quinta-feira, 17 de março de 2022

CLT008.09 As lágrimas amargas de Anabela

Ted Lambert apoiou a sua mão direita, porque ao abrir os olhos parecera-lhe ver andar tudo à roda. As vozes eram tão afastadas que pareciam irreais. Mas, ao percebê-las melhor, levou a mão ao revólver.

«Anabela!» — disse num sussurro.

Ouviu girar a chave na fechadura. Agora a porta estava aberta. Qualquer podia entrar, mas ninguém se atreveu receando ser atingido pela primeira bala.

—Abre a porta e sai com os braços levantados, Lambert! Poupa mais sofrimentos, visto já não poderes escapar.

Ted rangeu os dentes e engatilhou o revólver...

—Venham buscar-me, meus amigos. Estou à vossa espera.

Ouviram-se duas detonações e Ted sentiu que algo frio roçara-lhe pelo pescoço. Deitou-se no solo, abrigando-se atrás da pilha de sacos.

Ao cair, viu um homem, na rua, agachado, que disparara da janela. O atirador fez novo tiro, mas ele já estava resguardado. Começou a arrastar-se pelo solo de forma que, sem oferecer alvo das janelas, pudesse apontar para a porta. Esta moveu-se.

—Entrem! Porque esperam? Tenho bastantes balas para todos, cobardes. A porta entreabriu-se.

Ted fez dais tiros e os projéteis assobiaram rente ao solo, entrando pelo resquício da porta.

—Com os meus respeitos para Anabela.

E fez fogo outra vez. Mas a bala rugiu, sendo repelida pela porta, que se fechou logo.

— Disparem das janelas! É preciso acabar com ele! Dois novos atiradores haviam-se colocado nas únicas aberturas exteriores da cave, de. modo que já eram três que disparavam contra ele. As balas cravaram-se nas caixas, ficando embotadas nos cereais que continham.

Tentou arrastar-se de novo, para procurar uma posição melhor, visto que as balas disparadas contra o solo, ressaltavam perto do seu rosto.

Nesse momento, a porta abriu-se e um homem apareceu no umbral. Não viu Ted; todavia, a primeira coisa que fez foi lançar-se no solo. Mas não ficou com muita saúde. Uma só bala, disparada por Ted atravessou-lhe um quadril, deixando-o sem movimento desse lado.

Mas antes de ele dar conta disso, apareceram mais dois homens. Ainda pôde ver que não eram homens de Pedra Branda, pois estavam bem vestidos e tinham uma chapa de metal, nos casacos.

O exame durou pouco tempo. Duas balas assobiaram-lhe aos ouvidos, fazendo-lhe fechar os olhos. Quando os abriu, viu perto de si o primeiro homem que ele atingira, apertando o ferimento com as mãos. Dos outros, nem rasto. Sem dúvida, haviam-se colocado em melhor posição, para o atingirem.

O ferido fitou Ted com um olhar aterrado, pois o fugitivo estava a uns dez passos dele, apontando-lhe os dois revólveres. Um só movimento do gatilho e o homem passaria para um mundo melhor. Mas Ted não disparou. Disparar agora, para quê?

De súbito, sentiu-se prostrado por uma estranha fadiga. Uma indiferença total invadia-o por momentos. Para que continuar assim? Jamais sairia vivo de Pedra Branda. Tivera pouca sorte na vida e este era o momento de pagar. Não havia por que defender o que já não tinha valor algum. Era preciso acabar docemente, de uma vez ficar para sempre em paz. Uma bala estilhaçou o canto de uma das caixas ao lado da sua cabeça.

Então, Ted atirou um dos seus revólveres para 'o centro da cave...

—Vou poupar-lhes trabalho, meus amigos...

Não era já medo que ele tinha, mas apenas aborrecimento de viver. Atirou a outra.

—Vou pôr-me em pé, com os braços ao alto. Se lhes der na gana, disparem! Fica logo tudo liquidado!

As armas, inquietas, ficaram apontadas para o lugar donde a voz partira e os olhos dos sitiadores semicerraram-se por momentos, esperando o momento de puxarem o gatilho.

—Cuidado! Não se fiem nele. Tem outro revólver!

Era a voz de Anabela Loren. Ted sentiu o desejo de rir e chorar, ao mesmo tempo, mas, por fim, soltou uma praga. Aquela era a voz mais insinuante e mais acariciadora que nunca, da formosa Anabela.

—E verdade! Tenho outro revólver! Mas é a primeira vez que não me lembrava de um objeto tão precioso e útil!

Sacou do bolso a arma que Anabela lhe tinha dado. E com um gesto de despeito, atirou-o também para junto dos outros.

—Levanta primeiro os braços. Queremos ver as tuas mãos limpas!

Ted não obedeceu. No fim de contas, se disparassem, nada já tinha a perder. Com os braços caídos, ao longo do corpo, avançou. De diversos pontos da cave, quatro homens apontavam-lhe as suas armas. Além deles, nas janelas vigiavam-no três «rifles».

—Avança para a porta. Estamos a apontar-te...

—Julgam que não vejo?!...

Anabela estava à porta, mais altiva e formosa que nunca, a jovem mais bonita de Arizona, a mais doce e a mais...

—Traidora! —exclamou Ted, em voz baixa.

Ela não se perturbou. Fitou-o com uma expressão de orgulho e retorquiu:

—Atrever-se a insultar uma Loren...

