segunda-feira, 27 de julho de 2020

BUF003.12 Regresso para salvar o rancho

— Mas que diabo estás fazendo?
— Não tens olhos na cara? Recolho as minhas coisas.
— Bem vejo, companheiro — Grunter ressentiu-se um pouco por aquele tom violento, completamente inesperado —. O que pergunto é porque o fazes.
— Desculpa, amigo — disse Kim, reprimindo os seus nervos — Vou-me embora.
— Porquê?
— Pelo que te disse esta tarde. Não vim aqui procurar sarilhos e estou farto de complicações. Cada qual que mate as suas pulgas.
— Dá esse osso a outro cão, rapaz. Foi Mad, não é verdade?
Não obteve resposta e prosseguiu:
— Eu falarei com essa menina tonta e...
Kinastor ergueu-se voltando-se para o velho vaqueiro, mostrando-lhe a sua cara em que brilhavam dois olhos de fogo.
— Não intervenhas nisto, Grunter — rugiu —. É um assunto pessoal e não tolero intromissões oficiosas.
— Está bem, homem — disse o seu amigo —. Foge com o rabo entre as pernas porque te gritaram.
Todo o corpo de texano vibrou como se fosse saltar sobre quem se atrevia a falar-lhe assim, mas dominando-se num supremo esforço, voltou-se para continuar a preparar a sua bagagem, enquanto Grunter dava meia volta e se afastava.

Estendido na sua cama ouviu chegar os homens, mas não se moveu porque sabia que Walter Gray não tardaria a procurá-lo e preferiu esperá-lo ali, longe de ouvidos e olhares indiscretos, Uma pancada na porta informou-o de que não se tinha enganado.
— Entre — gritou levantando-se.
— Grunter disse-me que você se vai embora — começou o rancheiro sem mais preâmbulos.
— Assim é. Esta mesma noite.
— Naturalmente você é senhor de fazer o que, muito bem entende, mas creio que mereço uma explicação.
— Sinto não lha poder dar. Vou-me embora por assuntos particulares e só esperei para me despedir de si.
— Lamento verdadeiramente que nos abandone, Kim. Não haverá forma de arranjar o assunto?
— Desgraçadamente, não há. Também queria pedir-lhe que me vendesse um dos seus cavalos.
— Pode ficar com o que mais lhe agradar.
— Não quero oferta, Walter.
— Peço-lhe que o aceite e que nos despeçamos como amigos. E ao dizer-lhe isto, refiro-me a si, visto que pela minha parte não posso esquecer que salvou a vida a todos nós.
— Está bem. Agradeço e aceito.
— Passe pelo meu gabinete ou, se prefere, mando-lhe um dos rapazes com o que lhe devo.
— Nem falar nisso, e não insista, pois de contrário não aceitarei a sua oferta.
— Porque não espera até amanhã? Talvez se refletisse com um pouco mais de calma... —deixou a frase em suspenso, olhando interrogativo.
— É inútil, já tive tempo de o fazer, mas, mesmo que assim não fosse, o resultado seria idêntico.
— Bem, Kim. Não quero insistir, visto que você sabe melhor que ninguém o que lhe convém, mas não se esqueça que terá sempre o seu lugar esperando-o.
— Obrigado. É muito possível que nos voltamos a encontrar, já que não abandonarei a região sem deixar arrumada essa questão dos salteadores e ladrões de gado.
— Que pensa fazer? Bem, perdoe se fui indiscreto.
— Não, não foi. Aceitarei o lugar de ajudante, do «sheriff» até voltar ao Texas.
— Jantará connosco esta noite?
— Não, obrigado. Prefiro estar só.
Por um momento ansiava ver novamente Mad, mas faltava-lhe a coragem para isso.
— Como você quiser. Adeus, Kim — acrescentou com pena, estendendo-lhe a mão.
— Adeus, Walter.
O jovem apertou-a efusivamente, e um momento depois ficava só. 
Já, era bem entrada a noite quando abandonou o rancho, mas não se afastou muito, e detendo-se sobre o cume de uma pequena colina próxima, donde via as luzes da casa, desencilhou o cavalo deixando-o preso e sentou-se apoiando as costas contra o rugoso tronco de um velho pinheiro, encheu o seu cachimbo e fumou devagar, o olhar fixo nas janelas iluminadas do rancho «Gray».
A largos intervalos, uma a uma, iam-se apagando as luzes, e agora somente brilhavam as estrelas naquela noite sem lua.
Não saberia dizer o tempo decorrido, nem sequer quantas vezes fumara durante ela. A noite era quente pelo que não acendera uma fogueira, na realidade nem nisso havia pensado, continuando absorto nas suas dolorosas reflexões, quando o arrancou da sua abstração o surdo e ainda longínquo galopar de muitos cavalos.
