O homem de cuja presença menos poderia suspeitar-se, galopava entre os mexicanos. Trazia na cabeça um chapéu de abas largas. Não se distinguiu claramente o rosto. Mas o instinto de mulher apaixonada que havia cm Regina descobrira-o. Então, erguendo-se arquejante, assomou a cabeça à janela e pôs-se a gritar:
—Obrigada, Larry! Eu bem sabia que não me esquecerias. Salvaste-nos, Larry!
Todo o ódio havia desaparecido dos seus olhos e agora havia neles um clarão de esperança, quase infantil, que comovia.
— Não assomes a cabeça! — gritou Ted. — Tem cuidado!
Ele inclinou-se para puxá-la e obrigá-la a retomar a sua posição primitiva. Mas Larry Thompson levantara o seu «Colt». Ouviu-se uma detonação e Regina foi atingida na cabeça. Apesar de todo o seu sangue-frio, Ted soltou um gritou selvagem:
—Canalha! Como a rapariga te estorvava, acabaste por matá-la. Mas nós ainda não morremos, Larry Thompson. Ainda temos mãos e dentes para te deixarmos sem pele.
O governador puxou-o pelos cabelos, para dentro. Nesse momento, uma nova bala do «Colt» de Larry penetrou na carruagem, atravessou a chapa e atingiu o condutor no lado direito das costas. Todos ouviram o seu grito de agonia e viram-no cair da carruagem para o solo.
—Ninguém pode guiar os cavalos e agora, começa uma correria louca.
O único guarda sobrevivente abriu uma porta e sem cerimónias, atirou para fora os cadáveres do seu companheiro e de Regina. Além de constituírem um peso, arrasavam os nervos dos que ainda tinham vida.
—Esse tipo é um dos tais cidadãos honrados que sabiam que a diligência trazia dinheiro! — disse Ted, com ironia. —E oiça uma coisa, flamante governador do Arizona: Larry fez ultimamente muitos equilíbrios para que esquecessem a sua história e estar bem com a Lei, a fim de fazer o seu joguinho duplo. Agora que foi reconhecido, julga que deixará algum de nós com vida? Não! —E noutro • tom, perguntou: — O senhor governador tem família? Pois, despeça-se dela!
—Tenho família, sim, flamante condenado! Mas o que mais me interessa dinheiro para os camponeses do Arizona. Se esses truões se apoderam dele, meto uma bala na boca. E pronto. Volta-te de costas, meu mariola!
Ted voltou-se com urna expressão de ferocidade no rosto. Um segundo depois o fio de uma navalha livrava-o da corda, que lhe prendia as mãos. Agarrou, então, no «rifle» do primeiro guarda.
—Que bela arma! Sabe como se maneja isto?
—Vê tu, meu mariola!
Ted, com o «rifle», e o governador, com o seu revólver, dispararam ao mesmo tempo, cada um da sua janela. Dois mexicanos caíram no solo, depois de darem urna formidável reviravolta, em cima das suas montadas.
—Esta é para ti, Larry Thompson!
O «pistoleiro» cavalgava muito próximo da diligência. Ted apontou-lhe friamente à cabeça. Mas, meio cego pelo sol, não o atingiu. Em troca, foi outro mexicano, que recebeu o projétil no ombro direito, dobrando-se sobre o pescoço do seu cavalo. E ficando para trás, foi perdendo o contacto com o grupo. Larry apressou-se a colocar-se atrás da diligência.
—Restam sete, governador —rugiu Ted.
—Bem sei. Sete balas...
Os dois tornaram a disparar, ao mesmo tempo, mas só Ted atingiu o alvo. Outro mexicano caiu, alcançado numa perna.
—Seis...
Um assaltante havia chegado à altura da diligência, pretendendo ultrapassá-la; mas o governador disparou à queima-roupa e antes de que o cavaleiro caísse já ele havia disparado o resto do tambor na cabeça.
—Deita-te no chão, Anabela.
A rapariga parecia incapaz de reagir, chorava angustiosamente. Ted agarrou-a e fê-la esconder-se entre dois bancos.
—Cinco!... —Bramou o governador. —Aproxima-se outro!... Quatro!...
O seu grito de triunfo confundiu-se com um uivo de dor. Mas a bala do seu adversário atingira-o também, atravessando-lhe o peito, junto à axila direita. Caiu pesadamente sobre o assento, depois de soltar o revólver. Ao cair bateu com a cabeça no guarda, que continuava na janela. Só, então notaram que ele já não disparava, que estava morto.
—Não esqueças, Ted— disse o governador com voz débil. —O dinheiro é para os camponeses pobres de... —Não completou a frase.
