segunda-feira, 14 de março de 2022

CLT008.06 Seria aquela mulher uma pérfida pessoa?

 Ao ver aqueles homens ali, a primeira pessoa em quem ele pensou, foi em Anabela. «Estes tipos já me esperavam. Sabiam que eu ia fugir!»

Um travo amargo encheu. a. sua garganta. «Ted Lambert, vais morrer da forma mais estúpida: para divertir uma mulher».

Ele já não tinha balas no revólver que lhe haviam entregado parcialmente carregado. Saltou para trás.

Quatro projéteis atravessaram a abertura da porta. Os quatro homens tinham disparado ao mesmo tempo: dois tiros altos e dois ao rés do solo. Eram mexicanos. Os seus largos chapéus estavam adornados com uma fita doirada, as suas jaquetas grená cingiam-lhe o busto. Regina guinchou. Estava aterrada. Havia perdido por completo o domínio dos seus nervos.

— Não te mexas dai! —gritou-lhe Ted. — Apanha um revólver.

Mas Regina estava incapaz de reagir. E não obedeceu. Ted, por seu lado, dando duas voltas sobre si mesmo, chegou junto de um dos guardas feridos e arrancou-lhe a arma. Era um «Colt» negro, de calibre pesado.

Um dos mexicanos cometeu a tolice de entrar, mas foi recebido por uma bala do «Colt» que Ted havia tirado a um dos guardas e lhe atravessou a cabeça. Ele não desejava matá-lo, mas teve de apontar pela certa para não morrer.

O mais curioso foi o mexicano, apesar de estar bem morto, não chegar a cair no solo. Ted correu para ele e agarrando-o pelas axilas, avançou novamente para a porta, levando o corpo do mexicano, à sua frente, como um escudo.

Estava tão perdido, eram tão poucas já as suas esperanças de salvação, que qualquer coisa lhe servia, contanto que significasse movimento para o exterior. Tanto lhe importava morrer, levando nos braços um morto, a uma mulher como Regina Parkinson.

Duas balas cravaram-se no peito do cadáver do mexicano, sem que alguma delas chegasse a ferir Ted. Este fez fogo. E outro mexicano caiu. Os dois restantes correram para ambos os lados da porta.

O prisioneiro compreendeu, então, que seria atravessado se tentasse sair. Teve de largar o cadáver e retroceder antes que alguma bala o alcançasse. Encontrou-se de novo dentro de casa, mais desesperado que nunca e com duas mortes na consciência, o que agravaria as contas que tinha a prestar à Justiça. Agora—pensou— era digno do que o enforcassem.

Regina abraçou-se a ele, pelas costas. Estava com tanto medo, como uma mulher que nunca tivesse visto uma arma.

—Matar-nos-ão! — gemeu. —Tu sabes que não sairemos daqui.

Com um movimento brusco, Ted afastou os braços de Regina que o prendia pela cintura. Depois, inclinando-se sobre o guarda ferido, desabotoou-lhe rapidamente o cinturão-canana e colocou-o à cintura com toda a calma. Regina fitava-o estupefacta.

—Esta manhã saímos pela claraboia —disse ele em voz baixa, num tom de quem já não dá importância a quanto possa acontecer. —Tu poderás tentar a sorte. — Sai e desliza pelo telhado, como fizemos da outra vez. Com a diferença de que enquanto eu tentar sair pela porta só se ocuparão de mim e tu não correrás perigo.

Regina olhou para a claraboia. Os músculos do pescoço estavam tensos devido à angústia que sen 'tia. Depois, desceu os olhos e fitou Ted.

Enquanto saltava, ajudada por ele, para a abertura da claraboia, já sem vidros, uma nova saraivada de projéteis atravessou o vão da porta, destroçando os azulejos da parede fronteira.

Ted deu um empurrão à rapariga, contemplando a sua bonita figura, quando desaparecia pela claraboia e pensou que com isto se havia despedido da vida. Já não tornaria mais a ver uma mulher.

Deu um passo para a porta, sem pressa. Ao chegar junto desta, um mexicano saltou. Ted encontrou-se com ele, quando metia o revólver no coldre. Pensava não lutar mais, a fim de que, o selvagem espetáculo preparado por Anabela Loren resultasse menos fascinador. A sua morte seria como o fim de uma rês conduzida ao matadouro. Mas quando ia a pôr estes pensamentos em prática, tropeçou com o mexicano. Sentiu que o seu braço se movia e pensou no mesmo instante que era belo viver.

O seu punho esmagou como uma catapulta o maxilar do seu inimigo, que caiu para o lado. Ted deitou-se ao solo com ele. Duas balas passaram por cima da sua cabeça.

