— Para já, ela deseja tomar banho. Dispõem de água, à vontade?
— O meu filho irá buscar a água que for necessária — respondeu a proprietária da casa, recolhendo as moedas reluzentes.
Após uma breve hesitação, Elisa interveio:
— Isso do banho não será um luxo, numa altura destas, Fred?
— Cheiras a estrume fermentado, minha querida — retorquiu ele com um sorrisinho trocista que a mulher do monóculo não chegou a notar.
Depois, aproximou-se da jovem e fingiu preparar-se para beijá-la. Elisa ofereceu-lhe a face e sentiu nela apenas uma leve comichão, em lugar da carícia que esperava. Sofreu uma desilusão.
— Boas noites.
— Já?
— Partiremos ao nascer do sol. Não dispões de muitas horas para o repouso...
— E tu, que vais fazer agora?
— Vou procurar um sitio melhor para o carro e... deitar-me, logo que o descubra.
-- Falas a sério?
Fred abriu os braços, de par em par, e curvou-se ligeiramente, como a mostrar a pureza das suas intenções. Após este gesto teatral, deu meia volta sobre os tacões e afastou-se.
Conduziu a galera para o local que se lhe afigurou mais protegido e, sem seguida, montando no seu cavalo, regressou à rua dos estabelecimentos.
Entrou numa das tascas e bebeu um uísque. Ao seu lado, no balcão, estava um homem que, pelo modo como se comportava, devia achar-se à beira de uma bebedeira fenomenal. Falava pelos cotovelos, ora monologando, ora dirigindo-se a quem entrava ou saía. Fred resolveu aproveitar a loquacidade do bebedor, para tirar nabos da púcara.
— Conhece um tipo chamado Gerald Wells?
— Nunca ouvi esse nome na minha vida, mas... — e o homem encolheu os ombros. — Mas... quem sabe?
Depois, começaram a oferecer um ao outro copos de uísque. Agora eu, agora tu. E o responsável, pelo que estava a acontecer, era Fred, que pretendia desanuviar o espírito. Não queria pensar em Elisa e no marido. A beleza da jovem tinha-o conquistado. A beleza e a sua maneira de ser. Era a primeira vez que sentia por uma mulher algo tão profundo e, ao mesmo tempo, tão nobre, embora a soubesse casada.
— O que há lá fora? — perguntou o bêbado.
Fred começava a encolher os ombros, quando um homem entrou, de roldão, no estabelecimento, gritando:
— Vamos «linchar» um ladrão!
E, assim como havia entrado, o alvissareiro desapareceu, num abrir e fechar de olhos. Seguiu-o, de perto, a turbamulta dos frequentadores do bar que só não o espezinhou porque ele levava, por certo, asas nas botas.
— E se fôssemos também dar uma espreitadela? — disse o borracho palrador.
Fred aceitou a sugestão, sem entusiasmo. Pagou a despesa e saiu do «saloon», atrás do embriagado.
A cinquenta jardas da porta do estabelecimento, deparou-se-lhe um homem alto e bem fornecido de carnes, que se defendia, a murro, de meia dúzia de indivíduos que tentavam agarrá-lo. Os socos que ele ia distribuindo com magnanimidade equiparavam-se a coices de mula.
— Roubou um cavalo! — berrou uma voz.
Fred olhou instintivamente para o sítio onde havia deixado a montada e não a viu. Preparava-se, para tomar uma atitude drástica, quando reparou que o «Valente» se encontrava um pouco mais distante, junto de um rapazito de uns dez anos, que o segurava pelas rédeas e lhe acariciava o focinho.
Entretanto, a luta continuava. E continuaria se, de súbito, um inconsciente não se houvesse lançado de cabeça às pernas do gigante, para as abraçar com toda a gana.
O grandalhão perdeu o equilíbrio e estatelou-se no solo. Nessa altura, uns sete ou oito heróis caíram em cima dele e reduziram-no à impotência.
Instantes depois, o desgraçado estava de mãos amarradas atrás das costas e com uma corda ao pescoço.
— Gatuno de uma figa! — vociferou o borracho.
Fred percebeu que iria assistir, dentro de instantes, à aplicação da «Lei de Lynch». O homem devia ter sido surpreendido no momento em que tentava roubar o cavalo e, com isso, assinara a sua própria sentença de morte.
O rapazinho continuava a fazer festas ao animal, sem dar mostras de se ir embora de ali, quando Fred chegou perto dele.
Fred pegou nas rédeas do cavalo, mas o garoto continuou, como petrificado, de olhos postos no gigante que se deixava levar pela populaça para a árvore que onde seria enforcado.
