sexta-feira, 11 de março de 2022

CLT008.03 Prontos para a forca

Foi Regina Parkinson quem disparou primeiro. 

Ted empunhava o revólver e crivaria, talvez, o primeiro que saltasse sobre ele, no intento de defender desesperadamente a vida que já considerava perdida. 

Sem embargo, Regina disparou com ódio, mesmo com desejo de matar. A bala do rifle atingiu no ventre um dos agentes do xerife, que caiu redondamente no solo soltando uma espécie de urro. 

—Estás doida? Já restavam poucas probabilidades de sair daqui vivo, mas agora, esses homens prefeririam que lhes cortassem as mãos, em vez de abandonar o cerco! 

Sem lhe dar atenção, Regina fez fogo novamente, mas falhou o alvo e os seus lábios distenderam-se num esgar de ódio. Ted passou-lhe uma rasteira fazendo-lhe perder o equilíbrio, para não continuar a disparar.

— Tu ainda podes salvar-te! Não faças mais tolices e sai com os braços no ar. Eu ficarei aqui enquanto tiver uma bala no revólver. 

Regina riu-se nervosamente, sem largar o «Sharp». 

— Salvar-me, eu!? Tu é que estás doido, Ted. Amanhã haveria festa na localidade para que toda a gente pudesse presenciar a minha execução. A minha vida não vale dez cêntimos para os outros, mas para mim vale todo o ouro do mundo e quero defendê-la. 

Um homem aproximou-se da janela. Ted viu a sua cabeça e um revólver. Ouviram-se duas detonações quase ao mesmo tempo. A bala do adversário atingiu Ted no pescoço, causando-lhe um arranhão; mas o seu inimigo recebeu o projétil por baixo do queixo. Caiu redondamente no solo, sendo logo substituído por outro. 

Ted tornou a disparar. O segundo inimigo nem sequer teve tempo para levantar a arma. Teve apenas de soltá-la e levar as mãos ao quadril esquerdo. 

—Não se aproximem... Disparem de longe!... 

Era a voz do xerife. Ao ouvir aquela ordem, Ted adivinhou qual era a intenção dos seus inimigos: não continuar atacando estupidamente pela única parte da casa que estava defendida, mas entrar por qualquer das janelas da parte de trás. Devia haver mesmo alguém que estivesse já metendo mãos à obra, porque Ted ouviu o ruído de vidros partidos, atrás de si. 

—Estão a cercar-nos—disse em voz baixa. —Continuas disposta a morrer? 

—Estou disposta a defender a vida... 

Ted sorriu. Nas situações desesperadas, era como se já não tivesse forças nem nervos, como se tudo lhe importasse o mesmo. 

—Acaba de ocorrer-me uma ideia. Dispostos a morrer, mais vale que o façamos num quarto luxuoso. 

Ela contemplou-o com receio. 

—Que queres dizer? 

—Devemos voltar rapidamente para o primeiro andar. Esses tipos que dispararam através dg nela, continuarão a. atirar durante alguns minutos, antes de se assegurarem que não lhes respondemos. Os outros demorarão também algum tempo para poderem entrar em casa. Devemos aproveitar essa circunstância para chegar à alcova lá de cima, e, no momento em que forçarem a entrada, no rés-do-chão, saltarmos para a rua, nas suas costas. Depois, será tudo uma questão de velocidade... e de sorte. 

—É arriscado!  — Observou Regina. — Podemos partir uma perna. 

—E se continuarmos aqui pode acontecer-nos alguma coisa pior. Vamos! 

Arrastaram-se pelo vestíbulo, até à escada. Antes, porém, de chegar a esta, Ted voltou-se e fez fogo duas vezes para dar a impressão de que continuavam resistindo junto da janela. Mas da parte de fora continuava a cair, sobre esta, uma verdadeira chuva de balas, embora fosse apenas um fogo preventivo. 

—Não nos atacaram pelas outras janelas porque têm medo do teu rifle—disse Ted. —Devem julgar que estás vigilante. 

Regina não respondeu. Subiram a princípio, de gatas, mas depois, quando tiveram a certeza de que já não podiam ser vistos através das janelas de baixo, endireitaram-se e correram para cima com uma agilidade felina. Uma vez no primeiro andar, Ted escolheu o quarto do pai de Anabela, onde não havia espelhos. Aproximou-se cautelosamente da janela de cortinas espessas e espreitou para baixo. 

Nesse momento, três homens saltavam pela janela de baixo que, sem dúvida, haviam conseguido abrir. 

Para Ted, aquela era a melhor oportunidade. Então, fitando Regina, disse-lhe simplesmente: 

—Segue-me. 