Eram três homens que nesse momento atiravam sobre ele, pois o ruido dos tiros havia atraído gente. Ted, que, entretanto, tinha sacado o seu revólver do lado esquerdo, fez fogo com ele, e um tipo de uns trinta anos, de feições rudes, caiu levando as mãos ao peito.

Um indivíduo encurralado pensa muito mais depressa do que aqueles que o encurralam. Ted pensou que estava perto de uma escura ruela lateral e que dois saltos lhe bastariam para chegar até lá, se antes não lhe deixassem a pele cheia de buracos. Era preciso tentar.

Saltou com todas as suas forças, obtendo um impulso que nem ele mesmo já esperava. O seu corpo embateu contra os azulejos da parede exterior da prisão; depois saltou sobre as tábuas do alpendre e mostrou-se durante alguns segundos como um alvo propício para atirar.

Quando Ted se levantava, ouviu-se um tiro. Sentiu, então, um leve prurido no músculo dorsal esquerdo. Se 'tivesse estado mais sereno, teria podido adivinhar que esse prurido não era senão a consequência do ziguezague que aquele projétil superficial traçava sobre a sua pele, antes de ficar cravado na derme, impedindo-lhe todo o movimento do braço esquerdo.

Assim, nesse momento, soube apenas que havia sido tocado e aquilo deu--lhe novas forças. Era preciso sair dali antes de perder demasiado sangue.

Deu outro salto, para a parte escura da rua estreita. Caiu no solo, levantando-se depois lentamente, como um homem que está já gastando as suas últimas energias. Foi a simples consequência do choque nervoso. Compreendendo isso, tentou saltar outra vez. Um impulso mais e os esbirros de Anabela seriam burlados. Com efeito, conseguiu-o.

Enquanto as balas silvavam ao longo da rua, ele foi avançando inclinado, colando-se à parede. Seguia o mesmo caminho da manhã anterior, que, ele bem o sabia, não o conduziria a parte alguma. Contudo, era-lhe impossível escolher outro.

Um amargo sorriso assomou aos seus lábios, enquanto pensava que ao encontrarem, mais tarde, o seu cadáver todos comentariam a sua pouca inteligência. Ouviu atrás de si umas vozes roucas:

—Ele procurará fazer-se forte, nos prados.

—Persigam-no!

—É preciso acabar com ele, antes de saltar as valas. A noite protege-o!

—Arranjem archotes!... Depressa!...

Ted continuava sorrindo. Com efeito, um homem inteligente iria para os prados fronteiros e, protegido pela noite tentaria ganhar tempo correndo de um lado para outro, procurando sempre afastar-se o mais possível da cidade.

Julgou-se bastante estúpido por não tentar isso e por pensar apenas em ir a casa de Anabela Loren e morrer ali, depois de dizer-lhe o que pensava a seu respeito.

Ouviu passos atrás de si. Os seus perseguidores estavam a pouca distância dele; mas obcecados pela ideia de que procuraria refúgio nos escuros prados, não pensaram sequer que ele pudesse ter continuado pela direita, seguindo a linha das casas, como um tranquilo transeunte.

Todos correram na direção das valas. Nem um se se lembrou de torcer para o lado direito. Ted reconheceu, então, que de momento tinha o caminho livre. Nem por um instante, enquanto caminhava, ele sentiu a dor no braço, produzida pelo ferimento. S6 uma profunda amargura destroçava o seu coração ao pensar no miserável ardil de Anabela, no capricho da mulher que o tinha desejado matar, comprazendo-se ao mesmo tempo com a sua agonia.

Os mexicanos deviam ser jornaleiros de Loren e ela havia-os escolhido, certamente, pela sua ferocidade e nunca pela sua inteligência. E ter-lhes-ia dito, talvez, com um dos seus inocentes sorrisos: «Façam-no sofrer».

Pouco a pouco, Ted aproximou-se da casa. As sombras da noite eram tão densas e tão negras como os seus desejos, nesse momento: esbofetear Anabela e morrer. E manchá-la com o seu sangue.

As paredes brancas da casa destacavam-se um pouco de entre as trevas. Na janela, através da qual tinha havido o tiroteio, horas antes, os vidros ainda não tinham sido repostos, de modo que pôde entrar com certa facilidade. No vestíbulo, que já conhecia, estava tudo escuro.

Avançou para a escada. «Anabela não deve estar agora—pensou. —Ainda se encontra com certeza, no alpendre em frente da cadeia. Mas, não importa. Esperá-la-ei aqui. Terá uma boa surpresa quando me vir. Uma agradável surpresa...»

