domingo, 27 de novembro de 2016

PAS676. Por que sou um pistoleiro

Richard Cleveland ficou um segundo pensativo, com o olhar fixo no rosto risonho do seu interlocutor.
— Você é um tipo estranho, Dumond — disse, por fim. — Não parece um vulgar assaltante de diligências.
— Está a pensar seriamente? No entanto, creia que o sou.
— Volto a fazer-lhe a mesma pergunta que lhe fiz há pouco. Que foi que o levou a seguir esse caminho?
Jess esmagou o charuto contra o cinzeiro, ao mesmo tempo que a sua expressão endurecia bruscamente.
— Isso agora não importa... — murmurou.
Cleveland percebeu que havia uma corda sensível na alma do rapaz e acrescentou:
— Sinto verdadeira curiosidade por conhecer a sua vida.
— Porquê?
— Não sei... Talvez tenha julgado ver em si uni homem que carrega um peso enorme sobre o seu coração. Enganei-me?
Jess Dumond calou-se e mordeu, nervoso, o novo charuto que instintivamente havia retirado de cima da mesa. Cleveland, inclinando-se para a frente na poltrona, acrescentou, com um sorriso de conciliação:
— Bem. Sejamos amigos por agora, ainda que depois tenhamos de lutar um contra o outro.
— Pelo menos, o senhor é leal — falou, por fim, Jess.
— Não se fie na lealdade dos homens, Dumond — replicou imediatamente o seu interlocutor — nem sequer da minha. Na guerra, como no amor, todos os caminhos são válidos para a consecução do fim em vista.
— E, no nosso caso, é a guerra, não é verdade? — disse Jess, sorrindo. — Ignorava que nós havíamos de a declarar com tanta rapidez.
Por uma estranha associação de ideias, lembrou-se da rapariga dos • olhos azuis. Aquilo que sentia por ela no seu íntimo não era amor precisamente; pelo menos, não era o amor que aquele cavalheiro que se sentava em frente dele conhecia. O seu era uma paixão primitiva, dominante, feroz... um desejo nascido num instante, que tanto podia morrer um segundo depois como durar toda a vida.
Houve uma pausa no diálogo. Jess Dumond compreendeu depressa que Cleveland aguardava que ele começasse a relatar-lhe a sua história. Era uma história que não queria recordar, que procurava sempre relegar para segundo plano no seu pensamento ou afogá-la em uísque cada vez que tentava vir à superfície. Mas, ressurgia sempre, diáfana e clara, como se não tivessem decorrido quase dois anos desde então...
 Sem sequer se aperceber, começou a recordar e as palavras afluíram aos seus lábios lentamente, como se fosse outra pessoa que guiasse a sua vontade...
— Em Sun Valley, tive um grande rancho — começou por dizer. -- Pertencia aos meus irmãos e a mim, pois herdámo-lo quando morreu o meu pai. Ali, houve sempre paz e tranquilidade, até que um nefasto dia o meu irmão Walter se lembrou de levar Lucy a Boise, para que conhecesse uma cidade.
Calou-se. Richard Cleveland aguardou uns segundos e, por fim, perguntou, para arrancar o rapaz da sua abstração:
— Quem é Lucy?
— A minha irmã — respondeu ele e acrescentou: — Era a mais nova de todos e muito bonita. Demasiado bonita para permanecer nestas terras.
Cleveland lembrou-se de Glória, metida inesperadamente no coração das Rochosas. Sentiu um ligeiro mal--estar e agitou-se no seu assento.
— Que aconteceu? — murmurou.
— De regresso ao rancho, Lucy vinha radiante de felicidade. Havia travado conhecimento com um homem no hotel onde estivera hospedada. Com um «verdadeiro cavalheiro», segundo as suas palavras... Interroguei Walter acerca desse indivíduo e ele disse-me que o tinha visto apenas duas vezes de passagem. Só sabia que se chamava Milton Greb.
Calou-se um instante para fixar o seu silencioso ouvinte e perguntou:
— Conhece alguém que use esse nome?
As suas pupilas pareciam desprender faíscas enquanto pronunciava aquelas palavras. Cleveland desviou o olhar quando respondeu, um tanto nervoso:
— Não. Receio que não...
