domingo, 2 de novembro de 2014

PAS391. Argumentos duma mulher bonita para encontrar um mapa

Contexto da passagem: Um homem, Elmer Tucney, procura o apoio de Jim e Tom e deixa-lhes parte de um mapa sem os informar a que se refere. Vem a aparecer assassinado e os dois amigos decidem decifrar o que se passou para o que puseram um anúncio no jornal «o Clarim» com o objetivo de contatar familiares de Elmer. Nem sabiam no que se estavam a meter nem como os interessados lhes iriam aparecer.



Jim e Tom estavam estendidos, cada um na sua cama. Eram seis horas da tarde.
Havia dois dias que estavam em Tacoma e os amigos do defunto Elmer Tucney não apareciam.
Sabiam que tinham que estar preparados e por isso os seus revólveres descansavam sobre as mesinhas de cabeceira e muito próximo das suas mãos.
Só saíam à rua para comer, salvo Jim, que tinha voltado duas vezes à redação de O Clarim para pagar o novo anúncio.
— Já te disse que não daria resultado— dizia Tom.
— Pode ser que tenhas razão. Mas foi a única coisa que me ocorreu com possibilidades de dar algum resultado.
— Quando partimos?
— Amanhã, às primeiras horas.
 — Para Bismarck?
— Não podemos ir para outro sítio.
Houve uma pausa. Depois Tom disse:
— E essa rapariga?
— Selena? Dura como uma rocha. Não me perdoa os princípios da nossa amizade.
— Bonita, hem?
Jim levantou-se e disse:
— Vou dar uma volta. Será melhor tu ficares.
— De acordo.
— Cuidado com as visitas. Recebe-as uma a uma e com o dedo no gatilho.
— Não te preocupes. Não virá ninguém.
— Nunca fiando. Fecha-te por dentro e pergunta primeiro antes de abrir.
Tom concordou e Jim deu a volta à chave na fechadura e saiu para o corredor. Pouco depois caminhava lentamente pelo alpendre da rua. Deteve-se diante da montra de um chinês. Ali viu pulseiras, colares, brincos, camafeus e alfinetes...
Meteu a mão no bolso e contou o último capital que lhe restava. Quatro dólares e noventa cêntimos. Entrou no estabelecimento e perguntou ao chinês o preço de uma pulseira de marfim maravilhosamente trabalhada. Pediu-lhe três dólares. Ele ofereceu um dólar e setenta e cinco cêntimos e a sala encheu-se de lamentações do oriental. Finalmente chegaram a um acordo, deixando a coisa em dois dólares e vinte cêntimos.
Jim saiu do bazar levando a sua aquisição. Ao ter os pés na rua, ouviu uma voz feminina à sua esquerda:
— Quer deixar-me em paz, cavalheiro?
Desviou o olhar e ficou atónito contemplando uma mulher de uns vinte e cinco anos de impressionante beleza. Tinha o cabelo loiro como as espigas de trigo do Kansas em Agosto, e a sua cútis era tão branca corno a de uma atriz europeia que vira, há muitos anos, num teatro de Sonora. O seu vestido, de cor verde com uma pequena faixa vermelha na cintura de vespa.
Um homem de aspeto sujo estava importunando a bela jovem e Jim, não vacilou em acudir em seu auxílio. Aproximando-se da jovem, disse inclinando-se:
— Os meus cumprimentos, menina. Posso ser-lhe útil em alguma coisa?
A jovem olhou-o e Jim sentiu que o seu coração galopava. Tinha uns olhos azuis expressivamente doces.
— Na verdade, cavalheiro... eu...
— Não precisa de explicar-se, menina. Eu compreendo.
O tipo que se tinha metido com a jovem, tossiu e disse:
— Onde está um homem e uma mulher tudo o resto está a mais, ouviu, maldito suíno?
— Eu penso o mesmo— concordou Taylor.
— Pois vá, pode ir levantando voo. Eu vi-a primeiro.
Jim voltou-se e entregou à jovem o pequeno pacote que levava na mão fazendo gala de uma correção esquisita.
— Quer fazer o favor de segurar por um momento, menina?
— Naturalmente— disse ela confusa.
Taylor enfrentou de novo o barbudo e disse:
— Lamento dar-lhe só uma lição de educação, mas tenho, o tempo contado.
— Sim, hem? — desafiou o outro.
O braço de Jim rasgou o ar como um punhal e o seu punho embateu no rosto do seu rival, que foi lançado para trás numa velocidade incrível, como se fosse ganhar uma corrida, e finalmente caiu no chão levantando uma nuvem de pó.
Um transeunte que passava no local não se pôde conter e disse:
--Demónios. Deve ter ficado sem dentadura. Terá que voltar a comer papas.
Jim olhou para a estupefacta jovem e disse:
— Lamento que tenha presenciado este espetáculo, menina...
— Oh, mas foi emocionante... Mas... Mas esse homem... Ninguém o ajuda.
— Não deve inquietar-se. Olhe, já se move. Só ficará um pouco dorido...