Abriu a janela, de súbito, e deixou-se cair. Regina fez o mesmo. Ambos caíram de pé sobre as tábuas, quase juntos, produzindo um suado ruído de tambor. 

A distância de quinze metros, havia uns cavalos atados a uma barra. Os dois dirigiram o olhar para eles, com uma expressão de ansiedade. Ouviram-se alguns gritos na rua. Ted deitou a correr, julgando que a rapariga o seguia. Bastaram--lhe três saltos para chegar junto de um dos cavalos e desatá-lo rapidamente. Mas, ao voltar a cabeça, notou com surpresa que estava só. Adivinhou rapidamente o que se tinha passado. 

—Regina, ao cair partira um pé, ficando estendida a torcer-se com dores, enquanto dois homens voltavam da janela, a correr, na sua direção. 

Um minuto de indecisão pode perder um homem. Foi o que aconteceu com Ted Lambert. Nos primeiros momentos não soube se devia saltar para o cavalo e fugir, ou correr em auxílio da rapariga. 

Viu um dos homens aplicar uma violenta coronhada na cabeça de Regina, deixando-a sem sentidos. Arqueou as pernas, disposto a saltar, mas dois revólveres contiveram-no em respeito. A ordem não admitia réplica. 

Compreendeu então, que aquele seria o seu último minuto se não obedecesse, e o instinto de conservação fê-lo levantar os braços. 

Regina Parkinson jazia sem sentidos sobre as tábuas, e da cabeça corria um £o de sangue. O tipo que ameaçara Ted avançou dois passos para ele, intimando-o: 

— Larga o revólver! 

Ted obedeceu, deixando cair a arma no meio da rua. 

— Agora volta-te de costas! 

Ted continuou a obedecer. Nesse momento apareceu então nos olhos do adversário um clarão de maldade. Agora podia matar sem correr qualquer risco. Não havia nada mais fácil do que puxar o gatilho e despejar o tambor do revólver no corpo do prisioneiro. De súbito, porém, ouviu-se uma voz de mulher dizer: 

— Se disparas, Joyce, sou capaz de fazer com que te enterrem até à cabeça. 

Joyce inclinou o revólver e voltou-se ligeiramente. Ted fez o mesmo. Anabela, com o seu belo vestido de noiva, estava sob o alpendre junto de ambos, e fitava com um olhar de ódio aquele com quem casara. 

—Obrigado! —disse Ted. — És muito amável, querida esposa. 

Anabela avançou para ele com o mesmo olhar chamejante, arrastando a cauda do seu vestido e ao chegar junto dele, esbofeteou-o duas vezes, ruidosamente, fazendo-lhe oscilar a cabeça para um e outro lado. 

Ted, porém, levantou repentinamente o braço e prendeu a mão direita de Anabela. 

Todos julgaram que ele ia responder à agressão e inclusivamente dois homens levantaram os seus revólveres. 

Mas Ted Lambert aproximou a mão dela dos seus lábios, sem que Anabela o pudesse evitar e beijou longamente os seus dedos, delgados e compridos. 

— Amaldiçoado! 

Anabela revolveu-se, excitada, e tentou arranhar--lhe o rosto com as unhas, sem o conseguir. Nesse momento, um agente do xerife aproximara-se por detrás dele e bateu-lhe violentamente com a coronha dum revólver na cabeça. 

Quando voltou a si, Ted notou um sabor a sangue na boca. Ou as duas coronhadas tinham sido muito fortes, ou alguém o agredira novamente quando já se encontrava estendido no chão. 

Os seus dedos estavam enclavinhados na areia. Continuava ao comprido, de costas sobre o solo, cercado por um grupo de pessoas. Entre estas distinguiu a figura branca de Anabela e a de um homem alto, quadrado, que lhe chamou imediatamente a atenção. 

Na realidade, aquele homem ter-lhe-ia chamado a atenção em qualquer sítio, porque era um verdadeiro atleta, quase tão alto e corpulento como ele. Tinha um olhar frio e brutal, que feria. 

Mas o que mais atraiu a atenção do prisioneiro não foi isso, mas sim o facto de envergar o fato que ele próprio vestia, antes de roubar o fato de cerimónia. O que queria dizer que era o mesmo tipo a quem ele roubara a noiva, no caminho de Pedra Branda. 

Ted tentou levantar-se, mas aquele aproximou-se e com um terrível pontapé ao mento, voltou a fazê-lo cair no solo. 

Ted sentiu a cabeça zumbir, mas tornou a levantar-se. Desta vez conseguiu pôr-se completamente de pé, mas o seu hercúleo adversário voltou a abeirar-se dele e com um fulminante «gancho» cruzado enviou-o contra a grade da balaustrada, onde os cavalos estavam amarrados. 

No grupo ouviu-se uma exclamação de incitamento: 

—Dá-lhe a valer, Larry! 