— Não é espetáculo para ti, menino — disse Queen, tentando afastar o moço.
Foi então que decidiu evitar o linchamento. Porquê? Não saberia explicar, mas...
— Um momento!
Apesar do burburinho, a sua voz ouviu-se em todo o povoado. Alguns dos algozes voltaram-se para ele mas, ao verem-no de revólver em punho, tornaram-se mansos como cordeiros.
— Soltem esse homem!
— É um ladrão de cavalos — responderam várias vozes. — Não podemos perdoar...
— O cavalo pertence-me.
A pura verdade. No entanto, o roubo de cavalos, naquela região, era punido com a morte e nem sequer davam ao réu a possibilidade de ser julgado.
— Dei-lhe autorização para ir buscá-lo — respondeu Fred, num tom glacial.
Esta atitude bastou para semear a dúvida no meio dos algozes. Os homens entreolhavam-se, meio desconcertados. Para eles impunha-se que insistissem na acusação pois, de contrário, seria confessarem que se haviam enganado redondamente. Todavia, apodar de mentiroso aquele homem que empunhava o revólver, com um ar tão resoluto, não era nada fácil e poderia acarretar-lhes trágicas consequências.
Acharam melhor afastar-se pouco a pouco do condenado, embora alguns deles lhe lançassem, de quando em quando, olhares furtivos cheios de hostilidade.
Fred deu alguns passos em frente e parou diante do homenzarrão. Este devia contar uns quarenta anos e certos traços das suas feições, revelavam ascendência espanhola.
Miraram-se com frieza.
— Por que me salvou? — inquiriu, de chofre, em correto inglês.
— Sou o dono do cavalo e julguei-me com o direito de interferir...
— Pois, tanto como eu, o senhor desrespeitou a lei. Mate-me ou deixe-me em liberdade. Não tem o direito de me ter amarrado.
Mas Fred não o ouviu mais. Obrigou-o a dar meia volta e desatou-lhe as mãos.
— Mas é lícito que defenda o que me pertence.
E, ao acabar de proferir esta frase, vendo o gigante já em condições de se defender, atirou-lhe um tremendo soco à ponta do queixo.
O homem retrocedeu alguns passos, com um ar perplexo. Logo, porém, que conseguiu readquirir o equilíbrio, tomou balanço e lançou-se, com fúria, para a frente, pretendendo agarrar Fred, fosse lá como fosse.
Fred, que era um jovem ginasticado, evitou-o com uma esquiva digna de mestre e, para não ficar para ali de braços caídos, tratou de lhe aplicar mais dois murros na mandíbula.
Dizer que esses socos, embora potentes, abalaram o ânimo do inimigo, seria mentir descaradamente. O homem encaixou-os, como quem bebe um copo de água, e procurou, de novo, deitar as mãos ao seu libertador. Então, Fred, que não era uma pessoa dotada de paciência sem limites, entendeu que devia abreviar o espetáculo. Quando o gigante, coçando outra vez o queixo, preparava nova acometida, Fred, num salto, colocou-se junto dele e ato contínuo, atingiu-o, em cheio, no estômago, com um murro tão potente como o coice de uma mula manhosa.
O grandalhão revirou os olhos, pareceu sorrir, olhando em volta. Depois, abriu muito a boca, como se pretendesse praguejar, girou sobre um dos calcanhares e caiu, de borco, no solo. Nesse mesmo instante, o rapazinho, que não se havia afastado do cavalo, correu para o homem derrubado.
— Pai! ... Paizinho!
Fred ficou perplexo. O garoto fitou-o com os olhos rasos de água e, num tom abafado pelo ódio, atirou-lhe à cara, a palavra:
— Assassino!...
Ajoelhou-se junto do pai. Este, que já recuperara os sentidos, fez-lhe uma festa na cabeça.
— Agradece-lhe, meu filho... Não o insultes...
Fred dirigiu-se para o cavalo, percebendo que era alvo de todas as atenções. Durante esse breve percurso, ouviu pronunciar o seu nome várias vezes. Montou o «Valente» e fê-lo trotar até ao local onde havia deixado o carro.
Assim que lá chegou, apeou-se e atou as rédeas do cavalo, a uma trave da galera. Depois de ter dado uma volta pelas imediações, a fim de ver se poderia dormir descansado, subiu para o carro e deitou-se no colchão, debaixo da lona protetora. Não adormeceu logo. Durante muito tempo, só pensou em Elisa. Quando o sono estava prestes a vencê-lo, descalçou as botas, acomodou-se melhor e... adormeceu.