Vacilando, embora sem fazer ruído, caminhou pelo corredor. Como já conhecia a porta do quarto dela, não hesitou. Um rasto de sangue assinalava a sua passagem. Empurrou a porta. Ouviu-se, então, um grito abafado, receoso, quase como um sussurro. Anabela estava ali.

— Conserva-te quieta, amaldiçoada!

Deu um passo em frente, fechando a porta atrás de si. O aposento encontrava-se às escuras, penetrando apenas uma luz débil pela janela. Anabela estava junto de uma mesa de centro, completamente vestida.

Ao vê-lo, tinha retrocedido. Ted pôde apenas distinguir o contorno da sua cabeça.

— Se gritas, matar-te-ei. Juro-te que gostaria de fazer isso...

Ela retrocedeu mais um passo. Parecia aparvalhada, ao vê-lo na sua frente.

—Ainda estás completamente vestida—disse Ted, num tom zombeteiro. — Agradou-te o espetáculo, em frente da cadeia?

— Mas…

Não pôde completar a frase. A mão dele caiu espalmada no seu rosto.

— Merecias muito mais. Merecias que utilizasse as últimas balas que tenho em marcar-te... Mas eu nunca matarei uma mulher como tu, nem lhe marcarei o rosto. Só quero cuspir todo o meu desprezo, todo o ódio que sinto por ti... e desejar que vivas muitos anos para não esqueceres isso.

E levantando de novo a mão direita, esmagou-a pesadamente mo rosto de Anabela, que estremeceu dos pés à cabeça.

—Oh!

Ted Lambert, à débil claridade da janela, viu as mãos de Anabela tremerem. Eram umas mãos tão suaves, tão finas e tão perfeitas, que uma sensação de doçura se apossou, por momentos, do coração do fugitivo. Aquelas mãos tremiam como as de sua noiva morta em Phoenix, quando ela foi procurá-lo uma noite e lhe declarou o seu amor. Mas estavam manchadas de sangue.

Ted ergueu-se. Sentia uma crescente fraqueza e compreendeu que aquilo estava pelo fim. Mas antes disso queria ver o rosto de Anabela, queria ver como eram os seus olhos, quando o visse morrer.

Deu mais um passo. A sua mão agarrou-a pelos cabelos. E teve-a tão perto que podia perceber o seu alento, mas só distinguia as suas feições de um modo estranho e confuso, como se a visse muito afastada. Os seus olhos eram incapazes, nesse momento, de penetrar as trevas do aposento e de ver claramente o que tinham na sua frente.

—Larga-me! Larga-me, suplico-te!

Ted aproximou-a mais de si e o alento ardente de Anabela pareceu penetrá-lo completamente. E viu tão perto de si os seus lábios entreabertos que sentiu uma suave tentação que teve de apertar os seus, com força.

—Não compreendo por que vieste aqui... — sussurrou ela.

Ted sentiu todos os seus nervos picarem-no, como minúsculas alfinetadas. Era como uma estranha dor, da qual só poderia libertar-se, matando a mulher que tinha contra o seu peito.

A sua mão esquerda elevou-se lentamente e agarrou-lhe o pescoço, apertando-o. Anabela gemeu. Também tinha gemido assim a doce rapariga de Phoenix, a quem queria ligar a sua vida. Também havia soluçado, como agora Anabela, quando se aproximou dele para lhe dizer que estava segura de morrer.

Ted Lambert arquejou. Foi como se tivesse perdido as suas últimas energias ante a beleza da mulher, que sentia desejo de estrangular. Afrouxou a pressão dos dedos e deixou cair os braços ao longo do corpo. E sentiu, mais rápido do que nunca o fluxo do sangue.

—Não sinto ter zombado de ti esta manhã—disse com voz surda. —Merecias muito mais. Mas um rufião, como Larry Thompson, se encarregará de amargar-te os últimos dias da tua vida.

A jovem soltou novo gemido. E ele via-a cada vez mais afastada e confusa, apesar de que uma aragem fresca fazia agitar as cortinas de gaze da janela e permitia mais facilmente a passagem da luz.

Imaginou Anabela, pérfida e orgulhosa, gemendo de raiva, na sua frente, e esperando vê-lo cair morto.

—És pior do que uma cadela do deserto—disse ele, em voz baixa. — Pior do que uma hiena esfomeada.

E tentou empurrá-la. Anabela, porém, agarrou-se a ele, não para se defender, mas para abraçá-lo, como se procurasse proteção nos seus braços. Com uma expressão de espanto, Ted viu que ela chorava. E viu também o seu rosto, ligeiramente ensanguentado, os seus vestidos rasgados, que deixavam os seus ombros e o pescoço, a descoberto.

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