Perdera os sentidos. Ted apertou os lábios, que formaram uma linha seca, quase trágica. Agora tinha as duas mãos livres, um «rifle» e uma vida que não se importava de perder. Assomou a cabeça temerariamente pela janela e fez fogo. Outro homem caiu, atingido no peito.
Agora, só ficavam três inimigos, um dos quais era Larry Thompson. O outro era um mexicano, o terceiro, um tipo vestido de preto, com o rosto coberto por um pano. Ted ainda não o tinha visto, naturalmente, porque ele devia ter cavalgado colado na retaguarda da diligência.
Ted perguntava a si próprio quem seria quando o desconhecido, levantando o revólver, fez fogo duas vezes. Mas Ted desviara-se rapidamente e pôde ver que os dois projéteis se cravaram, ao lado um do outro.
— «Duas Balas!».
A descoberta causou-lhe alegria e assombro ao mesmo tempo. Agora, sentia curiosidade por saber quem era aquele misterioso indivíduo, e nessa ocasião, a um passo da morte, era o melhor que podia desejar.
Apontou novamente o «rifle» e fez fogo, mas do cano não saiu nenhuma bala. Estava descarregado!
Olhou para Anabela, instintivamente, pois era a única pessoa indemne, que tinha ao pé de si. A rapariga, que tentava enxugar as lágrimas com as costas da mão, estendeu-lhe um revólver carregado, com a outra.
—Perdão, Ted...
Ele aceitou o revólver, mas não quis fitá-la. Não quis ser fraco outra vez e morrer como um garoto que pede que lhe deem tempo para amar. Agora, só havia tempo para matar.
Jogando tudo por tudo, Ted deitou meio corpo de fora e fez fogo duas vezes. O último mexicano, que galopava à direita, contorceu-se em cima da sela, levando as mãos ao tórax. Tinha sido atingido no diafragma. Instantes depois, caía no solo.
Ted Lambert sentiu-se otimista. Julgou que a vitória estava ao seu alcance.
—Havemos de chegar, ainda que seja com as cabeças cheias de chumbo. E tu irás comigo, Larry Thompson.
Nesse momento, a resistência da carruagem ao tremendo esforço dos cavalos chegou ao fim. E com um espantoso ranger de rodas, voltou-se. Ted levou as mãos à cabeça, tentando proteger com o corpo Anabela. Ambos caíram num montão confuso, enquanto a carruagem dava duas voltas completas sobre si mesmo.
Ted sentiu uma pancada na cabeça e por uns instantes, permaneceu alheado de tudo. Mas o ruído dos cavalos excitou-o. Os seus dois perseguidores tinham-se colocado, um de cada lado da diligência, e iam apear-se, certamente. Ted deixara cair o revólver.
Quando o procurava, uma sombra projetou-se sobre ele. Estendeu as mãos e a chama de um tiro brilhou em frente dos seus olhos, como um novo Sol. Era Larry Thompson que tentava acabar com ele saltando para dentro da diligência. Mas com a precipitação, a bala não atingiu o alvo.
Ted saltou, então, sujeitando com violência o braço armado do seu inimigo e torcendo-o para baixo. Uivando de dor, Larry, sem poder evitá-lo, caiu sobre Ted. A ensanguentada diligência estremeceu, enquanto os dois homens lutavam no funil dela.
Oprimindo com as duas mãos o revólver que Larry empunhava, Ted bateu com ele, violentamente, na testa. Depois, deixou-se cair para o lado e cravou o joelho no estômago do adversário.
Larry gemeu, enquanto o cano de um dos «rifles» se cravava nas suas costas. Com um gesto de dor, quis reagir, mas já não pôde. Ted dava a volta ao revólver. Quando viu o cano em frente dos olhos, o «pistoleiro» soltou um grito selvagem, pedindo auxílio ao seu misterioso aliado. Este, porém, não lhe respondeu, e Ted, com uma brusca sacudidela, puxou o gatilho.
A bala entrou por baixo do queixo de Larry Thompson e foi sair pelo occipital. Fez-se um grande silêncio à sua volta. Mas Ted não teve nenhuma ilusão, porque sabia que o outro inimigo o estava espreitando. Procurou um ponto por onde sair, e encontrou-o entre duas tábuas deslocadas.
Com a agilidade de um gato, saiu para fora, sem utilizar a saída natural e lógica, que teria sido nesse caso uma das janelas. Viu então, nesse momento, em frente da diligência, «Duas Balas», com os dois revólveres engatilhado, esperando que ele saísse pelo único sítio lógico e presumível.
