domingo, 16 de novembro de 2014

PAS400. Caminhada para uma região desértica

Estendido num colchão, no fundo da carreta, Bert Garner só conseguia ver, através da abertura do toldo, os penhascos avermelhados das montanhas que avançavam sobre o desfiladeiro, com alguns pinheiros tortos, destacando-se na profundidade do céu azul, a beira do abismo. Naquela manhã, Bert tinha visto a inquietante silhueta de um cavaleiro índio contemplando-os com uma imobilidade de pedra do cimo de um rochedo.
— Não tenhas receio — tinha dito Rainbow, o condutor da carreta onde Bert viajava. — Os índios estão tranquilos, depois da última tareia que o Exercito lhes pregou.
Bert voltou a deitar-se sobre o colchão. O ar estava extremamente quente e tao abafado que ele tinha que recorrer, com frequência, ao cantil que tinha pendurado sobre a sua cabeça. Os vaivéns da carreta, sobre o terreno, acidentado e desigual, faziam oscilar o cantil como um pendulo e quando não tinha outra coisa que contemplar, Bert ficava a ver o seu movimento, ate acabar, invariavelmente por adormecer.
A sede fazia-o despertar com uma agoniante sensação de asfixia.
Nao estava tao doente que nao pudesse levantar-se da cama, mas ao fim de três dias de marcha desde Yuma tinha verificado ser aquela a postura mais cómoda para viajar. La fora, ao lado do condutor, o sol ardente do deserto caia a prumo, fazendo-o enjoar. O pó que os cavalos levantavam, formava uma nuvem que o asfixiava...
Bert tinha voltado a adormecer, quando foi acordado por uma paragem brusca do carro e pelo grito de Rainbow:
— Soo, mula! Soo!
— É um homem— disse a voz de Brace Cornell, por detrás de Bert. — E parece ferido…
— Parece-me mais que está morto — disse Rainbow. — Segure-me nas rédeas, senhora Garner. Parece-me que de qualquer maneira teremos que acampar aqui...
As molas da carreta gemeram, ao se livrarem do peso do corpulento condutor. Michael Hogan, que guiava o segundo veículo, perguntou:
— Que aconteceu, Ted? Por que paramos?
Rainbow respondeu:
— Vem cá... Está aqui um homem ferido...
Bert levantou-se sobre um cotovelo, atento aos ruídos vindos do exterior.
— Grace! — chamou — Grace!
Uma mão feminina afastou as cortinas da frente do carro, e o rosto de Grace, esbranquiçado devido a poeira, assomou por entre as lonas.
— Que aconteceu?— perguntou Bert.
— Está um homem estendido no caminho — disse a jovem, muito excitada. — Não sabemos se está morto, ferido ou simplesmente desmaiado. Rainbow está a examiná-lo. — A jovem voltou a cara para fora e anunciou: — Parece que ainda está vivo. Rainbow esta a fazer sinais...
 A voz áspera de Rainbow ouviu-se:
— Dá-me cá um cantil, Michael! Este homem está a delirar... Tem uma bala na espádua. Grace deixou escapar um pequeno grito. Bert disse:
— Vou descer, Grace.
Quando saltou do carro, Bert verificou que se encontrava à saída de um profundo desfiladeiro que tinham percorrido durante a manhã.
O caminho que as carretas percorriam estava situado entre a torrente pedregosa e a ladeira de um talude, entre cujos rochedos cresciam alguns pinheiros. O homem sobre o qual Rainbow estava inclinado devia ter rebolado por aquele talude e estava estendido quase no meio do caminho, mas estava de tal forma coberto de pó, que o condutor só o descobrira ao se encontrar muito perto dele.
Bert avisou Michael que se aproximava com o cantil:
— Não lhe deem ainda água.
Bert era médico e de tal maneira se achava familiarizado com a vista de sangue, que não fez o menor gesto de surpresa ao inclinar-se sobre o homem ferido. Procurou-lhe o pulso e disse:
— Perdeu muito sangue. Veja se o vira, Rainbow.
O condutor obedeceu.
— Rasgue a camisa, senhor Rainbow. Grace, fazes o favor, dás-me a minha maleta?
Rainbow puxou por um punhal. A camisa rasgada deixou ver a larga e bronzeada espádua do homem e nesta, o orifício sangrento aberto pela bala.
Herbert, depois de examinar a ferida, levantou os seus olhos para o sol.
— Teremos que trabalhar depressa, senão nao temos luz para extrair a bala— murmurou. A jovem tinha chegado com a maleta e Hogan continuava de pé com o cantil na mão.— Vai buscar uma manta, Grace. Você, Hogan, ajude o senhor Rainbow.
Grace chegou com uma manta e Hogan e Rainbow puseram o desconhecido em cima dela.
— Grace, põe água a ferver mal o senhor Hogan acender uma fogueira — ordenou o médico.
Hogan afastou-se e a rapariga também. Entretanto, Rainbow tirava ao ferido o pesado cinturão. Tirou a pistola do coldre. Era um «Colt», calibre 45, uma arma bastante antiga e ao que parecia, usada.
Rainbow, que era baixo e forte, mostrou o revólver ao doutor.
— Que aconteceu, senhor Rainbow?
— Vi já morrer muita gente, doutor e nao acredito que a este restem maiores invernos. Porque nao o deixamos esticar o pernil em paz?
— Pensa que o devíamos fazer, senhor Rainbow?
— Veja a sua pistola. Seis marcas na coronha. Sabe o que isso significa? Este revolver tirou, pelo menos, a vida a seis homens.
— E depois?
— Estou pronto a apostar que se trata de um «pistoleiro», reclamado pela justiça.
Herbert Garner contemplou largamente o ferido. Depois, o seu rosto pálido no qual as feici5es corretas pareciam talhadas sobre marfim, voltou--se para o carreteiro. Os seus olhos, verdes e inteligentes, cujo notável contraste com os seus cabelos negros e ondulados, tanto surpreendia Rainbow, brilharam.
— Senhor Rainbow — disse, delicado mas energicamente, com aquela sua correção que o qualificava como homem culto e tanto agradava aos seus carreteiros — só a Deus compete decidir sobre a vida de um homem. Eu não sou Deus, nem sequer um juiz. Sou apenas médico. De qualquer forma, tratarei deste homem. Fá-lo-ei, porque é meu dever, percebeu?
Esta forma clara e brilhante de expor qualquer assunto, era outra das características surpreendentes do médico. Rainbow encolheu os ombros e afastou-se.

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