" o homem que acabava de agredi-lo.
Tommy, fechando os olhos horrorizado e crispando os punhos a fim de dominar a tremura, também se voltou de costas. Não foi preciso Bliss mandá-lo. Alegrou-o não ver a sua cara pálida e contraída.
Bateu com mais força que ao velho. Tommy, sem sentidos, dobrou os joelhos e ficou estendido a meio do vagão.
— Adeus, pombinhos — disse Joe.
Meteu o revólver no coldre. O comboio corria, rápido, pelo plaino. Via o desfilar contínuo dos terrenos, as matas poeirentas de artemísia e as pedras meio enterradas no solo abrasado. No horizonte luminoso explodia a grandeza do quente sol da tarde.
Não se deteve a dar tratos ao pensamento. Agora era rico e precisava de liberdade para gozar a sua riqueza. Aqueles mil dólares seriam sem dúvida o início de uma fortuna. Decididamente o revólver dava-lhe sorte.
Pendente dos varões, sentindo contra o rosto o choque do vento quente, Joe deixou-se escorregar lentamente, tentando amortecer a queda. Ao desprender a mão do varão de metal, caiu violentamente.
O choque fê-lo rebolar. Deu várias voltas sobre si próprio. Mau grado seu, gritou de dor. Permaneceu encolhido, ofegante, com a cara vermelha de poeira, e todo o corpo magoado pela desastrada queda.
O estrépito do comboio afastava-se ao longo da linha. O furgão postal ia tornando-se cada vez mais pequeno. Um apito longo. Progressivamente voltou o silêncio à planície. Suava. O calor do sol esmagava-o. Tentou levantar-se e não pôde. Não pôde!
Uma perna, a esquerda, pesava-lhe como se estivesse lastrada por vários quintais de chumbo. Praguejou. Esforçou-se. Chorou de raiva, de despeito. Ao acalmar-se, quase ao anoitecer, teve de admitir a penosa verdade.
Uma desgraça irreparável e desesperante. Maldita sorte! Tinha quebrado o osso da. perna por cima do joelho.
Joe sentia-se desamparado.
Com dinheiro, com revólver e com cavalo a duas ou três milhas de distância... 'Soube que estava condenado a morrer de inanição no deserto!
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