domingo, 9 de novembro de 2014

PAS397. No carro com o canalha


-- Assisti à tareia que ele deu em Pete Kinton. Pode explicar-me o que faz um homem tão perigoso em Los Hoyos ?
— Não o compreendo.
— É muito simples. «Calamidade» Jim é um verdadeiro diabo a lutar e, durante mais de um ano permaneceu no povoado bebendo sem cessar, e parece que sempre bêbedo. Não vê nada de suspeito?
— Não, só estranho. Mas conheci há muitos anos um tipo semelhante que tinha as mesmas características que «Calamidade» Jim e o seu afundamento moral devia-se a' um fracasso que teve. Estava convencido ter sido o causador da morte de vários homens. E esse pensamento jamais saía da sua mente, e atormentava-o sem cessar.
— Não creio que esse seja o caso de «Calamidade Jim— negou Radford desdenhoso. — Que sabemos da identidade do chefe dessa quadrilha de ladrões?
— Nada em absoluto. Deve ser um homem muito hábil.
— Sobre isso não pode haver a menor dúvida, pois que demonstrou conhecer a fundo a sua profissão. Mas isso dá lugar a suspeitar de «Caridade» Jim. Não pode existir maior oportunidade que fingir estar sempre bêbedo? Já ninguém se fixava nesse bêbedo, e isto dava-lhe uma série de oportunidades para inteirar-se do que se passava na região. Se permanecia alguns dias sem vir à cidade, ninguém suspeitava dele.
Este raciocínio tornava-se lógico, e Stone viu-se necessidade de concordar. Não obstante, a dúvida não se apoderou dele e não julgava o jovem vagabundo capaz de semelhante ação.
— Sim, Radford. Tudo isso pode ser verdade, mas não posso acreditar. Um homem capaz de representar essa farsa deve possuir uns nervos de aço, e não me explicou porque se decidiu a enfrentar-se com Kinton, quando teria sido mais fácil enviar alguns homens para eliminá-lo.
--- Estes homens têm sempre uma falha, sendo neles muito frequente a vaidade. Incomoda-os que alguém possa ser mais temido do que eles. Este pode ser o motivo para que tire a máscara com que se ocultava.
— É provável, mas continuo a pensar que «Calamidade» Jim não é um criminoso.
Gladys também tinha ouvido os raciocínios do rancheiro, e também era da opinião de seu pai. De forma alguma julgava o vagabundo capaz de cometer os crimes que assolavam a região. Alguma coisa na sua alma lhe dizia o contrário, e disse de forma impulsiva:
— Eu não acredito no que insinuou, senhor Radford. Lembro-me perfeitamente como foi a intervenção de «Calamidade» Jim. Indignou-se com a maneira de proceder de Kinton e impediu-o de continuar a bater em Gary.
— Tenha em conta que só expôs uma teoria, Gladys. Nana tenho contra «Calamidade», tenho só interesse em descobrir quem é o nosso inimigo. Só quero lutar a descoberto com ladrões e tratar de os aniquilar.
— Compreendo-o, Radford — assentiu Stone com gravidade — e agradeço-lhe o seu interesse.
Este sorriu e fez um gesto com a mão.
-- É inútil fazer conjuras. Gladys, permite-me que a acompanhe a Los Hoyos? Tenho de ir ao sheriff participar o roubo do gado de que fui vítima, apesar de ter a certeza que são passos inúteis.
--Estou satisfeito que Gladys vá acompanhada por você, Radford. A jovem limitou-se a dizer que sim com a cabeça, enquanto ia buscar a sua carruagem. Na realidade não gostava da companhia daquele homem, mas não era possível recusar o oferecimento.
Radford apertou a mão de Anthony Stone, e subiu para o carro, depois de ter amarrado o seu cavalo na parte traseira. Galdis ofereceu-lhe as rédeas enquanto dizia:
— Quer levá-lo?
— De nenhuma maneira, você fá-lo perfeitamente. Será para mim muito agradável contemplar a paisagem de maneira tão cómoda.
— Como queira, senhor Radford. Até logo, papá.
E depois de agitar a mão em sinal de despedida, empreenderam a marcha. Durante um bocado permaneceram silenciosos; Radford contemplava a paisagem, o lindo semblante da jovem e o seu olhar percorreu o firme busto, até deter-se nas esbeltas pernas, que o vestido moldava de forma tão sugestiva.
Gladys surpreendeu este olhar e estremeceu, sentindo uma sensação desagradável. Com movimento instintivo puxou a saia, tratando de evitar que esta continuasse a desenhar as suas pernas, mas foi inútil, pois Rardford notou-o e sorriu de forma impercetível.
— O seu pai encontra-se desmoralizado e lamento-o, Gladys.
— Sim, é horrível. Pobre papá!
— Disse-me que tinha pensado vender o rancho. Não gostaria que isso acontecesse, pois aprecio o seu pai.
— Obrigado, senhor Radford.
— Depois, se isso acontecesse, já não poderia vê-la e estou disposto a que isso não se venha a dar. Por esta razão ofereci-me como comprador do rancho para que desta forma, talvez consiga que você não parta. 82 — •
— Que quer dizer?
— Vou ser sincero, Gladys. Não me é possível continuar calado, amo-a e quero que seja minha mulher.
A jovem não pôde evitar esta declaração que, já havia tempo, previa. Tratava-se de uma situação embaraçosa; não gostava daquele homem e jamais podia aceitar a sua proposta. Continuou calada, olhando com obstinação o caminho.
Radford perguntou:
— Que responde, Gladys?
— Não posso aceitar, senhor Radford. O meu dever é estar ao lado de meu pai, e para mais nestas circunstâncias tão dolorosas para ele.