— Oh, mas quererá desforrar-se. Corra, ponha-se á salvo.
— Encontro-me perfeitamente junto de você. Garanto-lhe.
A jovem estava muito nervosa olhando alternadamente para Jim e para o homem que de um momento para o outro se levantaria.
— Você é muito galante — declarou — mas não quero que lhe aconteça nada por minha culpa... Venha comigo! Depressa!
Ela agarrou o braço de Jim e este julgou que subia ao céu. Começaram a andar rapidamente afastando-se do local da luta. Dobraram por uma transversal e começaram a andar mais devagar. De repente Jim viu que na sua direção vinha Selena, a jovem empregada de O Clarim de Tucoma. Ao cruzarem-se, os seus olhos encontraram-se e ele fez uma ligeira inclinação com a cabeça que não obteve resposta.
Então a loira pareceu dar conta que dava o braço a um desconhecido e retirou a mão.
Pararam e olharam-se.
— Causei-lhe muitos aborrecimentos, senhor...
— Taylor. James Taylor. Pode tratar-me por Jim.
— Eu Cleo Bennet, pode tratar-me por Cleo.
Os dois sorriram.
— Formosa cidade. Vive aqui, Cleo?
— Oh, não. Estou só de passagem. Sou inspetora das Escolas do Estado.
— Quer dizer que anda só pelo mundo?
— Não tenho parentes próximos. Estou acostumada a valer-me a mim própria... — a jovem deve ter recordado o recente acidente e acrescentou: — exceto em algumas vezes.
— É provável que aconteçam amiúde. Tem uma grande fachada... Perdão, quero dizer que é muito bonita.
Cleo sorriu e retornou a andar, perguntando--lhe:
— Que é que faz, Jim?
— Tenho um companheiro, Tom Marlowe. Juntos guiamos caravanas de emigrantes para Oregon.
— Mas Tacoma encontra-se muito afastada da sua rota.
— Durante os últimos dias, eu e Tom, temo-nos ocupado de assuntos pessoais, mas amanhã abandonaremos a cidade a caminho de Bismarck...
— Gosta da sua profissão, Jim?
— Não conheci outra. Fiquei órfão aos treze anos e um explorador, Bill «Arrugas», recolheu--me. Criei-me com ele e aprendi tudo o que deve saber um homem em luta constante com a natureza e os índios. Não tenho ido mal e não me queixo. Agora voltarei ao antigo. Isso é tudo.
— Dá-me a impressão de que é excessivamente modesto— disse Cleo parando diante de uma porta sobre a qual havia um cartaz impresso onde se lia Hotel Dakota. •
— Está aqui hospedada? — perguntou Jim.
— Sim. Quer subir?
Ele ficou um pouco assombrado pelo convite e ela murmurou:
— A menos que outro compromisso o impeça. Tenho um whisky especial que me ofereceu um amigo.
Jim engoliu em seco e disse:
— Que estamos à espera? Tenho a garganta seca.
Entraram no hotel, dirigiram-se para a escada seguidos pelo olhar curioso do encarregado.
Uma vez em cima Cleo abriu a porta número oito.
O apartamento compunha-se de urna pequena sala com dois maples, e uma mesa, e um quarto de dormir, a que dava acesso a primeira por uma porta discretamente dissimulada por uma cortina.
Jim chegou à conclusão, que por tudo aquilo Cleo pagaria o triplo do que ele pagava no Hotel do Cow-Boy.
— Sente-se enquanto vou buscar a garrafa do whisky.
Jim deixou o chapéu sobre um dos braços do maple, guardou a sua compra nas calças e sentou-se, tirou a bolsa do tabaco e papel e enrolou um cigarro. Acendeu-o e começou a fumar. Os minutos passaram lentamente.
Ouviu nas suas costas o «fru-fru» de seda e voltou a cabeça. Esteve quase a engolir o cigarro.
A formosa Cleo cobria-se com uma bata de veludo que tornava mais branca a sua leitosa pele. Na mão direita, tinha a garrafa prometida e, na outra, os copos.
Colocou tudo sobre a mesa e sentou-se no outro mapie cruzando as pernas. A bata abriu-se uns centímetros e Jim viu uma perna perfeita, provocando-lhe uma repentina tosse.
— Meio copo para mim, Jim.
Na voz dela notou algo de coquetaria. Aproximou-se da mesa, tirou à rolha da garrafa. Depois agarrou nos dois copos e estendeu um. Cleo esticou o braço com um movimento felino e Jimmy sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha.
— À nossa saúde— brindou Cleo e bebeu.
Jim bebeu o seu de um só trago e rapidamente serviu-se de nova dose.
— Mais para mim também, Jim— murmurou a jovem.
Ele inclinou a garrafa sobre o copo de Cleo e de repente deu conta que o agarrava mal.
— Oh, que azelha sou... — disse como se falasse consigo próprio.
— Porquê?
— Não tem importância.
— Diga-o.
— As garrafas devem ser seguras pelo gargalo.
— E as mulheres?