—Já sei! Já sei que o dinheiro do teu pai foi ganho honradamente —disse ele, num sussurro. —Isso justifica tudo!

Não quis protestar mais! Era tudo inútil e estava já resolvido a tudo. O que quisessem fazer com ele, estaria bem feito. Só lamentava que houvesse uma mulher morta no princípio da sua vida e uma mulher pérfida, no final dela. Começara vingando a morte de uma rapariga demasiado humilde, e outra, demasiado orgulhosa, condenava-o à morte. Era o fim.

—Poderiam enforcar-me aqui mesmo—disse Ted. —É um bom sítio!

— Enforcar-te?! Hem!

Um pouco surpreendido, Ted Lambert reparou então mos homens que acabavam de prendê-lo. Estavam vestidos da mesma maneira e todos tinham uma placa no lado esquerdo do peito. Compreendeu, então, que eram membros da escolta do Governador do Estado.

Pelo visto, este chegara já a Pedra Branda, justamente a tempo de ser testemunha de duas coisas: a irrupção de «Duas Balas» na cidade e a morte de Ted Lambert, um dos homens mais perseguidos.

— Vais acompanhar-nos. O Governador é que escolherá o sítio onde deves morrer.

—É uma grande distinção para mim!

Sem oferecer resistência, Ted deixou-se conduzir até à saída da casa. Anabela afastou-se para deixá-lo passar. Os seus olhos tinham um clarão estranho. Ted deteve-se, ao passar junto dela, e fitou-a. Mas fê-lo, sem ódio, com frieza, como se já nada lhe importasse.

Nesse olhar apareceu toda a amargura que o acompanhara durante toda a sua vida, porque Anabela sentiu como se algo a atravessasse. Baixando o olhar, apertou as mãos.

Ted continuou a andar, sem proferir uma palavra. Quando os passos da escolta se extinguiram na escada, Anabela apertou o rosto entre as mãos e pôs-se a chorar. As lágrimas, tão amargas como o seu pecado, deslisaram até aos lábios.

Ted saiu para a rua, entre os agentes que o custodiavam. Uma dupla fileira de homens havia-se formado ao longo dos alpendres. Viram-no passar, em silêncio, quase taciturno. Ê que todos sabiam que Ted Lambert significava pouco perigo para as suas vidas, enquanto o sanguinário «Duas Balas» continuava à solta.

O Governador estava instalado no único hotel que havia em Pedra Branda. Era um homem gordo, sanguíneo, de carácter violento, mas no fundo bondoso. Conhecia Ted do tempo em que este fora guarda da fronteira. Ao vê-lo entrar, disse-lhe logo:

—És um bom patife! Em que terra julgas que estás?

—No Arizona. E não me agrada nada.

—Devia mandar-te enforcar imediatamente por toda a pólvora que obrigaste a gastar em Pedra Branda. A ti e à rapariga.

—Quê? Ela também foi capturada?

—Foi, sim.

Ted baixou a cabeça.

— Então, mande-me enforcar.

Atrás dele, seguiam vários homens, escolhidos entre as personalidades de destaque da cidade: o pai de Anabela e o seu inseparável Larry Tompson, os dois lugares-tenentes do xerife, o juiz.

— Serás transferido amanhã para «Phoenix» —disse o governador. —Irás numa diligência bem guardada. Quero colher uma informação detalhada sobre os acontecimentos ali ocorridos, antes da tua partida. Nunca condeno sem ter todas as provas na minha mão.

— Os interesses mais elevados da população serão contra mim — retorquiu Ted. — Além disso, «Phoenix» é para mim uma terra de tristes recordações. Porque não me enforcam de uma vez e suprimimos toda esta comédia?!

—Faço o que julgo justo—gritou o governador. —E se quis a casualidade que chegasse hoje a Pedra Branda, na minha visita de inspeção, não será para deixar as coisas no ar... Levem-no já daqui.

Ted foi brutalmente empurrado para fora do aposento. Os «grandes» da cidade foram atrás dele. Quase ao pé da cadeia encontraram-se com outra comitiva.

Quatro homens custodiavam Regina que levava os pulsos apertados por dois aros de ferro, ligados. Traziam-na, sem dúvida, da forja, onde haviam sido fechados.

A rapariga parecia esgotada e dava a sensação de que toda a sua vitalidade se havia dissolvido durante as últimas horas. Ao ver o grupo de Ted, não cravou os olhos neste, mas em um dos homens que iam atrás dele: Larry Tompson. Todos puderam ouvir a sua voz, uma voz cansada, como a de uma velha:

— Não podes deixar-me assim, Larry. Não tentaste salvar-me esta manhã... perdoo-te. Mas agora não deves deixar-me morrer desta forma. Estou cansada, Larry; não sou a mesma. Tens de dizer a todos que já não tentarei fugir. Tens de pedir-lhes que me encerrem num lugar, onde possa ver-te e sentir a tua presença, ainda que nunca mais saia dali... Tens de...

— Cala-te!

A voz de Larry era dura e imperativa, era a voz do «pistoleiro» que havia imposto no Arizona a lei do seu revólver. Regina Parkinson calou-se. Os dois grupos seguiram até à porta da cadeia. Ted notou que estava bem guardada. E quando transpôs novamente as suas portas, pensou que essa vez era a definitiva e que não poderia fugir.

*

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