Ted, que conservava o revólver tirado a Larry, levantou-o para disparar, enquanto o sorriso cruel dos seus lábios se acentuava um pouco mais. Mas conteve-se. Nunca tinha disparado contra um inimigo que não olhasse para ele. Então, erguendo-se, perguntou:
—De quanto tempo precisas para disparares os dois tiros?
Rápido como um réptil, o desconhecido voltou-se para ele. Os seus revólveres apontaram-se para Ted, que se preparou para fazer fogo. Calculou que o seu inimigo chegaria a tempo de disparar também, pois tinha sido mais rápido do que imaginava e encolheu-se um pouco, instintivamente.
Mas, «Duas Balas» teve um segundo de hesitação. Olhou para a janela da diligência, à esquerda de Ted. Acabava de ver a cabeça de Anabela assomar à janela. Então, estremeceu, e com esse movimento, as armas desviaram-se. Depois, quis novamente apontar a Ted, mas este, quase contra sua vontade, como sob uma corrente nervosa, puxou o gatilho e disparou uma vez, outra e outra...
Com uma suspeita a roer-lhe o coração, Ted encaminhou-se para o cadáver. Um homem que contratara, sem necessidade aparente, tantos trabalhadores mexicanos... Um homem, que podia ter-se inteirado perfeitamente de que Anabela tinha ido à cadeia, com o propósito de salvá-lo, e depois mandara-a seguir por um grupo de «pistoleiros», para esperá-lo à saída... Um homem que tinha interesse em ocultar o «rifle», que servira para causar duas vítimas; que viu, com surpresa, que Regina o havia encontrado por casualidade, na sua casa, e não permitiu que fosse enforcada com ela, porque aquela arma, em plena rua, era um perigo demasiado grande... O homem que os salvara, de momento, mas sabendo que ambos morreriam, no dia seguinte; um dos poucos que sabiam que na diligência iam sacos, com dinheiro; um homem— o único—que por ser aliado de Larry Thompson, noivo de Anabela, pode submeter esta, por intermédio dos seus sequazes, a um autêntico clima de terror, para que a jovem procurasse proteção no «pistoleiro» e acedesse a um casamento que lhe repugnava... Esse homem, diabo ou fantasma, quem podia ser. Ted Lambert arrancou o pano que ocultava o rosto do cadáver e viu, então, que era o pai de Anabela Loren.
*
Os dois cavaram pacientemente uma vala, e foram depositando nela quantos corpos lhes foi possível encontrar... Depois, Ted cobriu-a de terra. Feito isto, Anabela e ele ficaram imóveis, ao lado um do outro.
—Rezemos! —disse Ted.
Rezaram em silêncio, cada um para si, após o que, Anabela começou a chorar.
— Ele nunca pensou que eu vinha nesta diligência—disse, a soluçar. —Não imaginou que eu havia dito em voz alta... que era uma Loren... Que o dinheiro dos Loren tinha sido ganho honradamente. E que eu te havia desprezado...
Ted acariciou-lhe os cabelos, enquanto algo de suave e terno nascia no seu coração. Então, fitou-a.
— Nós ambos temos algo que perdoar-nos mutuamente, Anabela. Fui eu quem disparou contra ele. Se eu soubesse quem era, talvez...
A jovem escondeu o rosto no seu peito, e abraçando-se a ele, com todas as forças da sua juventude, chorou arrependida...
—O meu orgulho levou-me a denunciar-te, Ted. E eu era mais infame do que qualquer destes mortos... Deves perdoar-me. Há momentos em que uma mulher...
—Fala demais... —concluiu o governador, que estava sentado sobre os restos da diligência, com um lenço apertado contra o peito. —Estão à espera de que eu perca o sangue todo, enquanto estão para aí a dizer tolices?! Dentro de alguns minutos, passará por aqui a diligência do correio de «Phoenix», de regresso a Pedra Branda. E preciso fazer-lhe sinal para parar... Ou julgas, meu condenado, que vou indultar-te de todas as tuas culpas, se não me ajudas um pouco? Que julgas tu, meu velhaco?
—Cale-se, seu governador politiqueiro— grunhiu Ted —não pode resistir ao costume de fazer discursos, nem mesmo quando está em frente de dois namorados?
Anabela levantou o rosto e os dois beijaram-se timidamente nos lábios. Por um momento, as duas bocas separaram-se para tornarem a unir-se, dessa vez mais demoradamente. O governador do Arizona começou então a soltar grunhidos de indignação e doestos contra Ted e os da sua igualha. Mas os seus cómicos protestos foram logo abafados, pelo ruído ensurdecedor dos cascos dos cavalos e das rodas do correio de «Phoenix...» que ia ser a diligência para o paraíso.
FIM
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