— Bem. Tanto faz. — A expressão dos seus olhos normalizou-se. Depois de um curto silêncio, acrescentou: — Durante dois anos, todos me têm dado a mesma resposta. Estou certo de que chegaria a surpreender-me se alguém dissesse o contrário alguma vez.
— Que aconteceu com esse Milton Greb? — indagou Cleveland, cuja voz tremeu ligeiramente ao pronunciar aquele nome, como se o seu possuidor lhe fosse sobejamente conhecido.
— Dir-lhe-ei em muito poucas palavras — declarou Jess. — Iludiu Lucy, depois de a visitar no rancho às escondidas, durante algum tempo. E acabou por levá-la... Ela deixou um bilhete, dizendo-nos que partia para casar--se com ele.
Jess fez uma pausa e prosseguiu:
— Milton Greb não se casou com ela. Fez pouco da sua inocência e, quando lhe pareceu, deixou-a abandonada numa mísera estalagem de uma povoação próxima de Boise.
«Eu, nessa altura, encontrava-me ausente do rancho — continuou a falar sombriamente. — Quando regressei, ao fim de mês e meio, verifiquei que Lucy tinha voltado e que os meus irmãos não estavam ali.
«Perguntei por eles à minha irmã e respondeu-me, desviando o olhar, que tinham ido a Boise. Até então, não havia reparado no estado de espírito em que ela se encontrava, muito próximo da apatia. Lembrei-me nessa altura de que Lucy não devia encontrar-se no rancho, uma vez que tinha abalado para se casar. Interroguei-a.
«Ela começou a chorar, sem se poder conter por riais tempo. Confessou-me, então, tudo. Walter e Duff, sabedores do que se passara, haviam partido em busca daquele canalha de Milton para linchá-lo...»
Jess Dumond voltou a deter-se para coordenar as ideias. Grossas gotas de suor corriam-lhe pelas suas faces.
— Naquele mesmo dia, parti atrás dos rastos dos meus irmãos — continuou. — Tive um pressentimento... Ao chegar a Boise, encontrei o desagradável espetáculo de Walter e Duff mortos. Assassinados.
-- Que havia acontecido? — perguntou Cleveland, num fio de voz.
— Segundo um mineiro que presenciou o acontecimento, os meus dois irmãos encontraram o tipo num bar. Walter, sem se poder conter, arrastou-o para o exterior e no meio da rua aplicou-lhe uma tareia tão violenta que j amais na sua vida poderá esquecê-la por muito que o tente.
«Mas, Milton Greb tinha os seus adjuntos, tão cobardes e traidores como ele mesmo. Um deles disparou contra as costas de Walter, deixando-o morto ali mesmo. Duff matou o traidor, mas caiu também, atravessado por mais de uma dúzia de balas que surgiram de todos os cantos».
Houve uma nova pausa.
— Milton Greb fugiu, ninguém sabia para aonde — continuou dizendo. — Só logrei descobrir que tomou o caminho de Helena, mas também podia ter ficado entre estas montanhas ou em Anaconda...
— Continue.
— Lucy fugiu de casa, envergonhada e cheia de remorsos. Julgou, sem dúvida, que foi a causadora da morte dos seus dois irmãos. Eu vi-me sozinho de repente. Comecei, então, a deambular por todos os povoados entre Sun Valley e Helena, procurando desesperadamente o maldito cobarde. Mas, parecia que a terra o tinha engolido.
«No meu vaguear contínuo de um sítio para o outro — continuou — entreguei-me à bebida quase sem dar por isso. Depois, matei um homem num duelo e mais tarde outro. Juntei-me a tipos sem escrúpulos e consegui dinheiro facilmente... Acabei por estar implicado na morte do xerife de Missoula e tive de fugir para salvar a pele.
«Agora, sou um proscrito, um fora-da-Lei... Não há muito tempo que me vi atrás das grades, mas conseguiu fugir, depois de ter atacado o xerife que me prendeu.
«Como vê, a minha vida é um constante vagabundear, enterrando-me cada vez mais neste maldito atoleiro...»
Jess Dumond calou-se e embrenhou-se nos seus pensamentos. Por fim, reagindo, levantou a cabeça e acrescentou:
— E é tudo. Agora, sou um dos muitos pistoleiros que infestam esta parte das Rochosas.

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