Ele sorriu afável, enquanto a sua mão apertava com ternura a da jovem.
— O seu pai não teria que partir, poderá continuar connosco.
— Oh, não, o papá não ficaria! É demasiado orgulhoso.
— Então existe outra solução, Gladys. Case-se comigo, e os ranchos ficariam juntos.
— Não posso aceitar. Lamento-o, senhor Radford.
O rosto do rancheiro corou de ira. Conteve-se com um poderoso esforço e incluso chegou a sorrir, perguntando:
— Porque não, Gladys? Que a impede?
— Não o amo.
Esta resposta, embora esperada, produziu-lhe uma desagradável impressão: o seu natural impulso rancoroso tentou impor-se. Mas voltou a dominar-se.
— Ama outro homem?
Gladys vacilou, quando na realidade a sua resposta devia ser retumbante negativa. Mas impediu-lhe ao evocar a arrogante figura de «Calamidade» Jim, tal como a recordava quando saiu ao encontro com Pete Kinton: Estava enamorada do vagabundo? Esta súbita pergunta fê-la estremecer e sem dúvida não era a primeira vez que a formulava, ainda que não de forma tão clara.
Respondeu com um esforço.
— Não. Não existe outro homem na minha vida.
Radford sorriu.
— Então não tem importância. Conseguirei que você me corresponda, todos os meus esforços serão dedicados a conquistar o seu amor.
— Não, senhor Radford. Não casarei com você.
O rancheiro enfureceu-se ao ouvir a negativa. Já não lhe foi possível conter-se e o seu orgulho, ferido, foi superior à sua inteligência. Já não pôde fingir e toda a violência do seu carácter veio à superfície. Com força enlaçou-a nos seus braços, pois a jovem surpreendida por esta inesperada ação não conseguiu esquivar-se. Tentou resistir mas os braços do homem dominavam-na.
— Largue-me, senhor Radford!— gritou tratando de desviar a cara dele que se aproximava da sua.
— Vou beijá-la, Gladys. Será minha.
Os cavalos aceleraram a marcha, pois ao não serem dominados e não notando as rédeas seguras galoparam assustados. A jovem, compreendendo que se tratava da única solução para escapar, exclamou:
— Os cavalos vão tomar o freio nos dentes.
Radford desatou a rir, e com uma mão apoderou-se das rédeas, sem que com a outra deixasse de a dominar. Foi fácil dominar os cavalos já que estes não estavam demasiado assustados. Com um brusco esticão deteve-os.
— Largue-me. Você é um canalha.
— Não, Gladys, sou só um homem que a ama.
E inclinou-se para beijar os lábios da jovem. Estava convencido de o conseguir e nada nem ninguém o poderia evitar. Não tinha pressa nenhuma e enquanto saboreava aquele momento, notava o estremecimento do corpo juvenil. Isto entonteceu-o, e quando ia a beijá-la notou nas costelas o contacto de um objeto duro.
— Dispararei se me beija, senhor Radford.
A voz da jovem era firme e não se notava nela o menor temor ou vacilação, vendo Radford nos seus grandes e formosos olhos a firme decisão de cumprir a sua ameaça, pois esta não foi feita para o assustar.
Compreendeu o que se tinha passado. Gladys apoderara-se do seu Colt e ameaçava-o com ele. Todavia vacilou uns instantes. Esteve tentado a beijá-la na mesma, pois talvez no seu ardor a jovem sucumbisse.
Mas a voz de Gladys voltou a soar.
— Largue-me ou mato-o.
O rancheiro olhou-a. O seu rosto estava pálido pela humilhação.
Gladys respirava agitada e o seu olhar irradiava indignação:
— Você é um miserável. Não direi ao meu pai o que aconteceu, mas não quero vê-lo mais no rancho.
— Perdoe-me, Gladys. Fui um insensato e deixei-me dominar pela paixão.
— Um cavalheiro nunca procede assim.
— Esqueça o que se passou. Peço-lhe, Gladys. Dê-me outra oportunidade.
— Desça imediatamente.
— Mas, Gladys...
— Obedeça ou disparo.
Radford rangeu os dentes de raiva, compreendendo que não podia fazer outra coisa. A fúria dominou-o por completo e esteve tentado a lançar-se contra a jovem, mas a firme atitude desta deteve-o. Dispararia contra ele.
— Arrepender-se-á disto, juro.
— Creia-me que não havia nada que mais gostasse que disparar contra você. Não merece outra coisa. Salte rápido.
Radford obedeceu. Com o cenho franzido desatou o seu cavalo mas nas suas pupilas distinguia-se um ódio feroz.
Gladys sorriu trocista.
— Deixarei o seu revólver no gabinete do sheriff, senhor Radford.
E esperou que este se afastasse.
Uma vez perdendo-o de vista retomou a marcha até ao povoado. A sua agitação tinha passado e, na realidade, não lhe tinha causado surpresa a conduta de Harry Radford, já que este sempre inspirara pouca confiança. Por sorte conseguiu evitar de ser beijada e um estremecimento de repulsa percorreu o seu corpo ao pensar se não o tivesse conseguido.
Não duvidou que Radford trataria de fazer cumprir a sua ameaça pois aquele homem era capaz de cometer as maiores vilezas. Foi uma casualidade a sua mão encontrar o Colt, e não vacilou apoderar-se dele nem tão-pouco teria vacilado em disparar se Radford se tivesse obstinado em realizar a sua agressão.
Não diria nada a seu pai, pois este indignar-se-ia e talvez quisesse pedir explicações a Radford. Temeu que este o agredisse pois tratava-se de um malvado, capaz de realizar qualquer infâmia.
Deixaria o revólver ao sheriff, pois este inspirava-lhe confiança e explicar-lhe-ia o sucedido.

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