segunda-feira, 8 de agosto de 2016

PAS653. Uma estrela para um alcólico

Bellamy separou os maxilares, como se fosse engolir o teto. Os olhos encheram-se-lhe de lágrimas e pestanejou, passando a língua pela boca ressequida.
Tentou levantar-se e gemeu. Cada vez que dormia naquele maldito cadeirão do escritório do xerife, despertava com dores em todo o esqueleto.
Chuck já se havia levantado. Estava de costas para ele, imóvel, olhando para a rua.
— Bons dias, meu filho!
O xerife voltou-se, sorrindo, e sentou-se.
— Gostaria de se banhar num barril de genebra, «Doc»? Isso é bom, antes do pequeno-almoço. Estimula o apetite.
Bellamy tentou levantar-se pela segunda vez e desistiu.
— Estás acordado há muito tempo?
Chuck recostou-se no espaldar da cadeira e não lhe respondeu diretamente.
— Estão a chegar ganadeiros em grande número, «Doe».
 -n natural.
— Com as suas equipas.
— Também é natural.
— Bom. Não pensará do mesmo modo se souber que os vaqueiros destas equipas têm as mãos suaves como urna donzela e usam fatos dos mais caros.
Bellamy despertou por completo.
— Pistoleiros?
— A maioria... — respondeu Cumberlan, preocupado. -- Suspeito que vou ter muito trabalho...
«Doc» firmou os pés no solo, inclinou-se para a frente e começou a levantar-se, acompanhado do sucessivo ranger de todas as articulações dos ossos.
— Se lhe cair a cabeça, avise-me, «Doe» — indicou Chuck, com amabilidade. — Recolhê-la-ei e p8-la-ei outra vez sobre os seus ombros.
— Obrigado, filho — disse Bellamy, apoiando uma mão nos rins e dobrando-se para trás. — Acontece-me o mesmo todas as manhãs.
— Porque não vai ao médico?
— Porque não te matas, Chuck Cumberlan? — bufou, irritado. Aproximou-se da mesa e fez um gesto perentório, com a palma da mão para cima. — Vamos! Uma estrela, xerife!
Chuck olhou-o com curiosidade.
— Que tem, «Doc»? Ainda não começou a beber.
— Malditos sejas! — exclamou Bellamy, tremendo. — Decidi não provar uma só gota de álcool enquanto este maldito congresso durar! Decidi proteger-te, para que nada te aconteça! Decidi ser o comissário de Dodge... e tu agradeces-me rindo-te de mim! — Vermelho de ira, voltou-se, abriu a sua maleta e girou sobre os calcanhares, apontando a Chuck um enorme «Colt». — Dá-me essa estrela, meu filho, ou o facto de teres de te pentear deixará de ser um problema para ti!
Chuck recostou-se na cadeira e contemplou o indignado médico com tranquilidade.
— Está carregado, «Doe»?
«Doe» apertou o gatilho. O estrondo fez estremecer as paredes e, quando a nuvem de fumo se dissipou, viu Chuck na mesma posição, olhando-o perplexo. — No tambor ainda se encontram cinco como essa que saiu, Chuck.
Chuck abriu uma gaveta, pegou numa estrela e deixou-a sobre a mesa.
— É sua «Doc».
A irritação do médico desapareceu e riu como um garoto.
— Sabia que não me desiludirias! — exclamou, colocando o «Colt» debaixo do braço. Pegou na estrela e prendeu-a, muito ufano, na lapela da labita. — Obrigado, Chuck! Agora já não corres nenhum perigo!
— «Doc», o que tem debaixo do braço é um revólver, não uma garrafa. Agora, que está tão contente, não se confunda e, para o festejar, não meta o cano na boca. Tragar uísque não é a mesma coisa que tragar chumbo. Este dá uma digestão mais difícil. Como médico, deve sabê-lo.
— Sim, Chuck — respondeu Bellamy, mansamente, ao mesmo tempo que escondia o «Colt» no bolso da labita.
Chuck olhou por cima do ombro e observou os estragos causados pelo disparo de Bellamy.
Movendo a cabeça tristemente, disse:
— Se não taparmos esse buraco, morrerei de uma pneumonia, «Doc». Há uma corrente de ar terrível.
— Oh! Não te preocupes. Volto já. Vou ver se arranjo umas tábuas e alguns pregos.
— Muito bem, «Doc».
                                                                             
                                                                               *
Bellamy avançava pela rua principal de Dodge como um cônsul romano num desfile triunfal. Enfunava o peito, exibindo a sua insígnia da Lei, bamboleava-se e olhava de um lado para o outro, com um gesto desdenhoso nos lábios, como se as pessoas, Dodge e a terra inteira não tivessem importância.
Ao passar defronte do «Oriente», Walter Rocky e Leslie Nelson levantaram-se de um salto. Estavam debaixo do alpendre, esperando o regresso de «Frisco» e de Dorado, sentados comodamente, com os pés cruzados apoiados sobre o varandim. Quase dormitavam. E, por isso, sobressaltaram-se, porque...
Ao ver o seu caminho impedido, Bellamy encolerizou-se E deu tal pontapé nas pernas de Nelson, que este se levantou com um gemido. Walter Rocky imitou-o, levando as mãos às armas.
Mas, ao descobrirem um ancião, que os olhava malevolamente e que, ainda por cima, ostentava a estrela de comissário, desorientaram-se.
— Não é sítio para se dormir — avisou Bellamy, de mau talante. — A próxima vez que vos encontrar assim... fechar-vos-ei numa pocilga de porcos, que era onde deveríeis estar!
E continuou o seu caminho.
Leslie Nelson coçou a cabeça.
— Este tipo é que é a Lei em Dodge?
Walter Rocky sorriu. E o seu sorriso atentou-se, até que todo ele desatou às gargalhadas.
— «As estrelas no céu»! Serão favas contadas, Leslie! — exclamou através da sua hilaridade, batendo nos quadris. – Serão favas contadas!

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