— O meu filho irá buscar a água que for necessária — respondeu a proprietária da casa, recolhendo as moedas reluzentes.
Após uma breve hesitação, Elisa interveio:
— Isso do banho não será um luxo, numa altura destas, Fred?
— Cheiras a estrume fermentado, minha querida — retorquiu ele com um sorrisinho trocista que a mulher do monóculo não chegou a notar.
Depois, aproximou-se da jovem e fingiu preparar-se para beijá-la. Elisa ofereceu-lhe a face e sentiu nela apenas uma leve comichão, em lugar da carícia que esperava. Sofreu uma desilusão.
— Boas noites.
— Já?
— Partiremos ao nascer do sol. Não dispões de muitas horas para o repouso...
— E tu, que vais fazer agora?
— Vou procurar um sitio melhor para o carro e... deitar-me, logo que o descubra.
-- Falas a sério?
Fred abriu os braços, de par em par, e curvou-se ligeiramente, como a mostrar a pureza das suas intenções. Após este gesto teatral, deu meia volta sobre os tacões e afastou-se.
Conduziu a galera para o local que se lhe afigurou mais protegido e, sem seguida, montando no seu cavalo, regressou à rua dos estabelecimentos.
Entrou numa das tascas e bebeu um uísque. Ao seu lado, no balcão, estava um homem que, pelo modo como se comportava, devia achar-se à beira de uma bebedeira fenomenal. Falava pelos cotovelos, ora monologando, ora dirigindo-se a quem entrava ou saía. Fred resolveu aproveitar a loquacidade do bebedor, para tirar nabos da púcara.
— Conhece um tipo chamado Gerald Wells?
— Nunca ouvi esse nome na minha vida, mas... — e o homem encolheu os ombros. — Mas... quem sabe?
Depois, começaram a oferecer um ao outro copos de uísque. Agora eu, agora tu. E o responsável, pelo que estava a acontecer, era Fred, que pretendia desanuviar o espírito. Não queria pensar em Elisa e no marido. A beleza da jovem tinha-o conquistado. A beleza e a sua maneira de ser. Era a primeira vez que sentia por uma mulher algo tão profundo e, ao mesmo tempo, tão nobre, embora a soubesse casada.
— O que há lá fora? — perguntou o bêbado.
Fred começava a encolher os ombros, quando um homem entrou, de roldão, no estabelecimento, gritando:
— Vamos «linchar» um ladrão!
E, assim como havia entrado, o alvissareiro desapareceu, num abrir e fechar de olhos. Seguiu-o, de perto, a turbamulta dos frequentadores do bar que só não o espezinhou porque ele levava, por certo, asas nas botas.
— E se fôssemos também dar uma espreitadela? — disse o borracho palrador.
Fred aceitou a sugestão, sem entusiasmo. Pagou a despesa e saiu do «saloon», atrás do embriagado.
A cinquenta jardas da porta do estabelecimento, deparou-se-lhe um homem alto e bem fornecido de carnes, que se defendia, a murro, de meia dúzia de indivíduos que tentavam agarrá-lo. Os socos que ele ia distribuindo com magnanimidade equiparavam-se a coices de mula.
— Roubou um cavalo! — berrou uma voz.
Fred olhou instintivamente para o sítio onde havia deixado a montada e não a viu. Preparava-se, para tomar uma atitude drástica, quando reparou que o «Valente» se encontrava um pouco mais distante, junto de um rapazito de uns dez anos, que o segurava pelas rédeas e lhe acariciava o focinho.
Entretanto, a luta continuava. E continuaria se, de súbito, um inconsciente não se houvesse lançado de cabeça às pernas do gigante, para as abraçar com toda a gana.
O grandalhão perdeu o equilíbrio e estatelou-se no solo. Nessa altura, uns sete ou oito heróis caíram em cima dele e reduziram-no à impotência.
Instantes depois, o desgraçado estava de mãos amarradas atrás das costas e com uma corda ao pescoço.
— Gatuno de uma figa! — vociferou o borracho.
Fred percebeu que iria assistir, dentro de instantes, à aplicação da «Lei de Lynch». O homem devia ter sido surpreendido no momento em que tentava roubar o cavalo e, com isso, assinara a sua própria sentença de morte.
O rapazinho continuava a fazer festas ao animal, sem dar mostras de se ir embora de ali, quando Fred chegou perto dele.
Fred pegou nas rédeas do cavalo, mas o garoto continuou, como petrificado, de olhos postos no gigante que se deixava levar pela populaça para a árvore que onde seria enforcado.