 Jimmy olhou as azuladas pupilas e respondeu:
— Pela cintura.
Enquanto se olhavam passou outro minuto. Jim notou que o álcool lhe fazia bastante efeito.
— É muito bom o seu whisky, Cleo.
— Porque não põe em prática o método?
— O método? Qual?
— Dizem que tenho uma cintura bastante estreita.
Jim encheu outra vez o seu copo e bebeu-o sem deixar de olhar a jovem, a qual parecia ter relaxado os músculos e inclinava a cabeça. Uma madeixa loira caiu para a frente e ficou a tapar o olho. A bata abriu-se um pouco por altura do decote.
— Jimmy... — disse Cleo num sussurro.
Ele colocou o copo sobre a mesa e aproximou-se da jovem. Abaixou-se e passou os braços pelas costas da jovem levando-a até à altura do seu peito. Depois ao ver os seus lábios húmidos beijou-os ferozmente. Quando se afastaram Cleo disse com as pupilas brilhantes:
— Mais, Jim...
Taylor voltou a estreitá-la, mas ela fugiu ao beijo dizendo:
— Referia-me ao whisky, querido...
Jim soltou-a cambaleando.
— Que se passa? — disse a jovem. — Não bebeste muito.
— Não sei— respondeu ele passando a mão pela cara.— Julgo que me caiu mal. Talvez tivesse o estômago vazio.
— Quer deitar-se um pouco a ver se passa?
Jim viu os objetos da sala andar à roda.
— Será melhor ir-me embora. O ar da rua refrescar-me-á.
— Não, não, fique; pode cair e não me perdoaria.
Ele cada vez se encontrava pior e tinha adotado a decisão.
— Vou-me embora e quando estiver bem regressarei para o pé de si...
Começou a andar com passo vacilante para a porta e abriu-a saindo sem se voltar.
Duas vezes tropeçou e não caiu graças a ter-se agarrado ao corrimão.
O empregado viu-o sair do hotel e ficou abanando a cabeça e olhando para o andar superior.
Tinha anoitecido. Apesar do seu crescente melhorar, Jimmy considerou não estar em condições de apresentar-se ao seu amigo. Pensou que podia dirigir-se para os arredores da cidade e sentar-se até que desaparecesse o efeito do whisky.
 Lembrou-se de Cleo e amaldiçoou-se interiormente por não ter bebido com precaução. Mas, teria ingerido tanto whisky que lhe produzisse «aquilo»? Em numerosas ocasiões tinha bebido três vezes mais sem que ninguém pudesse apontar-lhe com um dedo ao sair do estabelecimento.
A rua estava escura e deserta. Deteve-se para encher os seus pulmões de ar, mas continuou a andar, pois notou que estando parado aumentava o mal-estar.
Percorreu cinquenta jardas com rapidez e sentiu que o suor molhava a sua camisa.
De repente, ouviu passos nas suas costas.
Deteve-se novamente e voltou a cabeça. Viu uma sombra mais escura que se movia na sua direção.
Nesse momento algo zumbiu no ar e chocou contra o seu crânio. Sentiu uma terrível dor e depois mais nada. Quando voltou a si, julgou que o seu cérebro andava de um lado para o outro. Sentia um zumbido nos ouvidos, e tinha a boca pastosa. Corria uma brisa fresca e isso fê-lo pensar que a madrugada devia ir avançada. Não sabia quantas horas tinha permanecido ali estendido, mas deviam ser várias.
Pôs-se de joelhos e apalpou a cabeça. Soltou um grito ao tocar no tremendo alto.
Levantou-se e obteve a primeira alegria ao notar que já nada andava à roda. Mas durou pouco. Começou a associar ideias. Cleo, luta, hotel, bebida, agonia, rua, golpe... Plano de Elmer Tuc-ney!
Tirou a carteira em que guardava o papel e descobriu o que já suspeitava. Não tinha o bocado do plano.
Em grandes passadas encaminhou-se para o Hotel Dakota. Entrou como um furacão pregando um grande susto ao empregado e subiu a escada sem responder às suas perguntas.
Ao chegar em frente da porta numero oito, sacou o revólver e fez rodar a maçaneta. A porta estava fechada à chave. Empurrou-a gritando:
— Abra, Cleo!
Pelo corredor apareceu o empregado, uni homem gordito, correndo aos saltinhos.
— Cavalheiro, não faça escândalo. Vai acordar todos os clientes.
— Tem as chaves desta porta?
— Claro que sim.
— Abra-a!
— Mas... mas...! --'
– Não discuta! — Jimmy apontou para a barriga do seu interlocutor.
Não tinha a chave e tiveram que descer para a ir buscar. O empregado tremia ao introduzir a chave na fechadura para a fazer girar.
Jimmy cruzou a sala a correr e afastou a cortina que separava o quarto de dormir... e não encontrou ninguém.
Voltou à sala e olhou para o empregado que tremia no umbral.
— Onde está?
— A menina Cleo Bennet? Foi-se embora. É que queria dizer-lhe antes.

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