Instantaneamente alerta, o jovem aguçou o ouvido, pensando quem seriam e onde iriam os componentes daquela cavalgada noturna, que embora parecendo numerosa pelo ruído, era impossível precisar o seu número.
Com um daqueles rebates de coração que nunca o haviam enganado, Kim desprendeu o seu cavalo só se demorou mais que o tempo necessário para lhe por a brida saltou sobre o lombo em pelo; dirigindo-se a todo o galope para o rancho Gray do qual apenas o separava meia milha.
Ao descer como um alude pela suave barreira, o texano descobriu apenas a duas centenas de jardas, um grande número de cavaleiros que pareciam dirigir-se ao mesmo destino, e que ao verem-no um momento mais tarde, irromperam em grande gritaria esforçando as suas montadas.
Agora não lhe podiam caber dúvidas sobre a intenção dos cavaleiros. Tratava-se de um assalto ao rancho e embora não pudesse compreender o objetivo do mesmo, sentiu no mesmo instante a necessidade de avisar e, lamentando não ter tido a precaução de trazer a sua carabina, empunhou um dos seus revólveres e voltando-se sobre a sua montada disparou, alto, pois a distância era excessiva para uma arma curta.
A resposta não se fez esperar e no mesmo instante rasgou a obscuridade o clarão dos disparos, zumbindo as balas ao seu redor como vespas enfurecidas. Seguro de que o alarme já estava semeado, embora pouco convencido da sua eficácia, já que os cavalos devoravam a distância e se encontrariam pouco depois junto do rancho, Kim guardou a arma, inclinando-se sobre o pescoço da sua montada para oferecer o menor alvo possível, atento unicamente a evitar qualquer tropeço de fatais consequências.
Era assombrosa aquela corrida em plena noite, sem mais luz que a das estrelas, e com os dentes cerrados, Rim procurava perfurar as sombras com o fim de dirigir o seu cavalo pelo terreno duro e firme, até que os cascos deste pisaram o solo entre as cavalariças detendo-se junto da escada do pátio alpendrada.
O cavaleiro saltou agilmente, ao mesmo tempo que a porta se abria e chegavam correndo uns quatro «cowboys» meio vestidos que um instante antes vira sair do dormitório comum. Disparavam as armas e um enxame de chumbo encheu o ar.
O cavalo afastou-se assustado, um homem caiu com uma maldição na boca e alguns tiros esporádicos soaram em débil resposta, enquanto outros vaqueiros que tentavam abandonar o enorme barracão de serviço, voltavam a desaparecer nele, procurando refúgio atrás dos sólidos troncos de que era construído.
Um homem, vestido apenas. com umas calças e uma camisola que lhe cingia o torso poderoso, no qual reconheceu o jovem Dick, recolheu o ferido colocando-o ao ombro com assombrosa facilidade, enquanto Rim, no alto das escadas, fazia saltar dos seus «Colts» um rugido contínuo, protegendo a sua retirada e um momento depois haviam-se refugiado atrás da sólida porta do «bungalow» trancando-a apressadamente.
— Depressa subam para o andar superior! —gritou o texano, tomando o comando desde o primeiro momento —. Aqui não podemos resistir à acometida de todos esses homens.
— Mas que diabos é isto? — rugiu Walter Gray que de roupão carregava a sua carabina.
Sem lhe dar importância, já que não havia tempo para explicações, Kim subiu a ampla escada saltando os degraus a três e três, encontrando no alto dela, Mad e Vivian, também envoltas em robes, e que, pálidas e assustadas, pareciam interrogá-lo com o olhar, enquanto a primeira mantinha no alto um candeeiro de petróleo com que alumiava a cena.
— Apaguem essa luz e tragam todas as armas disponíveis — ordenou-lhe correndo para uma das janelas e disparando —. Tenham cuidado em não ficarem a descoberto e ocupem-se em nos fornecer as munições.
Tomando uma pausa para carregar as suas armas, fez um rápido balanço da situação. As duas mulheres, Walter, Grunter, Jack, Dick, um par de vaqueiros mais o ferido que era Lee, sem contar com ele, eram as forças disponíveis para defender a casa, além da ajuda, apreciável, visto que lhes cobria um flanco, que lhes poderiam prestar os vaqueiros que se encontravam no dormitório. Contra isto, tinha na sua frente mais de trinta bandidos com o evidente propósito de acabarem com todos eles. A situação não era, pois, muito folgada.
— Entraram por uma das janelas, Kim — avisou a voz de Jack.