— Não é espetáculo para ti, menino — disse Queen, tentando afastar o moço.
Foi então que decidiu evitar o linchamento. Porquê? Não saberia explicar, mas...
— Um momento!
Apesar do burburinho, a sua voz ouviu-se em todo o povoado. Alguns dos algozes voltaram-se para ele mas, ao verem-no de revólver em punho, tornaram-se mansos como cordeiros.
— Soltem esse homem!
— É um ladrão de cavalos — responderam várias vozes. — Não podemos perdoar...
— O cavalo pertence-me.
A pura verdade. No entanto, o roubo de cavalos, naquela região, era punido com a morte e nem sequer davam ao réu a possibilidade de ser julgado.
— Dei-lhe autorização para ir buscá-lo — respondeu Fred, num tom glacial.
Esta atitude bastou para semear a dúvida no meio dos algozes. Os homens entreolhavam-se, meio desconcertados. Para eles impunha-se que insistissem na acusação pois, de contrário, seria confessarem que se haviam enganado redondamente. Todavia, apodar de mentiroso aquele homem que empunhava o revólver, com um ar tão resoluto, não era nada fácil e poderia acarretar-lhes trágicas consequências.
Acharam melhor afastar-se pouco a pouco do condenado, embora alguns deles lhe lançassem, de quando em quando, olhares furtivos cheios de hostilidade.
Fred deu alguns passos em frente e parou diante do homenzarrão. Este devia contar uns quarenta anos e certos traços das suas feições, revelavam ascendência espanhola.
Miraram-se com frieza.
— Por que me salvou? — inquiriu, de chofre, em correto inglês.
— Sou o dono do cavalo e julguei-me com o direito de interferir...
— Pois, tanto como eu, o senhor desrespeitou a lei. Mate-me ou deixe-me em liberdade. Não tem o direito de me ter amarrado.
Mas Fred não o ouviu mais. Obrigou-o a dar meia volta e desatou-lhe as mãos.
— Mas é lícito que defenda o que me pertence.
E, ao acabar de proferir esta frase, vendo o gigante já em condições de se defender, atirou-lhe um tremendo soco à ponta do queixo.
O homem retrocedeu alguns passos, com um ar perplexo. Logo, porém, que conseguiu readquirir o equilíbrio, tomou balanço e lançou-se, com fúria, para a frente, pretendendo agarrar Fred, fosse lá como fosse.
Fred, que era um jovem ginasticado, evitou-o com uma esquiva digna de mestre e, para não ficar para ali de braços caídos, tratou de lhe aplicar mais dois murros na mandíbula.
Dizer que esses socos, embora potentes, abalaram o ânimo do inimigo, seria mentir descaradamente. O homem encaixou-os, como quem bebe um copo de água, e procurou, de novo, deitar as mãos ao seu libertador. Então, Fred, que não era uma pessoa dotada de paciência sem limites, entendeu que devia abreviar o espetáculo. Quando o gigante, coçando outra vez o queixo, preparava nova acometida, Fred, num salto, colocou-se junto dele e ato contínuo, atingiu-o, em cheio, no estômago, com um murro tão potente como o coice de uma mula manhosa.
O grandalhão revirou os olhos, pareceu sorrir, olhando em volta. Depois, abriu muito a boca, como se pretendesse praguejar, girou sobre um dos calcanhares e caiu, de borco, no solo. Nesse mesmo instante, o rapazinho, que não se havia afastado do cavalo, correu para o homem derrubado.
— Pai! ... Paizinho!
Fred ficou perplexo. O garoto fitou-o com os olhos rasos de água e, num tom abafado pelo ódio, atirou-lhe à cara, a palavra:
— Assassino!...
Ajoelhou-se junto do pai. Este, que já recuperara os sentidos, fez-lhe uma festa na cabeça.
— Agradece-lhe, meu filho... Não o insultes...
Fred dirigiu-se para o cavalo, percebendo que era alvo de todas as atenções. Durante esse breve percurso, ouviu pronunciar o seu nome várias vezes. Montou o «Valente» e fê-lo trotar até ao local onde havia deixado o carro.
Assim que lá chegou, apeou-se e atou as rédeas do cavalo, a uma trave da galera. Depois de ter dado uma volta pelas imediações, a fim de ver se poderia dormir descansado, subiu para o carro e deitou-se no colchão, debaixo da lona protetora. Não adormeceu logo. Durante muito tempo, só pensou em Elisa. Quando o sono estava prestes a vencê-lo, descalçou as botas, acomodou-se melhor e... adormeceu.
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