—Faz com que chegue manso à forca. 

—Ensina-lhe as nossas leis, para que ele saiba o que ganham aqui os bandidos como ele. 

Caindo de costas sobre a grade, Ted levou a mão à boca e retirou-a toda ensanguentada. Os ouvidos zumbiam-lhe de tal modo que sentiu a tentação irresistível de tapá-los. Mas Larry avançou novamente para ele. 

— Mostra-lhe como tratas aqueles que insultam a tua noiva —berrou a mesma voz. 

Ted viu outra vez aqueles punhos largos e maciços como martelos. Tentou então cobrir-se com os dois braços, mas o seu movimento foi demorado. Na realidade, ainda não coordenava bem as suas ideias e ainda sentia a sua cabeça, como se flutuasse no ar. 

O punho direito de Larry alcançou facilmente a sua mandíbula inferior. Ted caiu para trás, perdendo o equilíbrio e descobrindo-se completamente. O punho esquerdo do seu inimigo entrou em ação. 

O «gancho» fez curvar a cabeça de Ted, cujos joelhos se dobraram. Os seus braços fizeram um desesperado e absurdo gesto, como asas que tentassem voar. Larry, soltando uma gargalhada, fincou com força os pés no solo e lançou a sua «série», que o tornara famoso nos rings de Arizona e da Cali-f6rnia. 

Para evitar que o seu inimigo caísse, cravou-lhe o punho direito no estômago, fazendo-o encolher. Então, com os dois punhos ao mesmo tempo, socou-o na nuca, com força. 

Ted Lambert tinha nesse momento a impressão de pairar pelo ar e já não sentia apenas dor. Viu o solo muito perto e soube que ia cair de bruços, mas não chegou a cair. 

O joelho do seu adversário cravou-se-lhe brutalmente na cara, obrigando-o a endireitar-se. A seguir, com uma crueldade, fria e científica, os dois punhos de Larry cruzaram-se, golpeando alternadamente o mento de Ted, que caiu para trás, exânime, com a boca dolorosamente entreaberta.

 — Bravo, Larry! Estás a demonstrar-lhe que és alguém. 

— Espera que ele se levante e dá-lhe com mais força. Abranda-o ainda mais um pouco, Larry! 

—Talvez seja o «Duas Balas»! Não tenhas compaixão dele! 

Ted Lambert ouviu todas estas imprecações, como entre sonhos, e como se na verdade não tivessem nenhuma relação com ele. Só quando ouviu «talvez ele seja o «Duas Balas» é que teve um princípio de reação, e os seus lábios se entreabriram. «Duas Balas» era o bandoleiro mais misterioso, audaz e perseguido do Arizona, e se existisse a menor suspeita de que pudesse ser ele, a sua morte seria apregoada. 

Sem dúvida, ele não abrigava a mais leve esperança de livrar-se da forca, mas morrer levando às costas os crimes de outro era demais. Ergueu-se um pouco tentando falar. 

— Eu... eu... — conseguiu balbuciar. 

Mas as suas palavras foram cortadas por uma golfada de sangue. Larry aproximou-se lentamente dele. Ted viu as suas botas e as esporas. E viu os seus olhos frios e cruéis. 

Afastou o olhar. 

Estava caído de costas no solo e tinha a sensação de ser um farrapo. Olhou com curiosidade, como o que vai despedir-se da vida e se sente atraído pelos mais pequenos pormenores desta, os chapéus dos espectadores. 

Ao fundo, encontrava-se Anabela, com a cabeça voltada para trás como se não quisesse vê-lo. 

Ted Lambert sentiu-se então envergonhado e uma dor, até aí desconhecida para ele, fê-lo crispar os dedos. 

— Levanta-te, boneco. 

Larry estava junto dele, a sorrir de troça. Ted fitou-o. Foi então, ao contemplar com atenção os traços fisionómicos daquele, que se fez luz no seu cérebro. Já o tinha visto. Era estranho que já não tivesse dado conta disso. 

Aquele homem era Larry Thompson, ex-jogador de box e um dos mais temíveis «pistoleiros» de Arizona. Contava-se dele que certa ocasião matara quatro adversários armados até aos dentes, em duelo aberto e apenas munido de um revólver. 

—Isto ainda é o começo, meu «pequeno». Tens medo de levantar-te? 

Estas palavras foram proferidas em voz alta e do grupo de espectadores elevou-se uma gargalhada unânime e ruidosa. 

— Estou à tua disposição, Larry Thompson! — retorquiu, apoiando-se nas mãos, para se levantar. 

Ele sabia que o seu adversário voltaria a fulminá-lo com um pontapé, antes que conseguisse erguer-se, e por isso pôs-se atento. 