— Tu e um dos rapazes vigiem a escada e fogo sobre tudo o que por ela assome — gritou para se fazer entender sobre as detonações. — Dick, como está o ferido?
— Tem uma coxa atravessada. Não é muito grave.
— Façam-lhe um tratamento de emergência e leva-o para a parte de trás. Vocês devem defendê-la. Walter, você e outro rapaz encarregue-se da ala esquerda. O flanco direito não precisa de ser vigiado pois cobrem-nos desde o barracão, mas de todas as formas, Dick pode deitar-lhe uma olhadela de vez em quando. Grunter e eu nos ocuparemos da frontaria.
Sabendo todos que não havia tempo a perder, afastaram-se rapidamente para os postos que lhes haviam sido destinados. Fora, as armas nao deixavam de disparar, e depressa se uniu o estrépito das explosões no interior, demonstrando que Jack e o seu companheiro defendiam o seu baluarte.
O fogo tornou-se tão intenso naquele sector que, de um salto, Kim lançou-se em seu auxílio e com um arrojo suicida, como se procurasse a dor física que perfurasse a sua carne com a mordedura do chumbo, um revólver em cada mão, erguido no alto da escada encheu de balas os degraus em que umas sombras escuras apareciam deitadas, ganhando lentamente terreno.
Como se existisse um fado especial para os loucos, o jovem não recebeu uma única beliscadura enquanto que os gritos de agonia, a surda queda dos corpos e o acelerado ruído de pés sobre os degraus, demonstravam que a sua temeridade era premiada pelo rápido abandono ela escada por todos os que ainda estavam em situação de se retirarem.
Kim não se concentrou em ponto fixo, acudindo onde o fragor dos disparos era mais intenso e a sua mortífera pontaria resolveu todas as situações apuradas.
Sabia que o assalto não podia durar e que vencendo a virulência do momento, poderiam clamar vitória, pelo que sem fazer caso da mais elementar prudência duplicou os seus esforços para vencer a crise.
Com meia dúzia de carabinas e outros tantos revólveres disponíveis, incansavelmente carregados pelas mulheres que também se ocupavam em tratar dos ferimentos de que só uns poucos estavam livres, o fogo que se fazia desde a casa era incessante e as baixas entre os assaltantes iam sendo suficientemente sensíveis para que se tornassem mais prudentes, limitando-se quase a enviarem um bloco de chumbo contra o edifício.
Em mais de uma ocasião, ao passar junto de Mad, Kim havia reparado no olhar febril e ansioso em que ela o envolvia seguindo-o uns instantes, de cabeça erguida; enquanto os seus lábios se moviam como se murmurassem uma oração. Parecia distinguir o som dos seus passos entre o estrondo das detonações, e cada vez que os seus olhares se cruzavam, tinha de fazer um verdadeiro esforço para não correr para junto dela e estreitá-la entre os braços, mas naqueles momentos não podia conceder-se um só instante de repouso e continuava correndo para o lugar onde fazia mais falta.
— Acontece alguma coisa aí em baixo, Kim —disse Jack num sussurro, uma das vezes que se aproximou.
— Que queres dizer? Diria que se retiram se não fosse o crer ouvir vozes que discutem.
— Estão retirando, rapazes! — gritou Walter naquele momento, exultante de alegria empunhando o revólver com que tivera de substituir a carabina ao ser ferido no braço esquerdo, que tinha ao peito, partido.
— Redobrem a vigilância — ordenou o texano, interrompendo a alvoraçada gritaria que iniciavam os escassos defensores —. Não podem retirar-se agora, depois das baixas sofridas.
— E porque não se podem retirar? — replicou o rancheiro —. Precisamente as suas baixas parecem-me um motivo lógico de retirada.
— Quem quer se seja, e eu suspeito de Clarke, como ia explicar a repentina ausência de todos estes homens, mesmo no caso que fizesse desaparecer os seus cadáveres?
Com uma maldição mal contida Walter Gray voltou-se para a janela, procurando ver através da escuridão. Sem novos comentários, observado por Jack e pelo outro vaqueiro, os dois feridos, embora afortunadamente sem grande importância, Kim despojou-se das botas e carregando bem os revólveres começou a descer cautelosamente, dispostos a disparar contra qualquer sombra suspeita.
Na escuridão, contendo a respiração, com os «Colts» firmemente empunhados prontos para a ação, avançando cada pé lenta e suavemente até o assentar sem ruído no degrau imediato, o jovem foi descendo até ao vestíbulo e à medida que o fazia chegava-lhe com maior clareza o azedo diapasão de vozes discutindo e apesar de se encontrarem tão próximas que o fizeram redobrar de precauções, o contínuo fragor dos disparos impediu-o de ouvir uma só palavra.
