quarta-feira, 19 de novembro de 2014

PAS403. Sinais de traição

— Com mil raios— rugiu Hecht, tirando o «sombrero» e atirando-o ao chão. — Você enlouqueceu? Você nao pode empregar todos os que vierem pedir-lhe trabalho! Quer-se arruinar? E que trabalho lhes vai dar?
— Vamos inventar um trabalho qualquer.
— Meu Deus, você está mais doido do que eu pensava!
— Já disse isso há bocadinho. Está bem. Se sou um louco, devo portar-me como um louco, nao acha?
— Oh! Oh! — gemeu Hecht, puxando pelos cabelos, e virando-lhe bruscamente as costas, afastou--se e entrou em casa.
— Podem ficar, amigos — disse Bert aos mexicanos em inglês.
Mas os mexicanos perceberam-no perfeitamente a julgar pela alegria de que deram mostras.
Dentro de casa, Clifford encontrou Grace que punha a mesa para o almoço.
— Viu isto? — exclamou Clifford. — Pelos vistos, Garner tenciona tornar isto um asilo para mexicanos pobres e crianças. Não sei como o poderei convencer, Grace. Você não tem a menor influência no seu marido? Nao o podia fazer compreender que se McKeever voltar aqui pegará fogo a esta casa e Garner arderá com ela?
— Tenho muita pena, Clifford. Nada posso fazer.
— Parece-me antes que você é que nao quer.
— E nao quero, é verdade.
— Então é porque o detesta tanto como eu e espera que seja esta a maneira mais rápida de fazer com que McKeever o mate. E isso Grace?
Os olhos cinzentos da jovem mostraram surpresa. Depois horror.
— Você nao fala a sério, Clifford.
— Claro que não falo a serio — suspirou Hecht. — Você não é capaz de tais cálculos, e no entanto a maneira mais segura de se livrar de Garner é deixá-lo continuar a sua loucura, até McKeever se irritar e pegar fogo a esta casa.
Ela ficou calada e Hecht olhou-a, sentindo que a irritação, a impaciência e o desejo se misturavam de uma maneira diabólica capaz de o levar a cometer qualquer loucura.
— Grace, — disse com a voz rouca. — não posso suportar isto. Você sabe que se estou aqui é por sua causa, mas nao sei se poderei resistir ate ao fim. Garner agora esta mais forte do que antes e ainda que nao se cure, pode viver muitos anos... Porque nao o deixa e foge comigo?
— Hecht! — exclamou a jovem, erguendo os olhos assombrados.
— Grace, com certeza que nao vai fingir que a minha declaração a apanha de surpresa. Bem sabes que estou doido por ti! Ou julgas que aturo todas as impertinencias e loucuras do teu marido por me ser simpático e fazer pena?
— Clifford, por favor!
Ele abraçou-a e atraiu-a para si. Os lábios da rapariga estavam tão perto de Clifford que ele sentia o seu hálito no rosto. Hecht inclinou-se e beijou-a selvaticamente.
— Hecht! Hecht! — exclamou a jovem, esquivando-se.
Nesse momento, Grace viu que Garner entrara e olhava para eles com ar sombrio.
 Grace reagiu e deu um empurrão a Clifford que o fez retroceder até à mesa. Hecht reparou então no olhar assustado da rapariga e seguindo a direção do seu olhar voltou-se e viu Herbert de pé à porta, parado. Houve um grande silêncio durante o qual Grace, corou ate a raiz dos cabelos, enquanto Clifford empalidecia. Clifford gritou furioso:
— Está bem Garner, diabos me levem se me importo que saiba. Gosto da sua mulher e só estou a espera que você morra para a levar comigo para longe deste inferno.
Bert avançou na direção de Hecht, mas mudou de direção bruscamente e foi direito a Grace. Parou diante dela, levantou a mão e deu-lhe uma bofetada. Ela não fez nada para evitar o golpe e cambaleou olhando para Garner.
— Oiça, Garner — gritou Hecht, agarrando medico por um bravo e obrigando-o a virar-se para si. — Se quer bater em alguém, faça-o comigo!
O punho de Hecht abateu-se no rosto de Garner que recuou ate chocar com a comoda. Hecht avançou com os punhos cerrados, mas Grace pôs-se entre os dois.
— Nao! — soluçou. — Nao lhe batas! Está doente...
Clifford deixou pender os braços envergonhado sob o olhar de Herbert.
— Tenho pena, Herbert. Mas não é razão para bater em Grace. Beijei-a contra vontade dela. A culpa é só minha.
Bert olhou para um e outro. Viu Hecht arrependido e Grace esforçando-se por não chorar. Bert pensou que nao tinha o direito de privar Grace de esperança de construir a sua felicidade quando ele morresse e ao mesmo tempo sentia pena de si próprio. Desapareceu toda a sua fúria.
Endireitou-se, passou a mão pelos lábios.
— Sente-se, Hecht.
Clifford olhou-o admirado. Teria compreendido melhor Garner se este o tivesse mandado sair imediatamente de casa, mas a frieza, a sensatez e a calma do doente, que nao conseguia compreender, punham-no doido.
— Bert, se quiser que me vá...
— Primeiro vamos falar, Hecht. Depois resolveremos o melhor.

Sem comentários:

Enviar um comentário