Com efeito, Larry não resistiu à tentação de um novo êxito fácil e levantou a perna direita. Mas Ted moveu-se ao mesmo tempo, com uma rapidez e agilidade que já ninguém esperava. 

Mesmo recebendo um doloroso golpe, conseguiu prender a perna de Larry e apoiou-se nela. Este, que não esperava o movimento, perdeu o equilíbrio e caiu pesadamente, levantando uma nuvem de pó. 

Uma descarga elétrica pareceu abalar os espectadores, que se inclinaram para a frente, de punhos cerrados. Anabela voltou a cabeça. 

—Não te deixes desanimar, Larry. 

— Mostra-lhe quem manda. 

—Ele mesmo está a pedir que não tenhas compaixão! 

E Larry não a teve. Com o punho fechado tornou a bater na nuca de Ted, cujo rosto, em consequência do soco, ficou cravado no pó. 

Soltando uma gargalhada de triunfo, Larry libertou a perna e pôs-se de pé. Lambert, embora vacilante, imitou-o. 

Os dois ficaram, então, frente a frente, com os punhos preparados para a luta, mas com a diferença de que Ted via o seu inimigo, como através de um nevoeiro. 

Como era fácil de supor, foi Larry quem atacou primeiro, pois sentia-se mais forte. A sua direita foi ao rosto de Teci, que procurou esquivar-se, mas ao avançar, entre os dois travou-se um corpo-a-corpo no qual Teci recebeu, pelo menos, cinco fulminantes socos no estômago e no fígado. 

Lançou um gemido entrecortado, erguendo os olhos ao céu. Larry que jogava o boxe, segundo o estilo francês da época, empregou um dos seus golpes prediletos, que consistia em castigar o tornozelo do adversário. 

Soltando um gemido de dor, Ted esteve quase a perder o equilíbrio. Larry aproveitou o momento para lhe atirar um soco aos queixos, que o fez cair para trás. 

Dessa vez, como estava de costas para Anabela, Ted ao receber a pancada, retrocedeu vacilante, até ir de encontro a ela, que lançou um gemido. Ouviu--se urna gargalhada. 

— Não estás ficando muito bem em frente da tua esposa, Lambert! 

— É assim que a defendes? 

Uma nuvem vermelha passou pelos olhos de Ted. Teve então a sensação de que ia morrer, não na forca, mas debaixo dos punhos de Larry. Apesar disso, pensou que o faria dignamente, movendo os braços, até perder a última gota de sangue. E avançou. 

Larry já o esperava, de guarda fechada, precavido apesar de tudo. Não poderia surpreendê-lo, se não fingisse estar completamente groggy. Por isso, lançou-se a atacar de um modo torpe, impreciso. 

Com um sorriso, Larry preparou os braços e quando atacou, o seu inimigo pareceu transformar-se. A sua guarda de novato tornou-se de súbito, na de um autêntico profissional. 

Os dois punhos alcançaram inesperadamente o queixo de Larry, que recebeu os dois socos em cheio, com uma careta de espanto. 

Ted Lambert não podia perder essa ocasião. Embora as forças lhe faltassem, era a sua oportunidade. Saltou para a frente, com a guarda aberta, disposto a atacar e a não permitir que o seu inimigo se refizesse. Um impacto no estômago foi o início de uma série alucinante. Com os dois punhos, sem descanso, sem respirar sequer, atirou sete golpes seguidos ao rosto de Larry que, de braços abertos, como aturdido, parecia não compreender donde vinha aquela chuva mortífera. Tentou endireitar-se e conseguiu-o. Mas por isso mesmo, descobriu mais o rosto. 

Um «direito» de Ted fendeu-lhe uma sobrancelha e outro da esquerda, levou-o contra a grade da balaustrada. Uma vez ali, como um animal ferido e sangrando abundantemente pelo nariz e pela boca, lançou-se novamente à carga. 

Os dois homens encontraram--se no centro da rua, atacando-se como duas feras enlouquecidas, destroçando-se mutuamente os rostos e os punhos, esgotando as suas forças numa luta fantástica, que fazia enrouquecer as gargantas dos espectadores. 

Os dois antagonistas foram espaçando os seus ataques, insensíveis à dor, quase esgotados. 

Ted Lambert, mais destroçado, foi o primeiro a cair, entre o alarido da multidão. Larry ergueu-se, como um gigantesco palhaço, desarticulado, levantou a bota para esmagar a cabeça do seu inimigo, mas as suas forças não o sustiveram. E caiu exânime, sobre o corpo de Ted. 

Cem dedos, em forma de garras, separaram os dois homens e dúzias de braços levantaram brutalmente, ao mesmo tempo, Ted Lambert, para levá-lo à forca. 


Sem comentários:

Enviar um comentário