Deslizando com a suavidade de um felino, chegou ao final da escada, onde a escuridão era tão completa que não podia distinguir nada, pelo que se movia com tal cuidado que o seu avanço era inapreciável.
—És tu, Bill? — cochichou uma voz próxima, fazendo-o imobilizar-se, contendo a respiração.
— Sim, homem. Estás com medo? — foi a rápida réplica, também em voz baixa.
— Pois não creias que estou muito tranquilo com tudo na escuridão. Além disso, não me agrada nada o trabalho desta noite.
-- Cala-te e não resmungues. Conhecida a posição daqueles homens, Kim deslizou entre eles atravessando o vestíbulo e depressa se encontrou junto da porta começando a entender algumas das palavras trocadas entre um grupo de quatro homens com as suas negras silhuetas apenas recortadas contra a ténue claridade do exterior.
— Digo que não o tolerarei — afirmou colérica uma voz que lhe pareceu reconhecer a de Rich.
O ruído de uns disparos impediu de ouvir a resposta.
— Podemos finalizar isto com o truque que você nos indicou e acabaremos com Kinastor noutra oportunidade.
Agora não lhe cabia dúvida alguma que era Rich quem falava.
— Isso estava bem uma vez suprimido o texano, mas assim é impraticável — replicou Elliot, o capataz do «Doble T», embora Kim não o pudesse identificar, visto que não o conhecia.
— Em todo o caso é inútil discutir. As mulheres estão ali dentro e se incendiássemos o rancho sofreriam a mesma sorte dos outros.
— Não o creio assim, filho — interveio seu pai —. Certamente as fariam sair, confiados que não as atacaríamos. Podemos dizer-lhe nós mesmos.
— Repito que não há discussão possível, pois acabo de mandar recado para que o resto dos nossos homens simulem o auxílio.
O silêncio que se seguiu foi impressionante pois coincidiu com uma trégua nos disparos cada vez mais esporádicos.
— Não o devia ter feito sem nos consultar, Rich. Se estamos todos aqui, podíamos havê-lo discutido.
— O resultado teria sido o mesmo. Eu não luto contra mulheres. Retiremo-nos que depressa teremos ocasião de tentar uma nova escaramuça, para acabar com Kinastor antes que ele possa falar com O'Grady.
Estas palavras decidiram o texano, resolvido a terminar.
— Falavam de mim, senhores? — perguntou com ironia.
— Kim! — gritou uma voz enrouquecida pela surpresa.
Com a sua figura recortada pelos deslumbrantes clarões das suas próprias armas que disparavam fogo e chumbo, erguido, entreabertas as pernas firmemente apoiadas no solo, sem tentar furtar o seu corpo às balas inimigas, Henry Kinastor esvaziou os seus «Colts» contra aqueles homens que, aturdidos e assustados, caíram alcançados pela mortífera pontaria do «ex-xerife», sem conseguirem dar réplica a quem de forma tão suicida se expunha.
No entanto, nas suas costas rugiam também os revólveres, e embora no mesmo instante se deixasse cair, não foi bastante rápido e uma pancada junto da omoplata indicou-lhe que havia sido ferido. Mas quando se voltava penosamente para repelir o ataque, emudeceram as explosões e a voz de Jack gritou o seu nome.
— Havia dois aí! — avisou-o para evitar que o rapaz cometesse urna imprudência
— Esses estão prontos. Aconteceu-lhe alguma coisa?
— Acertaram-me.
Um grito de angústia respondeu às suas palavras e um momento depois a voz de Mad pronunciava o seu nome afogado por um soluço, ao mesmo tempo que lhe chegava o som rápido dos seus passos descendo a escada.
Nas modulações daquele grito, assim como na rapidez com que ela ocorria desprezando o perigo, o jovem ouviu o anúncio da sua felicidade. Fora, com algaraviada de gritos e disparos, irrompeu um novo grupo de cavaleiros, ante os quais se iniciou uma precipitada retirada por parte dos assaltantes, e embora Kim soubesse que aquilo era um golpe teatral, sorriu tranquilo pois isso lhes permitiria reunirem-se com o resto dos vaqueiros do rancho, e ainda no caso improvável de que os foragidos voltassem à carga, embora encontrando-se sem chefes, já nada teria a temer deles, pois depressa amanheceria e unidos poderiam rechaçar todos os ataques.
Em todo o caso, o único importante então eram os cálidos braços que se cingiram em torno do seu pescoço erguendo-o, e os apaixonados beijos com sabor a lágrimas que cerraram os seus lábios. 



FIM


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